Quando estava em reportagem num campo de refugiados sírios em Gaziantep, uma das zonas mais afetadas pelo sismo, dois jornalistas da Lusa foram abordados por turcos, desconfiados, que tentaram abrir as portas dos carros onde estavam os portugueses
"Hoje senti pela primeira vez enquanto jornalista o medo de ser agredido à séria." O desabafo do jornalista João Gaspar foi feito no Twitter, há dois dias. O jornalista da Lusa tinha passado o dia com o fotojornalista João Relvas nos campos de deslocados na região de Gaziantep, na Turquia, uma das mais afetadas pelos sismos de 6 de fevereiro.
"Enquanto um refugiado sírio falava comigo,num campo de desalojados, um grupo de turcos começou a rodear a nossa equipa de reportagem e a tentar perceber o que se passava. O tradutor que estava connosco explica que aquele grupo de turcos (nenhum deles a representar qualquer autoridade) exigia ver uma permissão para a reportagem. São mostradas as carteiras profissionais, mas os populares não ficam satisfeitos", contou João Gaspar no Twitter.
"O tradutor tenta acalmar o grupo, mas os gritos sobem de tom e são ditos impropérios. Segundo o tradutor, dizem que não precisam de ajuda de ninguém, que têm ajuda do Governo.Têm receio de que os jornalistas contem histórias más sobre a Turquia e o tratamento que dão aos sírios, explica-nos o tradutor. A equipa de reportagem da agência Lusa diz que irá embora."
Hoje, senti pela primeira vez enquanto jornalista o medo de ser agredido à séria. Fica aqui o relato: Enquanto um refugiado sírio falava comigo, num campo de desalojados, um grupo de turcos começou a rodear a nossa equipa de reportagem e a tentar perceber o que se passava. .
— João Gaspar (@jppgaspar) February 15, 2023
Parecia que tinha terminado mas o susto maior ainda estava por acontecer: "Depois de entrar no carro, parámos num semáforo vermelho, ainda ao lado do campo. Dois homens que estavam no grupo de turcos que gritaram contra nós forçaram a abertura das portas dianteiras do carro e tentaram retirar-me a mim (estava no lugar de condutor) e ao tradutor. Outros aproximaram-se e nós arrancámos a toda a velocidade, portas abertas, desviámo-nos de um autocarro e lá conseguimos escapar ilesos".
Os jornalistas portugueses deixaram e local e, nesse mesmo dia, enviaram o seu material - texto e fotos - sem referir esta ocorrência.
A cidade de Gaziantep, que fica a uma hora da fronteira, tem mais de dois milhões de habitantes e cerca de meio milhão de refugiados sírios. Num dos campos de deslocados onde os jornalistas estiveram em reportagem vivem neste momento cerca de 5.500 pessoas, num total de 421 tendas e onde se dá prioridade a grávidas, pessoas com deficiência, mulheres e crianças. São turcos e sírios que ficaram com a sua habitação destruída. Num outro campo estão cerca de mil refugiados sírios, que se sentem "abandonados pelo Estado de Erdogan, onde vivem ao frio em tendas improvisadas e com falta de tudo, até do direito a falar", escreveu o jornalista no texto publicado nesse dia pela Agência Lusa. Foi neste campo que João Gaspar e João Relvas foram abordados pelos populares.
Aqui, os refugiados nem sequer vivem em tendas, existem "apenas estruturas feitas de forma bastante precária com lonas de plástico azuis, atadas a paus, dispostas num descampado cheio de pedras, junto a uma mesquita (é nesse espaço religioso que estão as únicas casas de banho do acampamento)", relatou o jornalista. "À noite, é tanto o frio que não conseguimos dormir. Esperamos apenas para que o sol nasça, pela luz, para nos conseguirmos aquecer", contou Ayshe Hussein, refugiada de 28 anos que está ali com o seu marido e os dois filhos de 11 e sete anos.
"Qualquer coisa, a culpa é dos sírios. É absolutamente insuportável esta situação. Há boas pessoas, mas também há más. Em todas as situações, se há algum problema, começam logo a ameaçar que nos deportam", lamentou-se Fethiye Kazziz, refugiada de 50 anos.
Os refugiados "estão a ser completamente postos de lado pelas autoridades turcas, o frio não os deixa dormir", concluía João Gaspar na sua publicação no Twitter, sublinhando ainda que esta tinha sido a única vez em que se tinham sentido inseguros desde que chegaram à Turquia: "Todos os turcos com quem falámos foram bem simpáticos, apesar do contexto difícil".