Carlos Alexandre e Ivo Rosa já não estão sozinhos. Quem são os novos juízes do “Ticão”

4 jan 2022, 07:20
Campus da Justiça - MARIO CRUZ/LUSA

Discretos, duros e com muita experiência. É assim que são vistos os magistrados que vão partilhar os casos no Ticão, que hoje regressa ao Campus Justiça. Um deles arrestou os bens de Isabel dos Santos e outro decretou a prisão domiciliária da mulher de João Rendeiro. Há vários processos mediáticos que estiverem nas mãos dos três homens e três mulheres que vão dividir o protagonismo da até agora dupla de juízes

Foi um deles que decretou o congelamento dos bens de Isabel dos Santos, outro que decidiu colocar a mulher de João Rendeiro em prisão domiciliária e outro ainda que decretou a prisão preventiva a Rui Pinto, o pirata informático. Fazem os três parte do grupo de seis juízes que a partir de hoje integram o novo tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, conhecido como Ticão, e vão partilhar com Carlos Alexandre e Ivo Rosa os megaprocessos que ali forem parar

No tribunal, que regressa ao Campus da Justiça e que passa de dois para oito juízes, vão estar agora cinco homens e três mulheres. Deviam ser nove, mas falta preencher um dos lugares.  

"O facto de os novos juízes não serem personalidades mediáticas, significa apenas que estão a fazer o seu trabalho nos processos, discretamente, sem endeusamentos ou diabilizações, que não acrescentam nada à qualidade da justiça", diz à CNN Portugal O juiz desembargador Manuel Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.

Têm todos mais de 20 anos de experiência, mas são discretos, e por isso não é fácil encontrar fotografias suas. São todos recatados e avessos a mediatismo, contam os que se costumam cruzar com estes magistrados nos tribunais. "Os juízes estão obrigados ao direito de reserva e não serem conhecidos é sinal de que estão a fazer o seu trabalho", considera advogado Miguel Matias à CNN Portugal.

Além dos anos de experiência, estes magistrados tiveram todos classificação de “Muito Bom” ou “Bom com Distinção”. "Os juízes que vão integrar o novo 'Ticão' têm os mesmos requisitos de experiência, especialização, competência e antiguidade dos dois (Carlos Alexandre e Ivo Rosa) que lá exercem funções atualmente, pelo que não há qualquer razão para recear quebras de continuidade ou qualidade do trabalho que ali de desenvolve", diz, por seu lado Manuel Soares. Agora Carlos Alexandre e Ivo Rosa perdem a exclusividade dos megaprocessos, que serão ser redistribuídos em novo sorteio.

Mas quem são os novos juízes que chegam agora ao “Ticão”?

O Conselho Superior de Magistratura (CSM) confirmou à CNN Portugal a lista de magistrados que vão integrar este tribunal:

João Filipe Pereira Bártolo

“Muito tímido, mas muito aplicado”, É assim que o advogado Paulo Sá e Cunha se lembra de João Filipe Pereira Bártolo, seu antigo aluno, hoje juiz com quem já se cruzou nos últimos anos em salas de audiências. Aqui, conta à CNN Portugal o advogado e sócio do escritório de advogados Cuatrecasas, sempre lhe pareceu “discreto e sensato”.  Tem, acrescenta, um perfil normal de um juiz.

João Bártolo, juiz há mais de 21 anos, já esteve ao lado de Carlos Alexandre no Tribunal Central de Instrução Criminal - entre 2014 e 2015. Foi o antecessor de Ivo Rosa.

Apesar de discreto teve entre mãos alguns processos muito mediáticos como por exemplo o de Tancos (entre 2018 e 2019). Foi João Bártolo como juiz de instrução criminal que declarou a excecional complexidade do processo das armas de Tancos e chegou mesmo a acrescentar um crime de tráfico de armas, para poder determinar a prisão preventiva de um dos arguidos.

Em 2019, também tomou algumas decisões num dos processos que envolve o grupo motard Hells Angels.  em 2020, decretou o congelamento dos bens de Isabel dos Santos, em Portugal, considerando que seria suficiente para acautelar os interesses de Luanda, após ser recebida uma carta rogatória do Procurador-Geral da República de Angola. Uma decisão, depois, alterada por Carlos Alexandre que foi mais longe e determinou o arresto de todos os bens da empresária.

