O que os avatares vestem atrai cada vez mais interesse (e as marcas de luxo estão ansiosas)

CNN , Jacqui Palumbo
27 nov 2022, 09:00
O vestuário dos videojogos, ou "skins" tornaram-se um negócio multimilionário nos últimos anos.

Os videojogos e a moda talvez pareçam parceiros improváveis, mas aquilo que os nossos avatares vestem — quer a saltar de paraquedas para uma batalha em Fortnite ou para um jantar romântico em The Sims — tem sido um assunto de interesse desde que as personagens dos jogos começaram a poder mudar de roupa.

E, mais recentemente, as marcas de luxo estão ansiosas por entrarem neste campo. Balenciaga, Burberry, Louis Vuitton, Marc Jacobs, Tommy Hilfiger e Valentino são marcas que têm feito tentativas nos últimos três anos, com desfiles de moda no jogo de construção de aldeias Animal Crossing; a colaborar em roupa e conjuntos, muitas vezes chamados "skins", em títulos como League of Legends e Fortnite; ou a criar ambientes de jogo com compras em Roblox.

E enquanto o apetite por vestuário digital ter descolado fora dos jogos nos últimos anos, juntamente com o advento dos NFT colecionáveis — vejamos a coleção recordista da Dolce & Gabbana no valor de 6 milhões de dólares, ou um par de ténis Nike e RTFKT vendidos por 133 mil dólares — foram os gamers que abriram caminho para o boom atual da moda virtual.

Nos finais da década de 1990 e princípios da década de 2000, a comunidade dos videojogos ajudou a criar um ambiente próspero para que estilistas independentes criassem moda personalizada em jogos como The Sims e também sistemas criativos para vender artigos digitais de EverQuest e World of Warcraft no eBay, anos antes dos programadores de jogos e marcas de roupa começarem a monetizar as skins para o público geral.

"A economia-direta-ao-avatar não é forçosamente nova", disse Cassandra Napoli, estratega da WGSN, uma empresa de previsão de tendências, numa videochamada com a CNN. "Creio que o que é novidade agora é que as pessoas estão mais cientes de que isto é uma oportunidade, enquanto, no passado, era sobretudo uma experiência de nicho para as pessoas que já eram gamers."

No ano passado, uma mala virtual da Gucci foi revendida no Roblox pelo equivalente a 4115 dólares — mais do que o valor da mala física. Em setembro, uma versão digital de um vestido Carolina Herrera usado por Karlie Kloss na Semana da Moda de Nova Iorque rendeu 5 mil dólares.

A estratega afirma que, agora, "a dimensão dos jogos no geral tornou-se realmente mainstream". Segundo um relatório da WGSN em 2020, a venda de skins correspondeu a 80 % dos 120 mil milhões de dólares gastos em videojogos em 2019 — e isso foi antes do boom pandémico da indústria quando o mundo inteiro começou a passar mais tempo em casa.

Criatividade personalizável

Quando The Sims estreou em 2000 e ofereceu um mundo semelhante ao nosso em vez dos títulos de fantasia que dominavam a indústria, o leque criativo da moda virtual explodiu. Tal como muitos títulos de jogos, The Sims podia ser modificado ou ter “mods” com alterações estéticas, como penteados ou roupa, importados de programas externos ao jogo.

"Foi realmente aí que a moda digital se manifestou — a ideia de não querer parecer sempre um NPC (personagem não-jogável) ou outro jogador", disse Jenni Svoboda, uma estilista baseada no Texas conhecida como Lovespun na internet, e que cria conjuntos personalizados para jogos, incluindo The Sims, Second Life e Roblox, desde meados da década de 2000.

The Sims está associado a marcas de moda há quase duas décadas, tendo começado pela H&M.

Ao longo dos anos, The Sims associou-se à H&M, Diesel, Moschino e Gucci, mas com os modelos não oficiais criados pelos jogadores, qualquer visual era possível. Os jogadores criam "penteados personalizados, roupa, maquilhagem — praticamente tudo o que possamos pensar", explicou Svoboda. Se quisermos as cores mate para lábios de Kylie Jenner, conjuntos rosa a combinar de "Mean Girls" ou todos os conjuntos de Jules em "Euphoria", há um mod para isso.

Mas enquanto os estilos personalizados pretendiam melhorar a jogabilidade de The Sims, acabaram por se tornar a base para Second Life no início do metaverso, onde tudo no mundo virtual é construído pelos residentes, e Roblox, onde os utilizadores jogam e criam jogos na plataforma. Em Second Life, os grandes nomes da moda começaram a marcar presença desde 2006, com American Apparel, Armani e Adidas a abrirem as suas lojas digitais, num momento em que a plataforma valia supostamente 64 milhões de dólares. No início deste ano, Jonathan Simkhai apresentou a sua coleção Outono-Inverno 2022 em Second Life e não num desfile físico na Semana da Moda de Nova Iorque.

A coleção virtual de Jonathan Simkhai apresentada em Second Life. O mundo aberto virtual começou a atrair os grandes nomes da moda em meados da década de 2000.

