Assinala-se esta quinta-feira, 27 de março, o Dia Mundial do Teatro. Desde o início de 2023 que o Teatro Nacional D. Maria II está em obras. Há muita gente que, quando passa pelo edifício, se pergunta o que estará a mudar no interior. Foi isso que a CNN Portugal foi perceber. Para trazer uma data concreta: vai reabrir no primeiro trimestre de 2026, a tempo de celebrar os 180 anos
Nem a chuva pára as obras no Teatro Nacional D. Maria II (TNDMII). Nas traseiras do edifício, vê-se uma abertura no topo. É por aqui que entra o material – e sai o entulho – necessário para construir uma das maiores novidades desta empreitada. Não vamos revelar logo tudo no primeiro parágrafo.
A fachada principal, virada para o Rossio, em Lisboa, está de cara lavada. É muito mais branca do que no início de 2023, quando o maior teatro do país fechou portas para obras de requalificação, restauro e renovação.
No interior, a Sala Garrett, a principal, está despida. Perdeu os tecidos, as alcatifas, as cadeiras. Ganhou tubos, madeiras, caixas de cartão. É um autêntico estaleiro, onde só se entra de capacete e colete refletor. O grande candeeiro, recolhido no teto, está coberto de plástico. Quem vê a sala assim, e a conhecia de antes, sente um ligeiro aperto no peito.
Com a casa de pantanas, houve descobertas inesperadas. Percebeu-se que, desde as últimas grandes obras, que tiveram lugar em 1978, depois do grande incêndio que destruiu o teatro em 1964, havia muita coisa que não correspondia à documentação dessa altura. Possíveis alterações de última hora.
E, no primeiro balcão, uma inscrição cuja existência era totalmente desconhecida. “É uma espécie de mensagem política do MDP-CDE [Movimento Democrático Português – Comissão Democrática Eleitoral], que foi encontrada debaixo dos damascos que cobrem as paredes do teatro”, destaca Pedro Penim, diretor artístico do TNDMII.
Adeus "fantasmas de atores passados"
Na Sala Garrett, mas também nas várias escadarias do edifício, os frisos decorativos dourados estão a ser tirados, limpos, pintados e recolocados um a um. É uma das coisas, até pelo brilho, que vai saltar à vista do público. Porque quem aqui entrar, a partir do primeiro trimestre de 2026, quando está prevista a reabertura, provavelmente vai deixar passar despercebidas muitas das alterações.
“Há um conjunto grande de intervenções do ponto de vista de ar condicionado, eficiência energética, iluminação, eletroacústica que, na realidade, são quase invisíveis ao público. Por exemplo, tínhamos um problema com umas certas correntes de ar que se sentiam na plateia da Sala Garrett, que às vezes se dizia serem fantasmas de atores passados que passavam. Tinha a ver com a desatualização do sistema de ar condicionado, que é totalmente reformulado”, aponta Rui Catarina, presidente do conselho de administração do TNDMII.
No chão são agora notórias pequenas aberturas que permitirão essa ventilação. Mas o público, neste caso concreto, não as notará. Estarão escondidas debaixo das alcatifas.
“Vai-se trabalhar muito melhor, as pessoas vão ver espetáculos com melhor qualidade técnico. Acho que isso vai ser palpável”, junta Pedro Penim.
Como nasce um desejo a vários metros de altura
Como referíamos no primeiro parágrafo, uma das grandes mudanças acontece a vários metros de altura, mesmo por cima da sala principal. É aqui que vai nascer, numa zona conhecida como Sala de Cenografia, e que servia para guardar figurinos, um espaço de trabalho para muitos dos cerca de 90 trabalhadores permanentes deste teatro.
Haverá um jardim de inverno que permitirá a entrada de luz natural, um dos aspetos mais desejados pela equipa. Mas não é só por aqui que o TNDMII reforça a sua ligação ao exterior. O edifício vai ganhar mais janelas. Na prática, elas já existiam, mas estavam tapadas por betão. Eram janelas falsas.
“Desde 1978 [data das últimas obras], o funcionamento de uma instituição pública como um teatro nacional mudou radicalmente. Ao nível de exigências de equipas, do número de pessoas que aqui trabalha, do ponto de vista técnico e administrativo. Uma das condicionantes que tínhamos era uma enorme falta de espaços de trabalho administrativo, a que se junta a necessidade de atualização de equipamentos técnicos e de zonas de trabalho técnico. Teremos um novo piso, no subpalco, que não existia, onde haverá oficinas”, descreve Rui Catarino.
“Não é uma transformação radical do teatro”, mas vai deixá-lo de cara lavada. As obras, que se foram arrastando no tempo, dadas as exigências naturais na hora de intervir num edifício que é monumento nacional, vão custar à volta de dez milhões de euros, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), as verbas vindas da União Europeia para que as economias dos países recuperassem dos efeitos da pandemia de covid-19.
Com a subida nos custos dos materiais de construção, foi preciso ceder em alguns dos objetivos iniciais. Mas, nesta fase, está a ser avaliado se é possível deslocar verbas para esses fins. “Estamos ainda na expectativa de, numa reprogramação do PRR, poder beneficiar de alguma verba adicional para fazer outras intervenções que tínhamos previsto inicialmente, mas que tiveram de ser retiradas por causa do aumento dos preços da construção”, junta o presidente do conselho de administração.
Um teatro que, na verdade, nunca esteve fechado
“É a pergunta que me fazem todos os dias: ‘quando é que o teatro vai reabrir?’. Acho que não passa um dia da minha vida onde essa pergunta não me é feita”, conta Pedro Penim. Na verdade, o TNDMII nunca fechou. Mesmo com o edifício em obras, a equipa continuou a trabalhar.
“Temos andado por todo o país. Já fizemos a nossa ‘Odisseia Nacional’, estivemos em muitos municípios parceiros, colaborámos com muitas escolas, fizemos exposições. Andámos, na verdade, a viajar com tudo aquilo que são as atividades do TNDMII”, lista o diretor artístico. Neste último ano, e até para preparar o regresso a casa, o trabalho tem-se concentrado em Lisboa. “Há uma tentativa de aproveitar tudo o que têm sido as experiências fora do edifício, para tentar revertê-las também para esta nova fase.”
“O ritmo fora de casa tem sido muito intenso. Dá bastante mais trabalho ter um teatro fechado do que o teatro estar aberto em funcionamento ‘normal’”, completa Rui Catarino.
Regresso em grande
Ouve-se música na entrada onde costumava funcionar a bilheteira. O rádio corta o silêncio, vai-se misturando com as marteladas. O novo teto está praticamente pronto. Há tubos ainda à mostra. E, nas portas, faltam vidros, à espera que novos lhes tomem o lugar. Na livraria, colocam-se as caixas de madeira, que formarão estantes cheias de obras incontornáveis da dramaturgia. Uma vassoura aguarda pacientemente pelo fim das obras, lá para outubro deste ano.
Depois será o tempo necessário para deixar tudo a brilhar, voltar a habitar o teatro, recuperar rotinas de trabalho, instalar e testar os equipamentos técnicos. A programação para a reabertura já está a ser preparada com pompa e circunstâncias. Mas, por agora, ninguém se aventura a abrir as cortinas para que possamos espreitar.