Musk suspende contas de Twitter de jornalistas proeminentes e acusa-os de divulgar "coordenadas de assassínio"

16 dez 2022, 04:27
Elon Musk (Getty Images)

Pelo menos oito jornalistas norte-americanos que cobrem as atividades de Musk e do Twitter viram as suas contas suspensas sem justificação. Entre eles, profissionais da CNN Internacional, do New York Times e do Washington Post

Elon Musk comprou o Twitter prometendo ser um defensor radical da liberdade de expressão, mas menos de dois meses depois da concretização do negócio, o bilionário mudou de ideias e começou a calar vozes incómodas. Pelo menos oito proeminentes jornalistas norte-americanos viram as suas contas “permanentemente suspensas” esta noite na rede social, sem qualquer justificação da parte do Twitter. Todos têm escrito sobre o caos em que a empresa caiu desde que Musk a adquiriu por 44 mil milhões de dólares.

Entre os jornalistas suspensos do Twitter estão os profissionais da CNN Internacional, do New York Times e do Washington Post que têm acompanhado as atribulações de Musk desde que é patrão do Twitter. Apesar de não terem recebido qualquer justificação para a suspensão, vários visados suspeitam que se trata de uma vingança de Musk pelo facto de se terem tornado vozes críticas da gestão caótica que o bilionário tem levado a cabo na empresa.

Embora não haja qualquer explicação do Twitter, a suspensão parece estar relacionada com o fim da conta @ElonJet - os jornalistas suspensos estavam a escrever sobre mais este caso problemático da gestão Musk, e sobre o facto de a conta @ElonJet continuar a funcionar no Mastodon, outra rede social, alternativa ao Twitter. 

A conta @ElonJet tornou-se célebre ao divulgar no Twitter os trajetos do avião de Musk, utilizando informações públicas sobre tráfego aéreo global, disponíveis para qualquer pessoa. A conta, que tinha mais de meio milhão de seguidores, foi criada por um estudante universitário da Florida, Jack Sweeney, de 20 anos. A conta pessoal de Sweeney no Twitter também foi suspensa na quarta-feira. Foram igualmente suspensas contas semelhantes que seguiam em tempo real os aviões privativos de outros bilionários, como Mark Zuckerberg e Jeff Bezos, que nunca se queixaram da sua existência.

Musk alterou as regras de utilização do Twitter para introduzir uma regra proibindo a divulgação em tempo real da localização de aviões privados porque, segundo alegou, isso constitui um “risco de segurança” - nomeadamente para si próprio. Uma decisão que é o exato oposto do que o mesmo Musk prometeu há pouco mais de um mês. A 7 de novembro, quando se adensavam as dúvidas sobre o propalado compromisso do multimilionário em relação à liberdade de expressão, Musk escreveu: “O meu compromisso com a liberdade de expressão vai até não banir a conta que segue o meu avião, embora isso seja um risco direto para a minha segurança pessoal”.

“Coordenadas de assassínio”

Esta noite, conforme crescia o clamor contra a suspensão das contas dos jornalistas, Musk confirmou que tudo estava relacionado com a conta @ElonJet, escrevendo que Depois de surgirem as notícias sobre as suspensões, Musk escreveu que as "mesmas regras [contra divulgação online de informação privada] aplicam-se aos 'jornalistas' e a todos os outros". 

Segundo Musk, os jornalistas banidos “publicaram a minha localização exacta em tempo real, basicamente coordenadas de assassínio, em (óbvia) violação directa dos termos de serviço do Twitter”. Uma acusação que tem dois problemas: por um lado, o criador da conta de rastreio do avião de Musk garante que não disponibiliza essa informação em tempo real; por outro, pelo menos um dos jornalistas visados (Aaron Rupar) garante que nunca publicou “nada relacionado com o Elon Jet ou que pudesse violar a política [do Twitter] sobre revelação de localização. A não ser que essa política diga que quem critica o Elon é banido”.

“Preocupante, mas não surpreendente”

Para além dos jornalistas da CNN, do NYT e do Washington Post - três dos mais importantes órgãos de comunicação social dos Estados Unidos - o Twitter também suspendeu as contas de um jornalista do Mashable e outro do Intercept - dois sites de informação norte-americanos, para além de três jornalistas freelance. Todos estes profissionais têm em comum o facto de escreverem sobre tecnologia, nomeadamente sobre Musk e o Twitter, tendo uma visão bastante crítica da forma como o antigo homem mais rico do mundo (deixou de o ser esta semana) está a gerir a rede social.

A porta-voz da CNN disse que “a suspensão impulsiva e injustificada de uma série de jornalistas, incluindo Donie O'Sullivan da CNN, é preocupante mas não surpreendente. A crescente instabilidade e volatilidade do Twitter deve ser uma preocupação incrível para todos os que utilizam o Twitter", disse o porta-voz. A mesma fonte disse que a CNN pediu explicações ao Twitter, e que irá “reavaliar” a relação entre as duas empresas “com base nessa resposta”.

Um porta-voz do The New York Times disse que "a suspensão, esta noite, dos relatos no Twitter de vários jornalistas proeminentes, incluindo o Ryan Mac do The New York Times, é questionável e infeliz. Nem o Times nem o Ryan receberam qualquer explicação sobre a razão pela qual isto ocorreu. Esperamos que todos os relatos dos jornalistas sejam restabelecidos e que o Twitter forneça uma explicação satisfatória para esta acção".