Luís José Cardoso Ribeiro

Com mais de 24 anos de experiência, foi o presidente do coletivo de juízes responsável pelo julgamento do processo principal do caso BPN, que condenou, em 2017, José de Oliveira Costa a 14 anos de prisão pelos crimes de falsificação de documentos, fraude fiscal qualificada, burla qualificada e branqueamento de capitais. Recorde-se que dos 15 arguidos, foram condenados 12.  No dia em que leu a sentença do processo principal do caso BPN, classificou-o como “a maior burla da história portuguesa” julgada até àquele momento.

Maria Antónia Dias Rodrigues Andrade

Esta juíza esteve ligada a vários processos mediáticos nos últimos anos. Entre os quais está o caso de Rui Pinto, o pirata informático. Quando teve o processo entre mãos, em 2019, Maria Antónia Andrade acedeu ao pedido do Ministério Público e aplicou a medida de coação mais gravosa a Rui Pinto, a de prisão preventiva, por considerar existir o perigo concreto de continuação de atividade criminosa, perturbação do inquérito e perigo de fuga.

Ambos voltariam a cruzar-se quando o hacker acusou um funcionário do Benfica de ser o autor da página do Football Leaks no Facebook e do polémico post “PJ Looking for me? Catch me if you can”. O Procurador do Ministério Público encerrou o caso sem fazer qualquer diligência e o arquivamento foi confirmado por esta juíza.

Também foi Maria Antónia Andrade quem, em 2018, recusou o pedido de Mário Machado, Militante de extrema-direita, para se tornar assistente num processo contra o grupo de motociclistas Hells Angels. O caso estava relacionado com os confrontos violentos envolvendo os Hells Angels e o grupo motard rival Red&Gold, dos quais resultaram em seis feridos, três deles em estado grave.

Tem o "perfil típico de uma magistrada", afirma Paulo Sá e Cunha à CNN Portugal. Mas não só. Segundo este advogado, é uma pessoa " de muito bom trato, muito simpática", o que se traduz "num ambiente agradável" dentro da sala de audiência "mesmo que "não se concorde com as suas decisões". Atribui-lhe ainda "qualidades técnicas, com decisões bem fundamentadas".

Esta magistrada conta com mais de 26 anos de trabalho na área da justiça.

Catarina Isabel Vasco Pires

Foi esta magistrada que em novembro esteve a ouvir a mulher de João Rendeiro, depois deste ter fugido, tendo decidido colocá-la em prisão domiciliária com pulseira eletrónica. A juíza Catarina Isabel Vasco Pires considerou que havia perigo de fuga e perturbação do decurso do inquérito e aplicou esta medida a Maria de Jesus Rendeiro, suspeita de estar envolvida num esquema de branqueamento de capitais para ocultar a fortuna do marido.

Antes, esta magistrada também tinha presidido o coletivo de juízes que condenou três ex-seguranças do Urban Beach por tentativa de homicídio. Os arguidos foram condenados a penas de prisão efetivas até cinco anos e meio e Catarina Pires sustentou, na altura, que, em julgamento, ficaram provados, na generalidade, os factos descritos na acusação do Ministério Público.

O advogado Miguel Matias já se cruzou com esta magistrada num processo e apesar de considerar que foi "dura", não tem dúvidas em assumir que foi "equilibrada na decisão".

Jorge Miguel Bernardes de Melo

Jorge Miguel Bernardes de Melo, com mais de 20 anos de trabalho na magistratura, antes de ser colocado no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (TIC), passou pelos Juízos de família e menores de Loures.

A advogada Eduarda Proença de Carvalho já se cruzou com o magistrado numa sala de audiência. "Pareceu-me uma pessoa muito ponderada", afirma à CNN Portugal. "No processo em que conheceu o magistrado explica que este fez "várias tentativas de acordo" entre as partes, mas que, no final, também "não teve medo de decidir".

Ana Marisa dos Santos Arnêdo

Foi a magistrada que presidiu o coletivo do processo Aquiles que começou em outubro de 2018. Neste caso, dois inspetores da PJ estavam acusados de corrupção por ligação a redes de tráfico de droga. Um foi absolvido de todos os crimes e outro condenado apenas por adesão a associação criminosa. Ana Arnêdo está na área há mais de 25 anos.

