O pacto entre PS e PSD nas autárquicas, o prédio de 10 andares dos filhos de Luís Filipe Vieira, o suposto pedido de Pedro Guerra. Tudo sobre as suspeitas que envolvem Fernando Medina

24 mai 2023, 07:00

EXCLUSIVO TVI/CNN. Investigação judicial ao caso Tutti Frutti trata formalmente os atuais ministros Fernando Medina e Duarte Cordeiro como suspeitos. Veja todos os dias desta semana no Jornal Nacional da TVI e na CNN Portugal

Tudo o que está escrito pela procuradora que investiga o polémico processo Tutti Frutti há já seis anos. Fernando Medina é formalmente suspeito de vários crimes, mas, até hoje, nem o ministro das Finanças nem nenhum dos governantes suspeitos foi constituído arguido.

“O Medina está a portar-se bem connosco”. O alegado pacto entre PS e PSD para dividir as juntas da capital

O Ministério Público assume formalmente suspeitas sobre Fernando Medina, atual ministro das Finanças, por vários crimes em pelo menos cinco processos, a que a TVI e a CNN Portugal tiveram acesso, e que estão relacionados com os anos em que o socialista liderou a Câmara de Lisboa.

Em causa estão alegados atos de corrupção, participação económica em negócio, financiamento proibido de partidos, prevaricação de titular de cargo político, tráfico de influências e abuso de poder.

Há dezenas de escutas telefónicas a terceiros e centenas de emails apreendidos a Medina “com relevância criminal”, que reforçam os indícios da Polícia Judiciária (PJ) e da procuradora Andrea Marques em relação aos casos sob investigação.

Também Duarte Cordeiro, atual ministro do Ambiente – e que era número 2 de Medina na Câmara – é considerado suspeito.

“Poderá configurar ilícitos penais praticados pelo ora Ministro das Finanças, Fernando Medina”, assume uma inspetora da Polícia Judiciária num relatório do processo Tutti Frutti. A mesma investigadora detalha os “acordos políticos entre Sérgio Azevedo (do PSD), Duarte Cordeiro e Fernando Medina (do PS) para a colocação de pessoas em lugares para avenças e posições estratégicas”, em 2017.

Já a magistrada do Ministério Público concretiza, apontando a “emissão de faturas falsas e acordos com responsáveis do PS para adjudicação de contratos públicos a empresas violando a transparência, integridade, zelo e boa gestão dos dinheiros públicos”.

No processo Tutti Frutti, centenas de escutas e vigilâncias põem a nu alegados esquemas de um bloco central de interesses entre PS e PSD. Um pacto de regime descrito pela PJ num caso que começou por autarcas e altos responsáveis laranjas, mas que se estendeu à cúpula socialista na Câmara de Lisboa, em 2017. Em causa a distribuição de dezenas de avenças para trabalhos fictícios e negócios de milhões celebrados com empresas de amigos em ajustes diretos. Estes esquemas só eram possíveis pelo controlo de determinadas juntas de freguesia da Capital – umas do PSD, como a Estrela, Santo António ou Areeiro; e outras do PS.

Segundo a tese da investigação, Fernando Medina terá feito um acordo secreto, ou pacto de não agressão, com responsáveis do PSD, seis meses antes das eleições, no sentido de apresentar “candidatos merdosos” (expressão que consta de uma escuta telefónica a Sérgio Azevedo, do PSD) às juntas laranja, entregando ali a vitória ao PSD e esperando que, em troca, o PS também tivesse uma fraca oposição nas suas juntas de eleição.

De resto, neste processo Medina parece “tramado” pelo então vice-presidente da bancada do PSD, Sérgio Azevedo, e pelo presidente da junta da Estrela, Luís Newton, ambos sob escuta. “Está combinado com o Medina eles apresentarem uns gajos merdosos para garantirmos (PSD) as nossas juntas”, diz Azevedo ao telefone, em maio de 2017. “Um acordo de governação com tachos por fora”, reforça.

