Denúncia de abuso sexual na TVI: Diocese do Algarve remete à Justiça suspeitas sobre padre

25 nov 2021, 14:24

Telmo Simão revelou, no programa "Goucha", que foi vítima de abusos sexuais numa IPSS em Faro e que um dos agressores seria um sacerdote. Diocese do Algarve diz ter dado conhecimento do caso ao Ministério Público

A Diocese do Algarve remeteu para o Ministério Público as suspeitas sobre abusos sexuais alegadamente cometidos por um padre e que foram denunciados no programa de Manuel Luís Goucha na TVI

A notícia, avançada pelo Observador, foi confirmada pela CNN Portugal: após a emissão da entrevista no programa "Goucha" de 6 de outubro, a Diocese do Algarve determinou a abertura de uma investigação prévia e comunicou os factos ao Ministério Público. 

A CNN Portugal questionou a Procuradoria-Geral da República sobre a eventual abertura de um inquérito, mas ainda não teve resposta. 

Os abusos sexuais numa Instituição Particular de Solidariedade Social de Faro - o Instituto D. Francisco Gomes - Casa dos Rapazes - foram denunciados por Telmo Simão, que chegou a ser a única criança na Ilha da Armona e contou no programa "Goucha" como superou uma infância de abusos, consumo e tráfico de drogas, denunciando um sacerdote de Boliqueime que era capelão do Exército.

"O meu pai biológico nunca quis saber de mim, nunca me deu nome. A minha mãe abandonou todos os filhos que teve e deixou-me com a mãe dela, fui criado com os avós, irmãos, tios", contou Telmo a Manuel Luís Goucha. 

Foi o presidente da Câmara de Olhão que, há mais de 30 anos, juntamente com uma assistente social, propuseram a Telmo - que  tinha então nove anos - ir viver para a Casa dos Rapazes, para poder frequentar a escola e aprender a ler e escrever. "Fiquei contente de ir para lá", recordou Telmo. 

Mas acabou por não se adaptar e fugir para a rua com apenas 12 anos. Logo que chegou à instituição, foi praxado com violência - bateram-lhe com toalhas molhadas - e conta que ficou de castigo durante 30 dias, sentado num banco amarelo, porque agrediu um colega que lhe tinha roubado um fio dado pela avó. 

"Os abusos sexuais começaram logo a seguir", disse na televisão. "Digo para a câmara sem medo nenhum", frisou Telmo, que se preparava para identificar um dos abusadores quando foi interrompido por Goucha, que o aconselhou a ponderar para não ter "problemas". 

"Posso só dizer que é padre e que o senhor é de Boliqueime, era capelão do Exército".

Telmo prosseguiu então, dizendo que todas as crianças eram abusadas também por monitores e que eram ameaçadas para não denunciarem o que acontecia. "Levávamos porrada se falássemos, a própria instituição protegia", denunciou no programa da TVI, que pertence ao mesmo grupo da CNN Portugal. 

Telmo Simão revelou ainda que acabaria por fugir quando um irmão foi acolhido naquela mesma instituição, sendo igualmente vítima de abusos. O irmão viria a fugir também da Casa dos Rapazes, acrescentou. 

"Eu fujo para não sofrer mais", desabafou. 

Comunicado da Diocese 

Num comunicado enviado à CNN Portugal esta quinta-feira, a Diocese do Algarve garante que não tinha recebido, até à data do programa de Goucha, qualquer denúncia "deste ou de qualquer outro caso de abusos". "Não obstante, o bispo diocesano, tendo tomado conhecimento das declarações produzidas naquele programa televisivo de entretenimento, à luz de quanto prescrevem as normas da Igreja a este propósito, pediu que fosse convocada a Comissão Diocesana de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis para escutar o seu parecer sobre este caso, que, pelas afirmações feitas no referido programa, terá ocorrido há mais de trinta anos", acrescenta.

Na mesma nota, a Diocese refere que o bispo do Algarve, Manuel Quintas, depois de lhe ser transmitido o parecer dos especialistas da referida comissão, "comunicou o caso à Congregação da Doutrina da Fé, deu disso conhecimento ao Ministério Público da Comarca de Faro e determinou a realização de uma Investigação prévia, nos termos canónicos, para averiguar da credibilidade da denúncia produzida. Essa investigação prossegue sob a exclusiva competência e responsabilidade da Comissão de Inquérito, cujo trabalho sigiloso a Diocese apoia e respeita, não interferindo no desenrolar do mesmo". 

Esta comissão da Diocese do Algarve é coordenada pelo padre Rui José Barros Guerreiro, especialista em Direito Canónico, e composta ainda pelo procurador António Ventinhas, pelo pedopsquiatra Pedro Almeida Dias, pelo juiz Pedro Pinto e pelo padre Miguel Neto, do Gabinete de Informação da Diocese do Algarve. Foi constituída em 2020, na sequência do pedido do Vaticano para que todas as dioceses implementassem organismos com a finalidade de receber, reportar e investigar casos de abusos.

A nota sublinha ainda que o sacerdote sobre o qual recaem suspeitas se colocou "à disposição" para esclarecer o assunto e que a Diocese, ainda que não conhecesse Telmo Simão, já conseguiu colocar-se em contacto com a alegada vítima e estabelecer um primeiro encontro. 

"A instituição referida no programa televisivo e onde alegadamente os abusos ocorreram não tem, nem nunca teve, qualquer ligação à Diocese do Algarve e à Igreja Católica", reforça o comunicado, que assegura que tudo está a ser feito para apurar a verdade, assinalando que "todos têm direito à presunção de inocência". 

Crimes já prescreveram

Apesar da denúncia de Telmo Simão, os crimes de abuso sexual já não poderão ser julgados, uma vez que, de acordo com a lei portuguesa, prescrevem cinco anos após a maioridade da vítima. O parlamento aprovou em outubro um alargamento deste prazo, para que a vítima possa denunciar até aos 50 anos, mas a lei ainda não entrou em vigor. 

Já no que diz respeito às sanções previstas pela Igreja Católica, o prazo para julgar crimes de abuso sexual vai até aos 20 anos após a maioridade da vítima e o Vaticano pode mesmo suspender a prescrição. A Congregação para a Doutrina da Fé, que segundo o comunicado da Diocese do Algarve já foi informada das suspeitas, é um dos órgãos da Santa Fé que supervisiona o julgamento dos crimes graves. 

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