Donie O’Sullivan, entrevistado pela CNN, lembrou que o Elon Musk que suspendeu a sua conta “permanentemente” é o mesmo que se diz “absolutista da liberdade de expressão”. Mas agora “Musk parece determinado em eliminar as contas de que não gosta”. O’Sullivan destacou ainda que este comportamento será particularmente problemático em relação a jornalistas freelance que não têm o apoio de um órgão de comunicação social, e que estejam a investigar outras empresas de Musk, como a Tesla ou a SpaceX.

Drew Harwell, o jornalista do Washington Post suspenso, emitiu uma declaração notando que “Elon diz que é o paladino da liberdade de expressão, e está a banir jornalistas por exercerem a liberdade de expressão. Acho que isto permite questionar o seu empenhamento”.

Antes de ser banido do Twitter, Harwell tinha escrito na rede social: "Liberdade de expressão é quando o segundo homem mais rico do mundo ameaça uma ação legal contra um estudante universitário de 20 anos por partilhar dados publicamente disponíveis de que não gosta", em referência às ameaças de Musk contra Jack Sweeney e a sua conta @ElonJet.

David Axelrod, antigo conselheiro de Barak Obama na Casa Branca, e atual comentador da CNN Internacional, acusou Musk de estar a “treinar para ser um autocrata”, expulsando “os seus críticos dos meios de comunicação social do Twitter. Lá se vai a liberdade de expressão.”

Musk responsabiliza conta sobre aviões por ataque a carro

Ontem, tentando justificar a necessidade das novas regras, Musk escreveu um tweet dando conta de que na quarta-feira um veículo onde ia um dos seus filhos teria sido perseguido por um indivíduo não identificado, que teria ameaçado a segurança dos ocupantes, alegadamente por julgar que o patrão da Tesla estaria a bordo. E relacionou esse incidente com a conta @ElonJet, embora esta apenas partilhasse informação sobre o avião. “Estão a ser tomadas medidas legais contra Sweeney e as organizações que apoiaram que se fizesse mal à minha família.”

A Polícia de Los Angeles não confirmou a existência do incidente denunciado por Musk, e disse à comunicação social que não tinha sido apresentada qualquer queixa. Por outro lado, é difícil discernir em que medida uma conta de Twitter que seguia um avião poderia ser responsabilizada por um ataque a um automóvel - tanto mais tendo em conta que a @ElonJet não publicava qualquer tweet desde o dia 12, e o suposto ataque à viatura de Musk aconteceu no dia 14. 

“Não percebo como é que as coisas podem estar ligadas”, disse Jack Sweeney à NBC News. "Também pode ser apenas uma táctica para me meter medo. Não sei", disse o estudante. À Newsweek, Sweeney afirmou que que não considerava a sua conta como uma ameaça à segurança de Musk, até porque os dados que divulgava, não só são dados públicos, como não são partilhados em tempo real.

Nas últimas horas, a conta oficial do Mastodon no Twitter também foi banida, depois de ter publicado um link para a conta @ElonJet. E, na quinta-feira à noite, as contas de Twitter operadas por jornalistas da NBC News também não conseguiram tweetar uma ligação para a conta @ElonJet no Mastodon. Por outro lado, vários utilizadores que publicaram esse link foram igualmente suspensos do Twitter.

O “absolutista da liberdade de expressão”

Musk tem escrito repetidamente sobre a necessidade de a sua plataforma ser um espaço de liberdade de expressão, e falou de si próprio como “absolutista da liberdade de expressão”. Em abril, quando ainda negociava a compra da plataforma, escreveu: "Espero que mesmo os meus piores críticos permaneçam no Twitter, porque é isso que significa a liberdade de expressão".

Entretanto, desde que é o patrão do Twitter, Musk tem-se dedicado a denegrir a anterior gestão da rede social, revelando decisões que significariam a supressão injustificada dos direitos de expressão dos utilizadores. Para além disso, Musk decidiu que inúmeros utilizadores que haviam sido afastados da plataforma por violação das regras podiam voltar - sendo Donald Trump e Kanye West os dois casos mais notórios de reintegração. Sem grande sucesso, nestes dois casos: Trump tem-se recusado a voltar ao Twitter, e West voltou a ser suspenso, depois de vários tweets polémicos, nomeadamente fazendo a apologia do nazismo.

A esmagadora maioria dos utilizadores reintegrados por Musk estão ligados a correntes radicais da direita e extrema-direita norte-americana, incluindo contas previamente banidas por disseminação de informações falsas, por promoção de teorias negacionistas sobre a pandemia de covid-19, e divulgação de teorias de conspiração e promoção de ideologias de ódio. Diversos estiveram envolvidos no assalto ao Capitólio, tentando impedir a transição de poder de Trump para Joe Biden.

Mas este empenho de Musk em abrir o Twitter a todas as vozes chocou de frente na vontade do mesmo Musk calar os utilizadores incómodos para si próprio. Começou, no início desta semana, com o cancelamento da conta que mostrava os trajetos do seu avião privativo. Agora, chegou aos jornalistas que acompanham as polémicas de Musk e do Twitter. Segundo Musk, a sua suspensão será de apenas sete dias (e não permanente, ao contrário do que se lê nas páginas das respectivas contas). “Algum tempo longe do Twitter faz bem à alma”, justificou numa resposta a um comentário.

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