A companhia está a convidar os espectadores para, na próxima terça-feira à tarde, ajudarem a desmontar a Politécnica. Enquanto isso, continua à procura de um espaço para trabalhar: "Temos espetáculos calendarizados, equipas contratadas. Vamos abrir a temporada em setembro mas ainda não sabemos onde"
Após 13 anos no Teatro da Politécnica, em Lisboa, os Artistas Unidos voltam a ficar em casa. A pouco mais de duas semanas de terem de entregar a chave e abandonar o espaço, a companhia de teatro não tem para onde ir. "Foram mais de 130 espectáculos que aqui se apresentaram, entre espectáculos próprios, coproduções e acolhimentos. Fechamos agora portas, sem qualquer perspectiva sobre "onde vamos morar", citando o título de um espectáculo da companhia", explicam os Artistas em comunicado. "Há 23 anos, quando saímos d'A Capital, enchemos camiões mas sabíamos onde os íamos despejar. Agora não sabemos", conclui o ator e encenador João Meireles.
Os Artistas Unidos instalaram-se no Teatro da Politécnica, em 2011, com um contrato de arrendamento com a Universidade de Lisboa que deveria ser renovado de dois em dois anos. Em março de 2022, a Reitoria da UL comunicou informalmente ao grupo a intenção de não renovar o contrato de arrendamento, que terminaria em fevereiro do ano seguinte. Na altura, a Câmara Municipal de Lisboa interveio conseguindo estender o prazo até julho deste ano, comprometendo-se a autarquia a, neste período, encontrar uma alternativa. Só que isso não aconteceu.
"Só no último mês e meio é que houve, de facto, algumas iniciativas por parte da Câmara para tentar encontrar um espaço. Visitámos espaços que dependem da Câmara e não só, teatros e auditórios, mas todos têm ocupação e programação, como se sabe não existe um teatro livre em Lisboa", explica João Meireles à CNN Portugal, lamentando que o processo não se tenha iniciado mais cedo. "É tudo muito triste. Se tivéssemos começado a procurar há dois anos provavelmente não teríamos este problema agora."
"Nós não precisamos de um teatro. O que temos dito é que se procure um espaço onde possamos construir um teatro. Foi o que fizemos na Politécnica, e antes disso já o tínhamos feito no Convento das Mónicas e n'A Capital", diz o ator que está nos Artistas Unidos desde a sua fundação, em 1996.
Voltar ao edifício da Capital, no Bairro Alto, "foi uma ideia que Jorge Silva Melo teve no início do século e que ressurgiu em março de 2022, num desenho muito diferente daquilo que tinha sido pensado, já não seria um centro de artes, mas foi uma hipótese que foi bem acolhida pela Câmara", conta João Meireles.
A Câmara Municipal de Lisboa afirma que continua empenhada em encontrar uma solução, consensualizada com os Artistas Unidos, que permita a continuidade do seu trabalho. Questionada pela Lusa sobre a situação, a assessoria de imprensa da autarquia de Lisboa disse que a edilidade "mantém o edifício A Capital como uma possibilidade para acolher os Artistas Unidos". "Mas, encontrando-se o projeto para este imóvel ainda em execução, tem procurado soluções, ainda que temporárias, para acolhimento da companhia", refere numa nota escrita. A autarquia "tem procurado uma solução em auditórios - municipais e não só -, mas até ao momento não foi possível encontrar um espaço que reúna as características necessárias para o acolhimento dos projetos que os Artistas Unidos têm em curso", conclui a nota.
"Neste momento o que existe para a Capital é um plano habitacional, do qual resta o rés-do-chão e a cave. Só esta semana é que recebemos os planos de arquitetura para tentarmos perceber se será possível construir uma sala de espetáculos ali", explica João Meireles. "Mesmo que seja possível, as obras ainda não começaram. Portanto esse é um futuro incerto e de certeza longínquo. Sei lá se em 2027 há Artistas Unidos, em nem sei o que vai acontecer em 2025", lamenta.
"A perspetiva é bastante negra", admite João Meireles com grande tristeza. "Há uma obrigação pública. Temos um contrato com a DGArtes e temos de cumprir um plano de atividades. Temos espetáculos calendarizados, equipas contratadas. Vamos abrir a temporada em setembro mas ainda não sabemos onde."
"Temos feito contactos com outras salas, companhias com espaço próprios, agentes e programadores, e todos têm mostrado solidariedade e disponibilidade, mas a verdade é que já têm a sua própria programação", explica. Portanto, estas serão sempre soluções provisórias, um último recurso para manter a atividade, ainda que com um inevitável decréscimo no número de récitas.
Uma das principais preocupações prende-se com os trabalhadores: os Artistas Unidos têm uma equipa fixa de 12 pessoas, além dos colaboradores que são contratados para cada produção. "Neste momento já começámos a perder pessoas, porque sem sala não precisamos de uma equipa de sala nem de direção de cena", observa. "Isto angustia-me muito."
Depois, existe uma questão que tem de ser resolvida urgentemente, que é onde é que vão guardar todos os equipamentos e materiais da companhia: "Alugámos um armazém que, neste momento, já está cheio, não cabe lá mais nada. Isto significa que temos dois espetáculos em digressão - no Festival de Almada e no Citemor - mas que, depois, não temos onde colocar os cenários e todos os materiais desses espetáculos."
E, finalmente, é necessário um local para trabalhar. Ainda que algumas tarefas possam ser feitas em teletrabalho (uma solução que não é a ideal), uma grande parte do trabalho exige um espaço que esteja disponível durante algum tempo, sobretudo para os ensaios.
São muitas as dúvidas. Neste momento, a única certeza é que têm de sair da Politécnica até ao final do mês.
Os Artistas Unidos estão a convidar os espectadores e amigos a aparecerem no Teatro Politécnica na próxima terça-feira, entre as 15:00 e as 19:00, para um momento de despedida do espaço e também para ajudar a desmontar a Politécnica: "Muitos materiais já estão encaixados e ensacados, mas precisamos de braços para pôr as coisas dentro das carrinhas", diz João Meireles. "Estivemos a rever um filme que foi feito quando despejámos a Capital. Lá andamos todos a carregar móveis e caixas, como estamos a fazer agora. Mas na altura tínhamos 20 anos, sentíamos que podíamos mover este mundo e o outro. Agora, acho que já só conseguimos mover este mundo e, mesmo assim, com dificuldade."