“O Medina disse que na minha Estrela iam (PS) candidatar uma gaja do grupo de cidadãos”, contou Luís Newton a Sérgio Azevedo, ao que este respondeu: “O Medina está a portar-se bem connosco”. Como resume o deputado do PSD num telefonema então com um jornalista, “o PS ficou de apresentar candidatos fracos nas juntas que o PSD precisa”. Assim, fizeram uma troca e em determinadas juntas o PSD também “apresenta candidatos fracos para o PS ganhar”. E remata a dizer que “a gente vai tomar conta do país”.

Nesse processo, Sérgio Azevedo surge também a dizer ao telefone que ficou “a dever favores ao Medina” pelos 200 mil euros que a Câmara deu ao Rugby do Belenenses, para a construção de um campo cuja adjudicação Azevedo quer entregar à empresa de um amigo, Carlos Eduardo Reis, hoje deputado do PSD. “É crime pedir ao Fernando Medina uma reunião sem receber nada em troca”, acrescenta o social-democrata que meteu a cunha ao presidente da câmara.

“Corrupção, tráfico de influência, participação económica e em negócio e financiamento proibido”, são alguns dos crimes enunciados pela procuradora Andrea Marques. Tal como “prevaricação” e outros. Isto depois de, nas buscas de junho de 2018 da operação Tutti Frutti, a PJ ter apreendido a caixa de correio eletrónico de Fernando Medina, onde foram encontradas centenas de emails “com relevância criminal”. Uns sobre o esquema do Tutti Frutti (pactos de regime com o PS), outros relacionados com outros factos, ou já em investigação, ou cuja investigação nasceu aí: é o caso do assessor contratado pela Câmara, por Fernando Medina, por 5 mil euros por mês quando a sua missão seria preparar os comentários de Medina na TVI e crónicas de opinião no Correio da Manhã.

O prédio com 10 apartamentos do filho de Luís Filipe Vieira

Nos emails apreendidos a Fernando Medina na operação Tutti Frutti, a Polícia Judiciária encontrou suspeitas de outros crimes nas alegadas relações de favor com diferentes protagonistas, entre eles o então presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira. “Olá Fernando”, começa por escrever Vieira num email enviado ao então presidente da Câmara, a 20 de março de 2017. Em causa, uma cunha ao mais alto nível para “desbloquear” um problema da vida privada – a isenção de IMI para um imóvel do filho do presidente do clube encarnado, do qual Medina é adepto.

Num relatório da PJ, de 13 de maio de 2022, conclui-se por uma “situação que poderá eventualmente configurar a prática de ilícitos penais, praticados por Luís Filipe Vieira, então Presidente do Sport Lisboa e Benfica e o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, ora Ministro das Finanças Fernando Medina.” Andrea Marques, a procuradora que lidera a investigação, escreve depois suspeitar aqui de crimes de “corrupção e/ou de abuso de poderes”.

A cunha de Vieira era “referente à isenção de IMI de um imóvel comercializado pela empresa ‘Realitatis’ (...) porquanto o mesmo seria para habitação própria e permanente, pedido este que tinha em ‘forward’ um pedido de Tiago Vieira a solicitar desbloqueamento da situação”. A PJ descobriu que a empresa proprietária deste prédio na rua de Santa Catarina, em Lisboa, tem dois administradores: Sara e Tiago, ambos filhos de Vieira.

Mais: não se trata de uma casa, mas de um prédio com 10 apartamentos. A maioria foi vendida a estrangeiros e, diz a investigação, nenhum deles mora ali. Logo, não teriam direito a isenção de IMI.

