Os emails que tramam Medina: 5 mil euros para assessor por comentários na TVI

23 mai 2023, 20:24

EXCLUSIVO. Assessor apoiava Fernando Medina na preparação de intervenções públicas. Problema: os serviços eram em nome particular, o pagamento foi feito pela Câmara, com dinheiros públicos. Veja a investigação todos os dias desta semana no Jornal Nacional da TVI e na CNN Portugal

Quando a investigação do caso Tutti Frutti avançou para buscas, em 2018, a Polícia Judiciária apreendeu a caixa de correio eletrónico de Fernando Medina, fazendo o que se chama de “cópia cega”. Abriu-se aí uma “Caixa de Pandora”. Se para o caso dos pactos de regime com o PSD saíram cerca de 20 emails “com relevância criminal”, centenas de outros emails, suspeitos, revelaram factos para outros processos que têm o atual ministro das Finanças como alvo.

É o que acontece com o caso do “assessor”, revelado em mais de 100 emails: a PJ descobriu que a Câmara de Lisboa pagava 5 mil euros, entre 2016 e 2017, a um assessor contratado por “serviços camarários”, quando a sua função era preparar os comentários de Fernando Medina na TVI, onde tinha um espaço semanal de opinião a título pessoal e não como autarca, e os artigos no Correio da Manhã.

Sobre isto, diz o Ministério Público que Medina é suspeito dos crimes de “participação económica em negócio, peculato, prevaricação e/ou de abuso de poderes.” Escreve a procuradora Andrea Marques, em abril de 2022, que “(...) foi detetada uma troca de mensagens que poderá configurar a prática de ilícitos penais, praticados pelo então Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, ora Ministro das Finanças, Fernando Medina.” O interlocutor dos emails com Medina era Filipe Abreu Nunes, que ao mesmo tempo era assessor do presidente da Assembleia da República, em 2016.

A PJ, num relatório, detalha que Fernando Medina, nos emails apreendidos, “sugere (a Filipe Abreu Nunes) a realização de uma avença por ‘serviços camarários’, como forma de retribuição pelo seu ‘auxílio’” nos espaços de opinião na comunicação social do cidadão Medina, em que não vestia a pele de autarca.

Em causa, reforça a magistrada, estão “factos relacionados com atividade privada e remunerada desenvolvida pelo à data Presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, cujos conteúdos foram executados por terceiro, que viria a ser ‘pago’ por esse serviço através de contrato de avença custeado pela edilidade.”

O contrato com a TVI, que vigorou entre 2015 e 2021, foi, de facto, feito a título particular – tanto que Medina recusava mesmo comentar na TVI polémicas que envolvessem a autarquia lisboeta, para não misturar os papéis. As colaborações na comunicação social terminaram dias antes de o atual ministro entrar para o governo.

Para receber da TVI e do Correio da Manhã, onde assinava uma crónica, a PJ avança que Medina tinha aberto atividade de “criação artística e literária”. Com isso, recebia “valores isentos de IVA (...) e com tributação especial de IRS”.

Mas a investigação centra-se nas avenças a Filipe Abreu Nunes por ajuste direto: Medina começou os comentários televisivos em setembro de 2015, na altura em que se iniciaram as trocas de emails com o assessor, que se prolongaram quase dois anos. São centenas de mensagens, incluindo mais de 100 com relevância para a investigação. A PJ encontrou-as na pasta de “lixo”: tinham sido enviadas e depois apagadas por Fernando Medina.

O primeiro contrato com Abreu Nunes é de julho de 2016, para serviços de apoio e aconselhamento ao presidente da Câmara de Lisboa, no âmbito das suas intervenções públicas. E há um novo ajuste direto em maio de 2017, pelas mesmas razões. Lê-se nos contratos que “a agenda de intervenções públicas do Presidente da Câmara de Lisboa exige, um contributo adicional, (...), efetuado por um elemento com experiência sólida na área das políticas públicas e da comunicação política, que seja simultaneamente conhecedor do funcionamento das competências e das prioridades políticas do atual executivo da Câmara Municipal de Lisboa”.

Assim, Filipe Abreu Nunes recebeu, de julho de 2016 a agosto de 2017, cinco mil euros. Nos emails percebe-se: era assessor do autarca, como vem no contrato, mas também de Fernando Medina, o comentador.

Confrontado com estas alegações, Fernando Medina nega ter contratado "assessoria específica às minhas participações na comunicação social".

Veja também:

Relacionados

Crime e Justiça

Mais Crime e Justiça

Patrocinados