Após sobreviverem ao abuso por parte dos seus pais biológicos durante anos, seis crianças foram colocadas numa casa de acolhimento “de horrores”, diz advogado

CNN , Jean Casarez, Christina Maxouris
29 jul 2022, 19:03
Família Turpin

Queixas contra a agência de adoção dizem que estava ciente de que os pais adotivos eram "inadequados" e "tinham um histórico prévio de abuso físico e emocional”

Seis das 13 crianças da família Turpin -  que foram torturadas durante anos pelos pais biológicos – foram recolocadas numa casa de acolhimento onde sofreram uma “segunda fase” de abusos. Estes incluíram abuso sexual, físico e emocional. Um advogado de duas das crianças disse, ao canal televisivo HLN, que os relatórios dos jovens foram ignorados pela agência de adoção.

"Uma das coisas que aprendemos é que esta família forçaria essas crianças a reviverem, vezes sem conta, o seu passado", disse, terça-feira, o advogado Elan Zektser. "Durante horas, eles forçariam as crianças a reviverem aquilo por que passaram.”

As seis crianças que estavam naquela casa de acolhimento, e que desde então foram retiradas, interpuseram, na semana passada, dois processos diferentes contra um serviço de adoção, bem como contra o condado de Riverside, na Califórnia. Um processo, em nome de quatro irmãos Turpin, inclui crianças que ainda são menores. No segundo processo, Zektser representa os dois irmãos restantes.

Ambos os processos requerem um julgamento com um júri.

As queixas alegam que a agência “ChildNet Youth and Family Services” foi negligente relativamente aos cuidados das crianças. Diz-se que a agência estava ciente de que os pais adotivos eram "inadequados" e "tinham um histórico prévio de abuso físico e emocional”. Estes pais já tinham sido negligentes com crianças que tinham sido colocadas aos seus cuidados. No entanto, a agência não agiu ao saber dessa informação.

Um dos processos afirma que a “ChildNet” foi "contra os conselhos de alguns dos seus próprios funcionários". Mesmo assim, a agência colocou as crianças Turpin naquela casa de acolhimento. Os processos afirmam que as seis crianças permaneceram lá durante três anos.

Zektser disse: "Fiquei completamente destroçado. Estas crianças sentiram que tinham sido salvas e que, finalmente, havia alguém que se preocupava com elas. No entanto, colocaram-nas noutra casa de horrores. Ao falar com os meus clientes, eles disseram que, de certa forma, o abuso que sofreram naquela casa de acolhimento foi pior do que aquele que tinham sofrido a vida toda."

Brett Lewis, diretor de desenvolvimento e comunicação da “ChildNet”, disse na terça-feira ao canal HLN, através de um comunicado, que a agência "não tem liberdade para revelar os factos, nem para discutir as alegações feitas na queixa”.

O comunicado diz: "Queremos muito fornecer os factos em tribunal. A nossa agência tem servido, há mais de 50 anos, os jovens mais vulneráveis e traumatizados da Califórnia. O nosso histórico sólido mostra que prestamos cuidados de excelência e continuamos a mostrar o nosso compromisso para com essas crianças".

Na semana passada, o departamento de Serviços Sociais do condado de Riverside disse à CNN que, assim que receberem o processo, "este é avaliado, de forma exaustiva, de maneira a definir-se os próximos passos. Devido às leis de confidencialidade, o condado não comenta questões legais pendentes, nem casos juvenis específicos”.

"Qualquer caso em que uma criança é prejudicada, isso é extremamente triste. Continuamos a analisar os nossos procedimentos com um olhar crítico. Estamos, de igual forma, empenhados em entender e tratar a causa principal do problema. Isso inclui a ampliação das colocações de qualidade, bem como a segurança para todas as crianças em casas de acolhimento", diz o comunicado.

Crianças relataram abusos na casa de acolhimento, mas foram “ignoradas”

Os processos, que não referem o nome da família adotiva, mas onde esta é tratada por Sr. e Sra. O., alegam que os pais adotivos, bem como a sua filha adulta, abusaram das seis crianças Turpin que tinham aos seus cuidados. O processo, que inclui as crianças menores, alega que estes maus-tratos incluíam "bater no rosto das crianças com sandálias, puxar-lhes o cabelo, bater-lhes com um cinto e bater-lhes na cabeça".

Ambos os processos dizem que as crianças foram forçadas a "comer quantidades excessivas de comida, bem como a comer o seu próprio vómito". O processo em nome dos dois irmãos alega que os pais adotivos disseram que "eles não valiam nada e que deveriam cometer suicídio". Estes também "sugeriram a maneira como os queixosos deveriam matar-se". O processo em nome dos quatro irmãos afirmou, de igual modo, que os pais adotivos disseram aos irmãos que deveriam cometer suicídio.

Zektser disse que os irmãos Turpin falaram sobre o que acontecia na casa de acolhimento. No entanto, “muitas vezes, eles foram ignorados. Ninguém os ouvia. Os funcionários da agência de adoção silenciaram as crianças.”

"A agência ‘ChildNet’ sabia", disse Zektser. "Os relatórios anteriores, os relatos de outras famílias adotivas, os relatos desses bravos irmãos Turpin… A “ChildNet” estava ciente do que se passava e não fez nada."

O advogado acrescentou que houve algumas visitas à casa de acolhimento. Contudo, muitas vezes, as pessoas designadas para esta supervisão não tinham permissão para entrar na casa. Então, encontravam-se com as crianças num alpendre ao ar livre "onde elas estavam conscientes de que as suas conversas eram filmadas pela família adotiva".

Zektser disse: "Quando se chega ao nível de a própria agência permitir que algo assim ocorra, bem como o facto de o condado fazer vista grossa ao sucedido e permitir que algo desta natureza aconteça, então é preciso fazer mudanças sérias. Os danos psicológicos que essas crianças passaram, nessa segunda fase de abusos, ultrapassa tudo. A maioria das pessoas nem consegue imaginar.”

Roger Booth, que representa no processo as três crianças menores e um adulto, disse que espera que o caso ajude a esclarecer determinados assuntos ligados ao sistema de adoção.

"Isso está a acontecer com crianças que são relativamente famosas. O mundo inteiro está a assistir a isto", disse Booth, na semana passada, ao canal HLN. "Pode haver problemas que afetam, de forma mais profunda, todos os tipos de crianças."

Em março de 2021, os pais adotivos e a sua filha foram presos, após uma investigação do Departamento do Xerife do condado de Riverside. De acordo com os processos, estes tinham por base as acusações de prisão ilegal e crueldade infantil, entre outros. As crianças foram retiradas da casa.

Quando questionado sobre uma investigação criminal relativamente à agência “ChildNet”, o promotor público disse ao canal HLN, através de um comunicado enviado por “e-mail”, que este organismo jurídico "está proibido pela lei e pela ética do Ministério Público, de confirmar ou negar quaisquer investigações".

Em 2019, David e Louise Turpin, os pais biológicos das crianças Turpin, foram condenados a 25 anos de prisão. Estes declararam-se culpados por terem torturado e mantido em cativeiro os seus 13 filhos, cujas idades variavam entre os dois e os 29 anos.

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