"Temos cada vez mais crianças fechadas nos seus telemóveis". Profissionais de saúde mental concordam com as recomendações do Ministério da Educação

27 set, 21:13
Telemóvel, telecomunicações, comunicação, smartphone, iPhone 13 Pro Max. Foto: Nasir Kachroo/NurPhoto via Getty Images

O psiquiatra Daniel Sampaio e a psicóloga Raquel Raimundo estiveram ao lado do secretário de Estado da Educação e da Inovação, Pedro Dantas da Cunha, num debate sobre o tema. E estão de acordo com a proibição total só no primeiro e segundo ciclos e restrições no terceiro ciclo

O psiquiatra Daniel Sampaio e a psicóloga escolar Raquel Raimundo, também presidente da delegação regional do Sul da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), concordam com as recomendações do Governo sobre a utilização dos telemóveis nas escolas. Os dois profissionais de saúde mental debateram o tema com o secretário de Estado da Educação e da Inovação, Pedro Dantas da Cunha, e com Beatriz Imperatori, da Unicef Portugal, durante o 6.º Congresso da Ordem dos Psicólogos Portugueses, que terminou esta sexta-feira, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

“Concordo absolutamente com as recomendações do Ministério da Educação. Não me faz sentido proibir os telemóveis na adolescência. Eles são necessários para comunicar, para trocar imagens. (…) Cada escola deve preocupar-se com a utilização da internet na escola. Tem de haver um regulamento na escola, com a participação dos alunos”, considera o psiquiatra Daniel Sampaio, dando como exemplo a Escola Secundária de Carcavelos, na região de Lisboa, que tem sobre esta matéria “um regulamento discutido pelos alunos”.

“Cada escola e cada agrupamento de escolas devia pronunciar-se e não esperar que o Ministério viesse determinar regras para toda a gente”, acrescenta o especialista.

Também a psicóloga Raquel Raimundo frisa estar de acordo com as recomendações do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) às escolas sobre o uso de telemóveis: "Podemos não ter certeza do real impacto, mas, ao vermos riscos, devemos prevenir.” A psicóloga sublinha ainda que o exemplo sobre o bom uso do telemóvel deve vir de cima e os adultos da escola e da família devem ser os primeiros a dar o exemplo.

Raquel Raimundo deixa mesmo algumas sugestões às escolas para tornar mais saudável a utilização do telemóvel por todos: “Restringir o wi-fi em determinadas zonas das escolas ou implementar um dia sem telemóvel na escola. Gostava era de saber como os adultos iam reagir a isso.”

Daniel Sampaio acrescenta que é preciso dar às crianças alternativas ao uso dos telemóveis mais interessantes. O psiquiatra fala em “espaços muito pobres” nos recreios e excesso de proteção dos adultos. “O desenvolvimento da infância e da adolescência pressupõe risco, pressupõe chocar com um colega, pressupõe jogar à bola com um colega, sem ter um adulto sempre a supervisionar”, alerta.

No debate desta sexta-feira à tarde no CCB, o psiquiatra reconhece que há problemas de saúde mental “na geração dos smatphones”, mas sublinha que não se pode atribuir a culpa integralmente aos telemóveis: “Não temos uma causa linear. Não é A que provoca B.”

“Claramente, há mais ansiedade. Há um aumento dos comportamentos autolesivos. Um aumento das taxas da depressão na adolescência. É discutível se o suicídio está a aumentar ou não, mas há alguns dados que indicam que pode estar a aumentar. Estamos a ter cada vez mais crianças fechadas em casa no seu telemóvel ou no seu tablet, temos cada vez mais adolescentes que não fazem exercício físico, com excesso de peso ou obesidade, porque estão fechados em casa no telemóvel ou no tablet. A interação social está a diminuir na nossa sociedade. Isso é promovido pelos telemóveis, mas também é promovido pelas famílias“, argumenta Daniel Sampaio, alertando que “os pais sobreprotegem os seus filhos no mundo real, mas subprotegem os seus filhos no mundo virtual”.

O secretário de Estado da Educação e da Inovação, Pedro Dantas da Cunha, lembrou que “98% dos jovens de 15 anos da OCDE tem um smartphone” e que “a internet na ponta dos dedos é omnipresente”. “Estes aparelhos vieram para ficar. Não vale a pena negá-los, nem abraçá-los de forma indiferente. Os smartphones têm um potencial enorme para aprendizagem humana. Esse potencial vem acompanhado de riscos. (…) Em algumas idades, algumas formas de utilização não são saudáveis”, considera.

“Não é um problema específico na escola. Não serve de nada proibir os telemóveis aqui ou ali, se não for alinhado com as famílias. Temos de ensinar os pais a brincar de novo com os filhos”, acrescenta Pedro Dantas da Cunha, psicólogo de formação académica.

Também a diretora executiva da Unicef Portugal alinha pelo mesmo diapasão e concorda que a proibição total não é benéfica. Até porque, sublinha, o telemóvel é uma ferramenta fundamental para a aprendizagem de muitas crianças. “A tecnologia proporciona a muitas crianças oportunidades que de outra forma não teriam. A informação chega às escolas de uma forma que de outro modo não chegaria”, defende, dando como exemplo os cenários de guerra.

“Em Portugal, recebemos um número grande de menores não acompanhados, que chegam até nós pela rota do Mediterrâneo. O telemóvel é fundamental. Sem telemóvel, os riscos são infinitamente maiores. O telemóvel permite-lhes manter a ligação com as famílias que ficaram nos países de origem e a socialização uns com os outros quando já estão em Portugal”, aponta.

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