Uma investigação de restos mortais humanos da colónia britânica do século XVII em Jamestown, Virgínia, nos Estados Unidos, revelou um escândalo há muito escondido na família do primeiro governador da colónia.
Thomas West tornou-se o líder de Jamestown em 1610; a ele juntaram-se três dos seus irmãos e vários outros parentes do sexo masculino. Recentemente, a análise do ADN de dois esqueletos de sepulturas não marcadas numa igreja de Jamestown revelou que ambas as pessoas eram parentes de West. O ADN também mostrou que os homens estavam ligados por uma linhagem materna comum. Essa ligação levou os investigadores a documentos que provam que um dos homens - o capitão William West - era ilegítimo, nascido da tia solteirona de Thomas West, Elizabeth.
Apesar de o capitão West ter sido criado como parte da família West, de elevado estatuto, em Inglaterra, os pormenores do seu nascimento escandaloso foram deliberadamente apagados dos registos genealógicos da família, e os sussurros persistentes do escândalo podem ter sido um dos fatores que o levaram a procurar fortuna na colónia americana, segundo os investigadores relataram na revista Antiquity.
As descobertas demonstram como os dados genéticos, em combinação com outras provas históricas, “podem ajudar a trazer à luz do dia narrativas que eram proibidas ou vergonhosas no passado”, defendeu Christine Lee, professora assistente de antropologia na Universidade do Mississipi.
“Isto, por sua vez, dá-nos uma melhor compreensão de como os indivíduos contornavam as regras da sociedade”, acrescentou Lee, que não esteve envolvida na investigação.
Enterros sem identificação em Jamestown colonial
Em 2014, os investigadores encontraram quatro sepulturas não identificadas em Jamestown, numa igreja anglicana que os colonos utilizaram entre 1608 e 1616. O trabalho artesanal superior de dois caixões sugere que as pessoas que guardavam eram membros importantes da colónia. Um deles foi mesmo enterrado com uma faixa militar franjada de prata.
Estes pormenores do enterro, juntamente com estimativas de idade para os dois esqueletos e documentos históricos, indicavam que os restos mortais nos caixões mais bem feitos eram os do capitão West (o dono da faixa), que morreu com 20 e poucos anos, e de sir Ferdinando Wenman, que morreu com 34 anos. Os registos de Jamestown indicavam ambos como parentes do governador, mas apenas o estatuto de Wenman - primo em primeiro grau do governador - era descrito, de acordo com o estudo. A relação entre Wenman e West também era desconhecida.
O próximo passo dos cientistas foi colher amostras e analisar o ADN antigo [ou aDNA em inglês] dos esqueletos, e foi aí que a investigação deu uma guinada surpreendente, explicou a coautora do estudo Kari Bruwelheide, especialista em biologia esquelética do Departamento de Antropologia do Museu Nacional de História Natural Smithsonian, em Washington, DC.
“O aDNA levou-nos numa direção muito inesperada, uma direção que nunca teríamos seguido sem ele”, admitiu Bruwelheide.
Pistas matrilineares desvendam mistério
Degradado ao longo de quatro séculos, o ADN antigo estava em mau estado, pelo que os únicos resultados conclusivos foram obtidos no haplogrupo mitocondrial - uma parte matrilinear do genoma, disse a coautora do estudo Éadaoin Harney, professora de biologia evolutiva humana na Universidade de Harvard.
Embora não houvesse ADN suficiente para mostrar laços familiares imediatos, Wenman e o capitão West partilhavam o haplogrupo H10e. Esta semelhança indicava que eram provavelmente parentes próximos do lado materno da sua linhagem, o que surpreendeu os autores do estudo que analisaram os dados genéticos.
“Tinham assumido que, uma vez que o apelido do capitão William West era 'West' e que 'West' era o apelido da mãe de Ferdinando Wenman, a sua relação teria sido do lado da linhagem paterna”, observou Harney, prosseguindo: “O ADN antigo deu aos antropólogos uma direção para começar a procurar.”
Essa descoberta orientou os investigadores para documentos que mencionavam os parentes femininos do capitão West, o que acabou por os levar a um processo judicial de 1616, anteriormente ignorado, relativo ao beneficiário do testamento de West. Ele tinha deixado os seus pertences (incluindo joias de família) a Mary Blount, outra tia do governador de Jamestown. Nos documentos legais, os investigadores encontraram a sua prova: os registos do tribunal afirmavam que Mary Blount tinha criado o Capitão West “em nome da sua irmã solteira e falecida, Elizabeth”, relataram os autores.
“A linguagem codificada e a ausência de reconhecimento documental formal do capitão West como seu filho apoiam a natureza ilegítima do seu nascimento”, escreveram os investigadores.
Embora o ADN antigo estivesse incompleto, “ele produziu evidências suficientes para mostrar um relacionamento inesperado - através de suas linhas femininas”, sublinhou Bruwelheide. “Isso levou a uma investigação realmente profunda sobre outros membros da família, o que levou ao processo judicial e à revelação da ilegitimidade.”
As suas descobertas confirmaram que o capitão West, o governador Thomas West e Ferdinando Wenman eram todos primos.
A revelação deste segredo familiar acrescenta mais uma camada à história de Jamestown, a mais antiga povoação inglesa na América do Norte, apontou o coautor do estudo Michael Lavin, diretor de coleções e conservação da Fundação para a Redescoberta de Jamestown.
“As pessoas que vieram para cá para forjar uma nova vida tinham segredos de família e dramas interpessoais, tal como nós”, indicou Lavin. “O facto de podermos revelar esses segredos mais de 400 anos depois é um feito incrível da comunidade histórica e científica.”
*Mindy Weisberger é uma escritora de ciência e produtora de media cujo trabalho foi publicado em Live Science, Scientific American e na revista How It Works