Semana de 4 dias "aumenta a satisfação no trabalho e a produtividade", defendem psicólogos. Mas economistas apontam problemas

30 set 2022, 17:31
Escritório, trabalho, emprego. Foto: Adobe Stock

A semana de trabalho de quatro dias esteve em debate no Congresso da Ordem dos Piscólogos, que decorreu em Aveiro. De um lado estiveram psicólogos, do outro economistas. Quais são afinal os prós e os contras de uma redução da semana de trabalho?

Todas as conversas sobre o futuro do trabalho passam por aqui: a hipótese de uma semana de trabalho de quatro dias. Projetos-piloto têm-se multiplicado pelo mundo fora e, em Portugal, o próprio Governo colocou o tema na agenda, anunciando a realização de um estudo com os parceiros sociais. Um dos argumentos que tem sido mais utilizado pelos peritos na defesa da redução da semana de trabalho prende-se com o aumento do bem-estar dos trabalhadores que a medida pode proporcionar. E foi precisamente esta ideia que Samuel Antunes, especialista em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações, levou ao Congresso da Ordem dos Psicólogos, que decorreu em Aveiro, apoiando-se em estudos já realizados sobre a matéria.

"O que a investigação nos mostra é que, de facto, uma semana de trabalho de quatro dias aumenta, por um lado, o equilíbrio de vida profissional e vida familiar - e isto por si só já é um grande protetor da saúde mental - e, por outro, aumenta a satisfação no trabalho, aumenta a produtividade e produz benefícios até a nível ambiental", vincou o psicólogo.

Samuel Antunes citou uma experiência levada a cabo pela Microsoft no Japão, que aplicou, durante um mês, uma semana de trabalho de quatro dias. "Os resultados foram surpreendentes: mais de 40% de ganho de produtividade, menos 23% na conta de eletricidade e mais de 90% dos trabalhadores dizem que o grau de satisfação aumentou", sublinhou. "Se é bom para os outros porque não é bom para nós? Isto mudaria a saúde mental dos trabalhadores."

O especialista referiu que Portugal está "entre os países com mais horas de trabalho e com menos produtividade" e que uma semana de trabalho de quatro dias pode "melhorar a qualidade de vida" dos trabalhadores. "De uma maneira geral, as empresas não são locais de trabalho saudáveis. Em Portugal, há a ideia de que quem cumpre horário e sai à hora certa, nem que seja uma mãe para ir buscar um filho, não é bom profissional. Isso é cultural e é um problema", acrescentou.

O psicólogo lançou outros dados para o debate: notou que Portugal é dos países com "mais casos de doença mental" e onde há um maior consumo de psicotrópicos. Mais, Samuel Antunes não tem dúvidas: há uma relação entre a doença mental e os baixos salários. "A questão da saúde mental e da depressão está muito associada aos baixos salários, às pessoas com mais dificuldades económicas. Ninguém toma psicotrópicos porque quer, mas porque está em sofrimento. As pessoas estão exaustas e têm de ir trabalhar."

Mas João Cerejeira, professor e investigador em Economia na Universidade do Minho, olha com ceticismo para a viabilidade da semana de quatro dias, tendo em conta aquilo que são as características do contexto empresarial português. "Quando passamos dos cinco para quatro dias, temos de aumentar a produtividade em 25%", começou por dizer. Mas "a produtividade não depende só do nosso esforço e desempenho, depende também dos meios para produzir, dos equipamentos à disposição, do grau de inovação dos equipamentos e depende também do tipo de produto que se está a realizar", explicou. E aqui há um grande problema, apontou: "O problema da especialização da economia portuguesa na produção de produtos de pouco valor acrescentado."

"Há pessoas que são chamadas para reuniões às seis da tarde, estando lá desde as oito da manhã"

Ainda do lado dos economistas, Rui Leão Martinho não tem dúvidas de que haverá "evoluções no sentido de diminuir o tempo de trabalho e a permanência nos locais de trabalho", que surgem porque "em muitas empresas as pessoas não têm vida familiar" e gera-se uma grande "ansiedade" nos trabalhadores. O antigo presidente do Conselho de Administração do Deutsche Bank também reconhece que os gestores "deviam ter mais sensibilidade", porque "há pessoas que são chamadas para reuniões às seis da tarde, quando estão lá desde as oito da manhã".

No entanto, o economista considerou que a semana de quatro dias não pode avançar "por decreto" nem em todos os setores, porque "as empresas não são todas iguais". "Temos de preparar o país e saber em que setores é possível começar estas transformações. Em setores como a saúde e a agricultura será difícil fazê-lo sem aumentar os custos. É preciso pensar nos setores em que é mais fácil: empresas de serviços de consultoria e auditoria, por exemplo, podem fazer o mesmo trabalho em horas que possam caber nos quatro dias", frisou.

Além disso, Rui Leão Martinho referiu que antes de se avançar para uma semana de quatro dias há "muitos problemas para resolver", como o facto de "sermos pouco competitivos", o que está relacionado com as características do tecido empresarial português. "Menos de 1% das empresas são consideradas grandes empresas e nas empresas pequenas muitas vezes a empresa é o dono, a mulher e os filhos", lembrou.

Voltando ao lado da psicologia, para Afonso de Herédia, a semana de quatro dias seria "um avanço social". "Até há pouco tempo havia seis dias de trabalho, até 1990 a China tinha seis dias de trabalho. É uma medida de conquista e avanço social", sublinhou. O psicólogo concorda que "não há apenas uma forma concreta" de pôr a semana de quatro dias em marcha "e nem todos os setores têm de começar da mesma maneira", mas que a medida pode ser crucial para que os profissionais tenham "mais saúde e menos burnout".

Uma ideia que é também corroborada por Samuel Antunes: o psicólogo defende a semana de quatro dias, mas reconhece que o país "tem um caminho para percorrer ate lá" e que é preciso ir "sensibilizando as empresas para que haja mais satisfação no trabalho". "Uma medida simples como as pessoas cumprirem o seu horário de trabalho já teria benefícios", afirmou, notando que "as pessoas quando são bem tratadas trabalham mais".

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