opinião
Membro da Direcção da Ordem dos Psicólogos Portugueses

7-0 ao FMI mas que resultado no combate à Pobreza?

17 out 2022, 11:20

Ao contrário do futebol, a pobreza não tem um lado que vence e outro que perde ou lados que empatam. Com a pobreza, todas e todos perdem. As pessoas que a vivem e que são privadas da sua dignidade, da sua possibilidade de saúde e bem-estar, de desenvolvimento e autodeterminação. As pessoas que, neste momento, não a vivendo, são parte da sociedade que a gera, reproduz e, por vezes, a esconde, tornando-se mais desigual, menos justa e coesa e logo menos promotora de equidade e de possibilidades para todas as pessoas. As instituições, particularmente os governos democráticos, que, não a erradicando, se desacreditam e fragilizam, geram desconfiança e menor participação e distanciam-se das necessidades e expectativas das pessoas, particularmente as com maiores vulnerabilidades, alimentando a polarização e o ódio às outras e aos outros. A pobreza, conforme alguns partidos procuram ser, é um fenómeno catch all, “apanha” todas e todos.

Os “7-0”, ironia de António Costa a propósito da maior aproximação das previsões económicas do Governo face às do FMI, não tem paralelo com as previsões do Governo face às de outros organismos a propósito da evolução anual do risco de pobreza e exclusão. A razão? O governo não prevê. Estabelece um objectivo para 2030 (“redução para 10% da população”), expresso no Programa de Governo com remissão para a Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030 mas, apesar de estimar no quadro macroeconómico e no Orçamento do Estado o PIB, a inflação, a evolução da taxa de desemprego, remunerações médias e até o preço do petróleo não prevê o impacto das medidas a que se propõe e da evolução dos indicadores socioeconómicos na percentagem de pessoas que em Portugal viverão em situação de pobreza (ou risco de pobreza) e exclusão em 2023.

Não o faz. Como, e apesar de ter já implementado um conjunto de importantes medidas que nela constam, não teve ainda oportunidade de nomear a coordenação e a comissão

de acompanhamento da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030, estratégia aprovada e publicada ainda em 2021 e que prevê, no seu articulado, que até Junho de 2022 essa comissão (ainda inexistente) apresentaria o Plano de Acção 2022-2025. Nem coordenação, nem comissão, nem plano, duas propostas de Orçamento do Estado (2022 e 2023) depois para anos com a maior taxa de inflação das últimas três décadas (2022) e, em previsão, uma das maiores deste período (2023) e quando sabemos que a “inflação real” que incide sobre a população com maior escassez económica é significativamente superior à taxa de inflação (média).

Nem coordenação, nem comissão, nem plano, num período em que a trajectória descendente dos indicadores de pobreza, consistente de 2014 a 2019, se inverteu, tendo a taxa de risco de pobreza (após transferências sociais) medida pelo INE aumentado de 16.2% em 2019 para 18,4% em 2020 e a de risco de pobreza ou exclusão social medida pelo Eurostat aumentado de 20% em 2020 para 22,4% em 2021, passando Portugal do 13º para o 8º país da União Europeia com maior percentagem de população nesta situação.

Previmos, mas podemos prever muito mais. Decidimos e aplicamos medidas, algumas delas relevantes, mas podemos decidir e fazer muito mais. Desenhamos e publicamos estratégias, mas podemos operacionalizar e concretizar muito mais. Isto implica priorizarmos o combate à pobreza, intencionalizá-lo e considerá-lo em todas as políticas (públicas). Implica uma atitude de não complacência com a pobreza, com a não utilização e operacionalização dos instrumentos ao nosso dispor para a sua erradicação e com a ineficácia de políticas (públicas) neste âmbito.

Assim pode ser amanhã. Dia que se segue ao dia em que celebramos globalmente o objectivo da erradicação da pobreza e em que, um pouco por todo o Mundo e em Portugal, existirão manifestações de intenções, apresentação de propostas e debate público neste domínio. Amanhã e depois podemos concretizar as intenções, implementar as propostas e, particularmente, continuar e aprofundar este debate, tornando-o persistente e saliente, onde hoje é estranhamente ausente, considerando que a pobreza e a pobreza multidimensional (a que não se refere apenas à dimensão económica e que remete para a escassez de acesso à educação, saúde e condições de

vida consideradas mínimas necessárias) é um dos principais determinantes da saúde (e da saúde mental), da educação ou da justiça. Amanhã comecemos por mobilizar a sociedade civil e considerar os diversos contributos, porque apenas com todas e todos podemos tornar o combate à pobreza desígnio nacional (conforme a Estratégia bem prevê) e vencer este complexo desafio. Complexo, mas possível, assim o queiramos e assim, com determinação, estimulemos, permitamos e utilizemos o contributo de pessoas e organizações investidas neste objectivo.

Um exemplo, as psicólogas e psicólogos em Portugal e a Ordem dos Psicólogos Portugueses. Considerando os contributos da ciência psicológica nesta área (nomeadamente os impactos da escassez no desenvolvimento, capacidade cognitiva e de planeamento e tomada de decisão) e a associação cíclica e forte entre situações de pobreza e exclusão e problemas de saúde mental (stresse, ansiedade e depressão), a Ordem dos Psicólogos Portugueses encontra-se a promover o projecto .Final à Pobreza, visando um mais intencional e informado contributo da ciência e da profissão para um ponto final à pobreza. Projecto que resultará numa estratégia que visará mais e melhor formação e recursos para a prática de psicólogas e psicólogos nesta área e contributos para a promoção de literacia na sociedade civil sobre este fenómeno, as suas causas, consequências e formas de o mitigar. Projecto que contribuirá para melhor informação para o desenho de políticas públicas nesta área e para promover redes de cooperação nacional e internacional junto do que é, não por acaso, o primeiro dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

Tudo porque o dia que hoje se celebra deve ser o nosso dia-a-dia. Toda e qualquer pessoa, independentemente da idade ou condição socioeconómica, é impactada pela sua situação de pobreza actual, potencial ou pelas situações de pobreza ao seu redor. Toda e qualquer pessoa tem um papel na sua erradicação, algo possível, conforme o caminho percorrido nas últimas décadas no Mundo demonstra, mas que depende de essa ser (a) prioridade das prioridades de todas e todos.

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