Depois da eleição de Donald Trump, são muitos os que acusam a rede social de Elon Musk de se pautar pela desinformação, manipulação política e disseminação de teorias antissemitas e de extrema-direita. As mudanças no algoritmo ajudam a explicar porque é que, como diz o Guardian, os benefícios de estar no X já são ultrapassados pelas desvantagens
Contas com grande número de seguidores no X decidiram abandonar a plataforma após a eleição de Donald Trump, afirmando que o X, anteriormente conhecido como Twitter, promove a desinformação e a extrema-direita e levantando preocupações sobre a relação do proprietário Elon Musk com o presidente eleito.
O jornal The Guardian - que detém dezenas de contas na plataforma com um total de cerca de 27 milhões de seguidores - justificou a decisão de não continuar ativo na plataforma com preocupações com "teorias da conspiração de extrema-direita" e racismo, e alegando que a eleição presidencial confirmou que o "X é uma plataforma de comunicação tóxica e que o seu proprietário, Elon Musk, tem usado a sua influência para influenciar o discurso político". Também o jornal espanhol La Vanguardia anunciou esta quinta-feira que deixará de publicar notícias diretamente na rede social X, alegando que se tornou uma "rede de desinformação" desde que foi comprada pelo milionário Elon Musk, há dois anos. Para o La Vanguardia, a rede X está “convertida numa caixa de ressonância de teorias da conspiração e desinformação”, dando como exemplo a recente campanha eleitoral nos Estados Unidos ou as “mentiras” que se espalharam em relação à depressão DANA que assolou Valência.
Não são os únicos. O jornalista norte-americano Don Lemon - que tem mais de 1,5 milhões de seguidores no X e está a processar Musk e o X - afirmou na quarta-feira que já considerou a empresa uma ferramenta útil para “debate e discussão”, mas decidiu sair depois de ver os novos termos de serviço do X, que só permite que futuras ações legais contra a plataforma sejam tratadas através do Tribunal Distrital dos EUA para o Distrito Norte do Texas (aparentemente uma estratégia da empresa para permanecer nas mãos dos tribunais conservadores do Texas, de acordo com reportagem do The Washington Post, citando especialistas jurídicos). Já a atriz Jamie Lee Curtis, que tinha mais de 745.000 seguidores e desativou a sua conta X na quarta-feira, publicou uma oração no Instagram com uma fotografia que mostra a sua conta a ser desativada, mas não especificou por que razão decidiu encerrar a sua conta.
A Wired noticiou ainda que, depois da eleição de Trump, muitos fãs de Taylor Swift estão a mudar-se do X para a Bluesky, numa forma de protesto contra a ligação entre Trump e Musk: “Adoro a ideia de construir uma nova comunidade aqui e gostaria de não ter de apoiar Elon de forma alguma”, disse um dos fãs à publicação. “Elon é, obviamente, um grande apoiante de Trump, o que não se alinha com os valores da Taylor nem com os valores dos Swifties.”
Este movimento já começou em 2022 e 2023 em resposta à propagação de atividades antissemitas por parte do X ou por não concordarem com algumas das diretivas da plataforma. Disney, Apple, Paramount, IBM e Comcast são algumas das marcas que deixaram de fazer publicidade no X. Várias marcas e até organismos públicos têm vindo a deixar de ser ativos no X, apesar de manterem as contas. Mas, de acordo com alguns relatos, o silenciamento no X estará a intensificar-se após as eleições americanas.
Musk deu o seu apoio à candidatura de Donald Trump à Casa Branca, canalizando milhões diretamente para a campanha do candidato republicano e mobilizando os eleitores nos principais Estados através do America Super PAC (uma campanha de ação política, em que Musk persuadiu os gurus da tecnologia a apoiarem Trump). Agora que foi eleito, Donald Trump, anunciou que vai nomear o homem mais rico do planeta, dono da Tesla e da rede social X, para chefiar um novo departamento de “eficiência governamental”, juntamente com o empresário republicano Vivek Ramaswamy. "Juntos, estes dois grandes norte-americanos vão traçar um caminho para a minha administração desmantelar a burocracia governamental, reduzir a regulamentação excessiva, cortar nas despesas desnecessárias e reestruturar as agências federais", disse Trump.
X é uma plataforma de abuso político, dizem investigadores
Que as redes sociais contribuem para a desinformação e têm problemas em controlar a disseminação de informações falsas parece já não ser novidade. Mas um estudo publicado esta quinta-feira na Nature Coomunications conclui que o X é uma plataforma de abuso político e sublinha que esta “característica fundamental” é utilizada tanto por simpatizantes de esquerda como de direita para relegar os opositores, dissidentes ou moderados e tratá-los como “inimigos”. O estudo realizado pela George's Business School, da Universidade de Londres, em colaboração com o Alan Turing Institute, analisou 375 milhões de interações no X durante um dia de setembro de 2022 para analisar a comunicação política em nove países: Canadá, França, Alemanha, Itália, Polónia, Espanha, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos. A conclusão é comum a todas as nações analisadas: "O abuso [político] mantém uma estrutura comum de aliados-inimigos" e "os indivíduos que se desviam do discurso de um determinado partido são rapidamente tratados como se fossem inimigos."