Em Roblox, consta que os principais programadores ganham supostamente milhões e têm oportunidade de desenhar ambientes de jogo para as suas parcerias na moda. Svoboda trabalhou com Forever 21, Tommy Hilfiger e Karlie Kloss, e acredita que Roblox tem "certamente sido uma porta e um acesso para muitas marcas entrarem e colaborarem”, disse ela.

Artigos virtuais cobiçados

Edward Castronova, professor de comunicação social na Universidade do Indiana em Bloomington, especialista nas economias virtuais dos videojogos, documentou a ascensão dos artigos virtuais desde finais da década de 1990, quando foi lançada a primeira grande vaga de jogos massivos multijogador online (MMORPG). Algo que nunca o surpreendeu é o ponto a que as pessoas chegam para colecionarem vestuário digital.

Quando o MMORPG de fantasia, Ultima Online, estreado em 1997, ofereceu aos utilizadores armazenamento ilimitado para o equipamento, um utilizador ficou obcecado por colecionar camisolas, contou Castronova no seu livro de 2006, "Synthetic Worlds: The Business and Culture of Online Games" (mundos sintéticos: o negócio e a cultura dos jogos online).

"De alguma maneira, ele comprou e armazenou mais de 10 mil, por motivos desconhecidos", escreveu Castronova.

O vestuário dos videojogos, ou "skins" tornaram-se um negócio multimilionário nos últimos anos.

Armaduras e skins raras tornaram-se artigos cobiçados — e a sua comercialização fora do jogo valia dezenas de milhões em websites como o eBay em meados da década de 2000, conforme Castronova documentou — mas demorou até meados da década de 2010 para as produtoras de jogos começarem a monetizá-las. Sendo atualmente uma fonte de milhares de milhões de dólares em receitas nos jogos, as skins também atraíram a atenção das marcas de moda.

Esse interesse tem sido rentável para muitos jogos multijogador, incluindo o ultrapopular Fortnite, onde o estilo é parte integral da experiência de jogo.

 

Louis Vuitton e League of Legends associaram-se em 2019 numa série de skins.

"A experiência do jogador centra-se numa ideia de autoexpressão fantástica", afirmou Emily Levy, diretora de parcerias na Epic Games, que publica o jogo. Fortnite subiu aos píncaros da fama em 2018 com a sua competição de combate com 100 pessoas, mas também é o palco de eventos sociais como concertos (onde Ariana Grande já atuou) e torneios de moda. Alguns conjuntos chegam a ter praticamente “seitas” de seguidores, disse Levy.

Uma relação de longo prazo

Sallyann Houghton, diretora de moda da Epic Games, acredita que as duas indústrias vão continuar a convergir, notando particularmente que a tecnologia atingiu finalmente um ponto em que as marcas de luxo podem replicar as suas peças de roupa físicas. A Epic é também a criadora do Unreal Engine 5, uma ferramenta de modelação 3D em tempo real que está por trás de muitos videojogos e plataformas de metaverso, e criou também experiências de desfile de moda para estilistas como Gary James McQueen (sobrinho de Alexander McQueen).

"Os avanços na área dos gráficos chegaram muito longe”, afirmou. "Podemos atualmente criar uma cópia digital, quer seja de uma peça de roupa, de um edifício ou de uma paisagem, que ajuda a comunicar o ambiente de uma coleção."

Numa parceria com a Moncler, por exemplo, o vestuário das personagens mudava de claro para escuro consoante a sua altitude, um piscar de olhos às raízes alpinas da empresa italiana — uma reviravolta criativa que os estilistas físicos dificilmente conseguiriam alcançar.

Fortnite associou-se a Moncler e Balenciaga em conjuntos criativos capazes de reagir aos ambientes de jogo, tal como as peças da Moncler que se adaptam à altitude. (Epic Games)

Mas muitas parecerias recentes têm também sido casos isolados, e vai demorar algum tempo até se tornar claro se as grandes casas de moda se empenham a longo prazo no mercado dos jogos. A Gucci é uma das marcas que está a investir bastante nesta área, em projetos como Pokémon Go, Roblox e Tennis Clash, e também na sua própria Gucci Arcade, inspirada nos jogos clássicos. Isso deve-se ao potencial global, segundo Robert Triefus, que lidera a estratégia empresarial e de marca da empresa.

"(O gaming) é transversal às gerações, aos géneros e às etnias. É uma verdadeira comunidade global em todos os sentidos”, escreveu por e-mail à CNN. "Percebemos que havia uma oportunidade para a Gucci ter um papel ativo nessa comunidade." Triefus acrescentou ainda que a sua equipa tem realizado "vários tipos de experiências" para ter uma "compreensão mais profunda do mundo do gaming."

Quer estejamos num verdadeiro renascimento da moda ao entrarmos na nova era do chamado metaverso ou naquilo a que Castronova chama "hipervaga," Castronova acredita que os artigos de marca nos videojogos serão sempre apelativos.

"As pessoas importam-se com o aspeto que têm, quer seja num ambiente virtual ou real", referiu. Usar um chapéu Versace num jogo "é um marketing tremendo", disse ainda. "É cada vez mais difícil captar a atenção na faixa entre os 18 e os 34 anos, e a atenção deles está virada para as experiências interativas. Portanto, creio que isto vai continuar e intensificar-se."

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