Entre estes seis juízes, dois – Catarina Vasco Pires e Jorge de Melo-, estão a substituir dois dos três magistrados que integravam os quadros do tribunal mas estão em comissões fora. Há assim um lugar por preencher. Mas em relação ao facto de serem apenas oito magistrados, quando a lei refere nove, o Conselho Superior de Magistratura (CSM) explicou à CNN Portugal que “o quadro complementar de Lisboa não tem, de momento, juízes disponíveis, razão pela qual este lugar não será preenchido”.

“ A ausência de um juiz não implica necessariamente a sua substituição, sendo adotadas nestes casos as devidas medidas de gestão”, acrescentou a mesma fonte oficial.

Apesar de prever que “só no próximo movimento judicial, em julho de 2022, seja colocado um juiz nesta vaga”, o CSM garantiu que “se as circunstâncias assim o exigirem, esta medida poderá ser alterada”.

A reorganização do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) vai absorver, os juízes, os funcionários e as competências do Juízo de Instrução Criminal e entra hoje em vigor.

Como fica o futuro de Ivo Rosa e Carlos Alexandre?

Carlos Alexandre está há mais de dez anos no Tribunal Central de Instrução Criminal e nunca se candidatou a outro lugar. Neste momento, não existe qualquer pedido de nova colação junto do Conselho Superior de Magistratura (CSM) por parte do magistrado. Regra geral, as colocações são decorrentes de Movimento Judicial, e o próximo só ocorre em junho de 2022. Se quiser deixar o TCIC só poderá fazer um pedido nessa altura.

Por seu lado, Ivo Rosa, que entrou em 2015 para o Tribunal Central de Instrução Criminal, candidatou-se recentemente a duas vagas. Isso mesmo foi confirmado pelo CSM à CNN Portugal:

“O Juiz de Direito Dr. Ivo Nelson de Caires Batista Rosa candidatou-se ao 10.º Concurso curricular de acesso aos Tribunais da Relação, que atualmente corre os seus termos ao nível de avaliação curricular por parte do respetivo júri. Candidatou-se também a Assessor Internacional na área do Direito Penal para os Tribunais Distritais de Timor-Leste, processo de recrutamento que se encontra a decorrer junto do Conselho Superior da Magistratura Judicial de Timor-Leste”.

Por agora, o juiz Ivo Rosa fica em exclusivo com o processo BES, o Octapharma e a Operação Marquês. Os restantes processos, incluindo o da EDP, serão redistribuídos por sorteio, já com os novos magistrados em funções.

Regresso a uma casa renovada, com uma família alargada

Numa nota enviada aos órgãos de comunicação social, o Ministério da Justiça fez questão de explicar o novo espaço onde vai trabalhar o TCIC (Tribunal Central de Instrução Criminal), também conhecido como “Ticão”. Recorde-se que em janeiro de 2015, o TCIC tinha saído do Campus de Justiça, por falta de segurança.

No regresso à zona da Expo, em Lisboa, vai passar “a dispor de uma área de trabalho com um total de 1.379 metros quadrados, distribuída por três pisos que acolhem oito juízes e as suas equipas. Esta área foi inicialmente projetada para o funcionamento de um tribunal de instrução criminal com 10 juízes”. 

No Campus da Justiça estão ainda “reservadas sete salas para diligências, com dimensões entre 36 e 54 m2, oito gabinetes destinados a juízes, com cerca de 21 m2 cada um, uma unidade central com cerca de 101 m2 e unidades de processos com cerca de 325 m2”.

O número de funcionários também cresce de forma significativa: “Dos 10 elementos da unidade central, quatro estarão direcionados para a atividade do TCIC. Em média, estarão afetos às unidades de processos do TCIC cerca de 23 oficiais de justiça. A estes acrescem mais 3 elementos da equipa informática da Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), que vão colaborar no tratamento de dados a integrar no Sistema Integrado de Informação Processual (SIIP). Além disso, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que dispõe de 4 assessores, colocará à disposição do TCIC 3 assessores”.

Sem esquecer o motivo que levou à saída do “Ticão” do Campus da Justiça, o Ministério da Justiça defende que as novas “instalações do TCIC beneficiam de adequados mecanismos de segurança passiva e de segurança ativa, neste último caso proporcionados pela Polícia de Segurança Pública, que dispõe de uma esquadra dedicada aos tribunais instalados no Campus da Justiça, e por segurança privada. Por outro lado, as salas de diligências, os gabinetes dos juízes e as secções de processos serão instalados em zonas do edifício resguardadas do público”

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