Nas perícias foram encontradas pelo menos cinco mensagens recebidas e oito enviadas por Fernando Medina sobre este caso. “Certo é que em momento posterior Jorge Damas (chefe de gabinete do autarca de Lisboa) informa Medina do estado do referido processo”, relata a PJ no processo. Entretanto, numa busca a Vieira, noutro âmbito, a PJ apanhou um mail de Tiago Vieira a agradecer esta cunha ao pai: “Obrigado Pai, sem ti não tinha sido possível. Já cá canta”.

Confrontado com estas acusações, Fernando Medina nega "qualquer tratamento de favor a qualquer pessoa, entidade ou instituição". "A insinuação do contrário é falsa", acrescenta o antigo autarca.

O suposto pedido de Pedro Guerra

No gabinete de Medina, a Polícia Judiciária foi encontrar, em junho de 2018, emails com relevância para um processo já em curso por suspeitas de ligações de favor ao Benfica. Em causa, um caso também de 2018 em que o atual ministro das Finanças é investigado por crimes de corrupção e prevaricação.

Nesse processo surge também Sérgio Azevedo, então deputado do PSD com assento na Assembleia Municipal de Lisboa, por alegadamente ter servido de ‘toupeira’, a pedido do comentador de futebol Pedro Guerra, afeto ao Benfica, para obter informações junto da autarquia sobre um processo que isentava o clube de taxas de milhões de euros.

Diz sobre isso o Ministério Público que “investigam-se factos relacionados com a disponibilização por parte de Sérgio Azevedo – deputado municipal da AML – de documento confidencial a que teve acesso por via de tais funções e relacionada com processo de isenção de taxas pendentes na autarquia e envolvendo o SLB, a Pedro Guerra, relacionado com o clube...”

Medina terá recebido pelo menos 21 emails sobre o tema, que a procuradora considera “...de grande interesse para o estabelecimento das ligações entre os suspeitos (...) para a descoberta da verdade e para a prova...”

Assessoria disfarçada de "serviços camarários"

Quando a Polícia Judiciária apreendeu a caixa de correio eletrónico de Fernando Medina, fazendo o que se chama de “cópia cega”, abriu-se uma “Caixa de Pandora”. Se para o caso dos pactos de regime com o PSD saíram cerca de 20 emails “com relevância criminal”, centenas de outros emails, suspeitos, revelaram factos para outros processos que têm o atual ministro das Finanças como alvo.

É o que acontece com o caso do “assessor”, revelado em mais de 100 emails: a PJ descobriu que a Câmara de Lisboa pagava 5 mil euros, entre 2016 e 2017, a um assessor contratado por “serviços camarários”, quando a sua função era preparar os comentários de Fernando Medina na TVI, onde tinha um espaço semanal de opinião a título pessoal e não como autarca, e os artigos no Correio da Manhã.

Sobre isto, diz o Ministério Público que Medina é suspeito dos crimes de “participação económica em negócio, peculato, prevaricação e/ou de abuso de poderes.” Escreve a procuradora Andrea Marques, em abril de 2022, que “(...) foi detetada uma troca de mensagens que poderá configurar a prática de ilícitos penais, praticados pelo então Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, ora Ministro das Finanças, Fernando Medina.” O interlocutor dos emails com Medina era Filipe Abreu Nunes, que ao mesmo tempo era assessor do presidente da Assembleia da República, em 2016.

A PJ, num relatório, detalha que Fernando Medina, nos emails apreendidos, “sugere (a Filipe Abreu Nunes) a realização de uma avença por ‘serviços camarários’, como forma de retribuição pelo seu ‘auxílio’” nos espaços de opinião na comunicação social do cidadão Medina, em que não vestia a pele de autarca.

Em causa, reforça a magistrada, estão “factos relacionados com atividade privada e remunerada desenvolvida pelo à data Presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, cujos conteúdos foram executados por terceiro, que viria a ser ‘pago’ por esse serviço através de contrato de avença custeado pela edilidade.”