O estudo mostra que "as redes de interação política estão estruturalmente polarizadas no Twitter (atualmente X)". Além disso, demonstra que "as interações fora do grupo, definidas pela rede, são mais tóxicas do que as interações dentro do grupo, o que indica uma polarização afetiva". E identifica "uma estrutura comum de aliado-inimigo nas interações políticas", mostrando que "as menções políticas são mais tóxicas do que as menções apolíticas" e que "as interações entre contas politicamente empenhadas são limitadas e raramente recíprocas".
O mecanismo não se baseia apenas na adesão, rejeição ou partilha da mensagem, mas também, e sobretudo, na toxicidade do conteúdo. “Os posts que mencionam adversários políticos são mais tóxicos do que os que se referem a aliados”, dizem os investigadores. Os autores sublinham os malefícios da rede social, que muitos estudos restringem ao fenómeno conhecido como “bolha” ou “câmaras de eco”, que consiste na exposição exclusiva a conteúdos que coincidem com os seus preconceitos, mas que eles consideram ser mais amplos: o X permite a comunicação entre grupos de ideologia diferente, "mas a natureza dessa comunicação é muitas vezes abusiva". "Os modelos psicológicos sugerem que isto pode induzir um ciclo de reforço que pode piorar a interação e a polarização ao longo do tempo", admite o documento. Esta má utilização da rede deve-se à chamada "polarização afetiva", um fenómeno que se refere à forma como os apoiantes de uma determinada ideologia expressam apenas "sentimentos e emoções negativas em relação aos membros dos partidos políticos adversários".
Não vale a pena o esforço: "benefícios de estar no X são agora ultrapassados pelas desvantagens"
No ano passado, a NPR, organismo público de radiodifusão dos EUA, declarou que ia abandonar a plataforma devido a preocupações com a nova etiqueta “state-affiliated media” (meios de comunicação social afiliados ao Estado) do X, que deturpava a sua independência e credibilidade, disse. Mais tarde, o X retirou as etiquetas na sequência de um protesto de vários meios de comunicação, incluindo a BBC.
"Seis meses depois, podemos ver que os efeitos da saída do Twitter foram insignificantes", anunciava a administração da NPR num memorando distribuído à equipa, explicando que o tráfego caiu apenas um ponto percentual como resultado da saída do X, embora o tráfego da plataforma já fosse pequeno e representasse pouco menos de 2% do tráfego antes da interrupção da publicação. Embora a conta principal da NPR tivesse 8,7 milhões de seguidores e a conta de política tivesse pouco menos de três milhões, "as atualizações do algoritmo da plataforma tornaram cada vez mais difícil chegar aos utilizadores ativos; era frequente assistir-se a uma queda quase imediata do envolvimento depois de um tweet e os utilizadores raramente abandonavam a plataforma”, dizia o memorando citado pelo Nieman Reports. "Há uma visão desses números que confirma o que muitos de nós, profissionais de notícias, há muito suspeitávamos - que o Twitter não valia o esforço, pelo menos em termos de tráfego, conclui o artigo.
As estimativas da empresa de investigação Sensor Tower mostram que o o número de utilizadores ativos diários globais do X diminuiu cerca de 27% nos últimos dois anos, mas continua a ser dominante - o tempo médio passado na plataforma aumentou 32% por volta do dia das eleições, em comparação com os 30 dias anteriores. A base de utilizadores do X cresceu 17% em relação ao ano passado. No entanto, o que os especialistas em redes sociais sentem é que é cada vez mais difícil chegar a quem se quer chegar.
Isso mesmo disse o Guardian no seu comunicado: “As redes sociais podem ser uma ferramenta importante para as organizações noticiosas e ajudar-nos a alcançar novas audiências, mas, neste momento, o X desempenha um papel menor na promoção do nosso trabalho. O nosso jornalismo está disponível e aberto a todos no nosso site e preferimos que as pessoas visitem theguardian.com e apoiem o nosso trabalho nesse site”, afirmou o jornal, sublinhando: os "benefícios de estar no X são agora ultrapassados pelas desvantagens".
Durante muito tempo, estar no Twitter, mais do que gerar tráfego, era uma questão de construir reputação e credibilidade, quer como meio de comunicação quer como figura pública. "Estar no Twitter era fazer parte de uma conversa, e essa conversa podia informar histórias ou fornecer fontes", explicava Gabe Rosenberg, editor de audiências da KCUR em Kansas City, que deixou de publicar no Twitter ao mesmo tempo que a NPR. "Especialmente durante os protestos, o Twitter era uma ferramenta indispensável para seguir os organizadores e os acontecimentos no terreno, bem como para comunicar com o público em geral. Este tipo de ligação é difícil de abandonar, mas não é impossível de substituir."