Este caso torna evidente como a justiça se aplica de formas muito diferentes em vários pontos do globo. Em Portugal, um atirador com 14 anos não chega à prisão. Nos Estados Unidos pode passar lá a vida
Colt Gray, 14 anos. Matou dois colegas e dois professores. Será julgado como um adulto, arriscando a prisão perpétua por quatro homicídios qualificados. Se o tiroteio numa escola secundária da Geórgia, Estados Unidos da América, tivesse sido em Portugal, poderia o rapaz passar o resto da vida na prisão?
A resposta é clara: não. Os advogados ouvidos pela CNN Portugal explicam que, em Portugal, uma criança com 14 anos é considerada inimputável. Ou seja, não é suscetível de responder penalmente.
O que não quer dizer que não exista um ‘castigo’. Chama-se Processo Tutelar Educativo e pode resultar em medidas muito diferentes, consoante a gravidade do ato. Entre as medidas tutelares educativas estão o trabalho comunitário, a frequência de formações ou o internamento num centro educativo - o mais provável perante quatro mortes.
O internamento em regime fechado pode durar seis meses a três anos. E aplica-se quando o menor tenha cometido um ato que, se fosse julgado como um crime num adulto, corresponderia a uma pena de prisão acima dos cinco anos. É o caso de um homicídio.
Em Portugal, recorde-se, a pena máxima é de 25 anos de prisão.
Pai paga pelo filho?
Foi Colin Cray, o pai do atirador, quem lhe ofereceu no Natal a arma que usou no tiroteio, uma semi-automática AR-15, a mesma arma utilizada na tentativa de homicídio a Donald Trump. O homem de 54 anos é agora acusado de quatro crimes de homicídio involuntário, dois crimes de homicídio em segundo grau e oito crimes de crueldade contra crianças.
Em Portugal, poderia um pai ser responsabilizado pelas mortes causadas pelo filho? Os especialistas asseguram que não. E porquê? “Os atos pessoais não são transmissíveis em termos penais”.
Os crimes, mesmo que não sejam julgados como tal num menor de idade, têm um autor. E não podem ser passados para outra pessoa.
Ainda assim, não há uma exclusão total de responsabilidade do progenitor numa situação como esta. Os advogados consideram que, ao oferecer uma arma, o pai evidencia negligência na forma como pratica as suas responsabilidades parentais.
“Neste caso, haveria até dolo”, diz Patrícia Resende, especialista em Direito da Família, para explicar que haveria consciência do tipo de consequências que poderiam resultar daquela oferta.
A advogada reconhece que também teria havido negligência se tivesse sido o rapaz a ir buscar a arma a um armário, à revelia do pai, porque o progenitor falhou as suas obrigações de evitar o acesso à arma. Outro advogado vinca à CNN Portugal que, neste cenário, acabariam também violadas as regras que permitem o uso e porte de arma - e que têm penalizações próprias.
Neste tipo de casos, segue-se a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo. A pena para o pai, em concreto, dependeria de vários fatores. Entre eles, se foi o próprio a disponibilizar a arma ao filho e se existem antecedentes.
Lógica de "regeneração"
“O princípio em Portugal é o da regeneração do jovem, não da penalização”, aponta Patrícia Resende. E daí que os centros educativos acabem por ser determinantes para os menores que, tendo cometido um ato comparado a um crime, não são julgados como os adultos.
Patrícia Resende explica que estes centros educativos contam com guardas prisionais e apostam em atividades como formações e palestras, mas também nas visitas de vários profissionais (médicos, psicólogos, advogados), sempre tendo como horizonte a reintegração do menor na sociedade.
No que respeita ao tempo necessário à ‘correção’, a advogada vinca que tem em conta muitos princípios: “se o jovem se encontra equilibrado emocionalmente, se já foi acompanhado ou não, se está sinalizado pela comissão de proteção de menores”.