O contrato com a TVI, que vigorou entre 2015 e 2021, foi, de facto, feito a título particular – tanto que Medina recusava mesmo comentar na TVI polémicas que envolvessem a autarquia lisboeta, para não misturar os papéis. As colaborações na comunicação social terminaram dias antes de o atual ministro entrar para o governo.

Para receber da TVI e do Correio da Manhã, onde assinava uma crónica, a PJ avança que Medina tinha aberto atividade de “criação artística e literária”. Com isso, recebia “valores isentos de IVA (...) e com tributação especial de IRS”.

Mas a investigação centra-se nas avenças a Filipe Abreu Nunes por ajuste direto: Medina começou os comentários televisivos em setembro de 2015, na altura em que se iniciaram as trocas de emails com o assessor, que se prolongaram quase dois anos. São centenas de mensagens, incluindo mais de 100 com relevância para a investigação. A PJ encontrou-as na pasta de “lixo”: tinham sido enviadas e depois apagadas por Fernando Medina.

O primeiro contrato com Abreu Nunes é de julho de 2016, para serviços de apoio e aconselhamento ao presidente da Câmara de Lisboa, no âmbito das suas intervenções públicas. E há um novo ajuste direto em maio de 2017, pelas mesmas razões. Lê-se nos contratos que “a agenda de intervenções públicas do Presidente da Câmara de Lisboa exige, um contributo adicional, (...), efetuado por um elemento com experiência sólida na área das políticas públicas e da comunicação política, que seja simultaneamente conhecedor do funcionamento das competências e das prioridades políticas do atual executivo da Câmara Municipal de Lisboa”.

Assim, Filipe Abreu Nunes recebeu, de julho de 2016 a agosto de 2017, cinco mil euros. Nos emails percebe-se: era assessor do autarca, como vem no contrato, mas também de Fernando Medina, o comentador.

Confrontado com estas alegações, Fernando Medina nega ter contratado "assessoria específica às minhas participações na comunicação social".

As alterações ao Plano Diretor Municipal que terão permitido a construção da Torre de Picoas

A Polícia Judiciária considera os emails como sendo de “grande interesse probatório” quanto a factos que envolvem Fernando Medina, Duarte Cordeiro e Manuel Salgado, três responsáveis da autarquia de Lisboa à época. As suspeitas são de prevaricação e abuso de poder.

As primeiras suspeitas apontavam a Manuel Salgado, então vereador do Urbanismo, denunciado nomeadamente pelo anterior vereador da Mobilidade da câmara Fernando Nunes da Silva. Em 2018, este contou ao semanário ‘Sol’ que o antigo proprietário do terreno onde agora está a Torre de Picoas, Armando Martins, viu a câmara rejeitar-lhe sucessivos projetos, durante duas décadas. E o responsável pelas recusas seria Manuel Salgado.

Ao Sol, Nunes da Silva contou que Armando Martins queria construir “16 ou 17 mil metros quadrados” no terreno, mas os vários Planos Diretores Municipais não o admitiam. Então Armando Martins decidiu fazer uma hipoteca de 15 milhões de euros sobre o terreno ao BES. Mais tarde, sem poder construir e sem meios para pagar a hipoteca, acabou por entregar o terreno ao BES. Nessa altura, segundo Nunes da Silva, “já tinha sido aprovado o regulamento do novo Plano Diretor Municipal, que estava em discussão pública” e permitiria a Armando Martins construir – mas essa informação terá sido alegadamente escondida ao proprietário pelo vereador Salgado.

Existem, assim, suspeitas de favorecimento ao BES, que ficou com o terreno onde nasceu a torre de Picoas – e agora fica a saber-se que a investigação se estende a Fernando Medina e Duarte Cordeiro, tendo sido apreendidos ao primeiro emails com “grande interesse probatório sobre o caso”.

Confrontados com as suspeitas reveladas nesta investigação, tanto Fernando Medina, Duarte Cordeiro e Carlos Eduardo Reis negam qualquer envolvimento em alegados esquemas de corrupção. Vejas as respostas:

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