Vieira da Silva e Carvalho da Silva defendem redução do tempo de trabalho: "O que existe na sociedade em que vivemos é injustificável"

21 set 2022, 22:09
Trabalhadores

A semana de quatro dias é apenas uma opção entre outras num debate que o ex-ministro do Trabalho considera necessário e urgente

"Tem de se reduzir o tempo de trabalho. O tempo de trabalho que existe na sociedade em que vivemos é injustificável." Quem é o diz é o ex-ministro socialista do Trabalho, José Vieira da Silva, que confessa que não sabe exatamente qual será a solução a adotar mas não tem dúvidas de que "este debate tem de ser feito" e tem de "mobilizar toda a sociedade".

Tendo em conta as tendências demográficas (aumento da esperança de vida e envelhecimento da população) mas também tendo em atenção outros fatores, como o facto de, em Portugal, termos já "tantas mulheres como homens no mercado de trabalho" (algo que há umas décadas não era assim - "foi uma evolução muito rápida") e as exigências cada vez maiores para a conciliação da vida laboral com a vida familiar, Vieira da Silva defende que já devíamos estar a pensar em alternativas ao modelo atualmente dominante, seja a semana de quatro dias - pela qual admitiu ter alguma simpatia - ou uma distribuição diferenciada de horários ao longo da vida ou outra solução.

A seu lado, no palco do Pequeno Auditório da Culturgest, em Lisboa, no último painel da conferência sobre a Agenda do Trabalho Digno, o antigo secretário-geral da CGTP Manuel Carvalho da Silva concorda com a ideia, sublinhando, no entanto, o “perigo” de “entrar numa discussão focalizada num instrumento”. “Em determinados contextos trazer para a focalidade quatro dias é forma de continuar tudo na mesma”, salienta, apontando outras formas como alterar o conceito de vida ativa e argumentando que o foco deve ser colocado na redução do tempo de trabalho, encontrando depois os caminhos para lá chegar.

A conferência promovida pelo Colabor - Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social aconteceu no mesmo dia em que, no Parlamento, a inspetora-geral do trabalho, Fernanda Campos, foi ouvida em audição da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) no grupo de trabalho criado para apreciar as propostas de alterações laborais no âmbito da Agenda do Trabalho Digno. 

Para esta quarta-feira estava também marcada mais uma reunião de Concertação Social (que acabou por ser adiada). A coincidência é sublinhada pelo terceiro participante neste painel, o também ex-ministro do trabalho, o social-democrata José da Silva Peneda. Afinal, o diálogo social e o tripartismo (entre representantes do Governo, das empresas e dos trabalhadores) é um dos quatro pilares no qual assenta o trabalho digno, tal como definido pela OIT - Organização Internacional do Trabalho, em 2008. Os outros são a promoção do emprego, a existência de medidas de proteção social e o princípio fundamental do direito ao trabalho.

Ora é precisamente na deficiência deste diálogo entre os atores do mundo trabalho (e até, quantas vezes, na sua inexistência) que estão grande parte dos problemas, concordam os três conferencistas.

Vieira da Silva não hesita em dizer que, dos quatro pilares, a concertação é aquele em que Portugal tem mais fragilidades: "O diálogo social é reativo, não é  criativo". Apesar de existirem bons exemplos (a introdução do salário mínimo nacional é um deles, diz), de uma maneira geral, a iniciativa da concertação parte geralmente do Governo e enfrenta grandes entraves por parte dos parceiros sociais. O ex-ministro considera ainda que o grau de representatividade dos parceiros sociais - "todos eles" é muito frágil e isso é um problema.

A desilusão das novas tecnologias

Silva Peneda concorda que, se queremos ter um trabalho digno, "é essencial a promoção do diálogo social" e "é necessário um espírito de compromisso" - entre os representantes empresariais e os sindicatos. O mundo mudou muito nos últimos anos, lembra. Novas tecnologias, novos mercados, novos modelos económicos, entre muitas outras mudanças que direta ou indiretamente o mundo trabalho. "Em certa medida estas mudanças foram boas", diz, sobretudo para os países europeus. Mas criaram-se expectativas que acabaram por não se concretizar: "Acreditou-se que a revolução tecnológica traria crescimento económico e melhoria das condições de trabalho, com o surgimento de postos de trabalho mais dignos e melhor remunerados, assim como uma maior qualidade de vida." Acreditou-se que as pessoas iriam ter mais tempo livre e mais dinheiro para desfrutar desse tempo. "As expectativas não se cumpriram, criando um sentimento de desilusão e até de desistência", diz Silva Peneda.

As desigualdades sociais são enormes e difíceis de ultrapassar. Em Portugal existem 2,3 milhões de pobres, recorda José da Silva Peneda. Com um custo de vida cada vez mais elevado e salários baixos, a classe média vai desaparecendo e a emigração aumenta. Neste contexto, em que muitos duvidam da eficácia do elevador social e em que ainda é preciso continuar a lutar, mais do que por um trabalho digno, por uma vida digna, o que está em causa em causa é mesmo o destino das democracias liberais, considera.

Mas se Silva Peneda defende o tal "espírito de compromisso", que pode passar atribuição de regalias fiscais e outras às empresas de forma a incentivar o investimento e a garantir remunerações equilibradas, Carvalho da Silva defende uma intervenção mais enérgica por parte da tutela. "Se ficarmos à espera que a generalidade dos empresários entendam que têm condições para aumentar os salários, isso nunca vai acontecer", diz. Sem surpresa, o homem que esteve mais de 26 anos à frente da maior central sindical do país defende que tem de "haver mais espaço para a intervenção das estruturas sindicais". "É um erro profundo acreditar que há democracia sem intermediários e sem representação", afirma. 

Num momento em que a palavra recessão volta a fazer parte do nosso quotidiado, os três intervenientes concordam na necessidade de agir para combater a eventual degradação do trabalho. "A palavra crise tornou-se uma instituição e um recurso para justificar tudo o que não tem justificação", diz o sindicalista. "Estar sempre a invocar a exceção, contribui para uma normalização dessas situações de exceção. Como o que vem aí é sempre pior, não temos tempo para dar respostas ao presente.

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