O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou que pretende ter acesso aos depósitos minerais da Ucrânia em troca da futura ajuda militar de que Kiev necessita para se defender da agressão da Rússia.
Embora o comentário tenha realçado a abordagem transacional de Trump à guerra na Ucrânia, não foi totalmente inesperado. Há muito que os EUA e outros países ocidentais estão de olho nas riquezas minerais da Ucrânia.
“Estamos a investir centenas de milhares de milhões de dólares. Eles têm excelentes terras raras. E eu quero a segurança das terras raras, e eles estão dispostos a fazer (isso)”, disse Trump aos jornalistas na Sala Oval na segunda-feira, sem especificar o que, se é que alguma coisa, a Ucrânia concordou em fazer.
Trump sugeriu anteriormente que qualquer assistência futura deveria ser fornecida sob a forma de um empréstimo e estaria condicionada à negociação da Ucrânia com a Rússia.
Sob o comando do antigo Presidente dos EUA, Joe Biden, os EUA forneceram à Ucrânia 65,9 mil milhões de dólares em assistência militar desde que a Rússia lançou a sua invasão total do país em fevereiro de 2022.
Biden argumentou que a ajuda era necessária porque a vitória da Ucrânia era fundamental para a própria segurança da América. Trump, no entanto, deixou claro que não acredita que os EUA devam continuar a fornecer assistência sem receber algo em troca.
Embora Trump não tenha dado quaisquer pormenores sobre o que pretende de Kiev, um acordo que delineia uma cooperação mais profunda entre os EUA e a Ucrânia em matéria de minerais estava a ser trabalhado há meses, antes da sua tomada de posse em janeiro.
Um memorando de entendimento preparado durante a administração Biden, no ano passado, dizia que os EUA promoveriam oportunidades de investimento em projetos mineiros ucranianos para empresas americanas em troca da criação de incentivos económicos por parte de Kiev e da implementação de boas práticas comerciais e ambientais.
A Ucrânia já tem um acordo semelhante com a União Europeia, assinado em 2021.
Adam Mycyk, sócio do escritório de Kiev da firma de advocacia Dentons, disse que, embora o objetivo do acordo - garantir o fornecimento de minerais críticos da Ucrânia - permaneça inalterado, a abordagem de Trump parece ser mais transacional.
“Resta saber que forma esse acordo poderá assumir, mas seria do interesse da Ucrânia, para a sua recuperação pós-guerra e perspectivas económicas a longo prazo, maximizar tanto quanto possível o processamento e a criação de valor de quaisquer minerais extraídos na Ucrânia por empresas ucranianas”, disse Mycyk à CNN.
Kiev ainda não respondeu aos comentários de Trump, mas o governo ucraniano já argumentou no passado que os seus depósitos minerais são uma das razões pelas quais o Ocidente deve apoiar a Ucrânia - para evitar que estes recursos estrategicamente importantes caiam nas mãos dos russos.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, mencionou especificamente a possibilidade de futuros investimentos nos recursos naturais do país por parte dos seus aliados ocidentais como uma parte fundamental do seu “plano de vitória”.
“Os depósitos de recursos críticos na Ucrânia, juntamente com o potencial mundialmente importante de produção de energia e alimentos da Ucrânia, estão entre os principais objectivos predatórios da Federação Russa nesta guerra. E esta é a nossa oportunidade de crescimento”, afirmou Zelensky numa declaração em que delineou o plano em outubro.
Nataliya Katser-Buchkovska, co-fundadora do Fundo Ucraniano de Investimento Sustentável, afirmou que um acordo que trouxesse investimentos americanos para o setor mineiro da Ucrânia seria benéfico para ambas as partes.
Os EUA dependem largamente das importações dos minerais de que necessitam, muitos dos quais provêm da China. Dos 50 minerais classificados como críticos, os EUA dependem totalmente das importações de 12 e mais de 50% das importações de outros 16, de acordo com o Serviço Geológico dos Estados Unidos, uma agência governamental.
A Ucrânia, por sua vez, possui depósitos de 22 destes 50 materiais críticos, de acordo com o governo ucraniano.
“Não é apenas um passo crucial para a recuperação económica da Ucrânia no pós-guerra, mas é também uma oportunidade para os EUA abordarem as questões da cadeia de abastecimento global”, disse Katser-Buchkovska, que serviu como membro do parlamento ucraniano de 2014 a 2019 e foi chefe de uma comissão parlamentar sobre segurança energética e transição.
O domínio global da China
Embora Trump tenha utilizado o termo “terras raras”, não é claro se pretendia referir-se especificamente aos minerais de terras raras - um grupo de 17 elementos que existem no núcleo da Terra e têm propriedades magnéticas e condutoras que os tornam cruciais para a produção de eletrónica, tecnologias de energia limpa e alguns sistemas de armas.
A Ucrânia não possui reservas globais significativas de minerais de terras raras, mas tem alguns dos maiores depósitos mundiais de grafite, lítio, titânio, berílio e urânio, todos eles classificados pelos EUA como minerais críticos. Algumas destas reservas encontram-se em zonas que estão atualmente sob ocupação russa.
A China há muito que domina a produção mundial de minerais de terras raras e de outros materiais estrategicamente importantes. É responsável por quase 90% do processamento global de minerais de terras raras, de acordo com o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS). Para além disso, a China é também o maior produtor mundial de grafite e titânio e um importante processador de lítio.
A mais recente polémica comercial entre Washington e Pequim torna ainda mais importante que os EUA procurem fornecedores alternativos.
As medidas económicas que a China anunciou esta terça-feira, em retaliação às novas tarifas impostas por Trump, incluem novos controlos à exportação de mais de duas dúzias de produtos metálicos e tecnologias conexas. Embora não abranjam os materiais mais críticos de que os EUA necessitam, a medida indica que a China está preparada para utilizar as suas riquezas minerais como alavanca em disputas comerciais.
Mycyk afirmou que a procura destes materiais críticos deverá aumentar devido à transição global para veículos eléctricos e tecnologias de energias renováveis.
“Os depósitos da Ucrânia são, por isso, globalmente significativos, oferecendo uma diversificação em relação a produtores dominantes como a China. Manter estes recursos sob controlo ucraniano é crucial para manter a sua soberania económica”, acrescentou.