Taxa rosa. Porque é que comprar produtos para mulher é mais caro do que para homem?

22 out 2022, 08:00
Taxa rosa. Produtos de beleza para homem e mulher. Desigualdade de género. Foto: Christian Charisius/picture alliance via Getty Images

Chamam-lhe a taxa rosa. Estudos internacionais mostram que, ao longo da vida, as mulheres acabam por gastar “milhares de dólares a mais para comprar produtos semelhantes aos dos homens”. E, em Portugal, esta taxa também existe?

Comprar um desodorizante pode ser quase 9% mais caro para uma mulher do que para um homem e um creme de rosto feminino pode ser 34% mais caro do que um masculino. Os dados são de um estudo feito no Reino Unido, em 2018, e mostram como as desigualdades entre homens e mulheres se verificam também na hora de ir às compras. Esta prática é conhecida como a pink tax (“taxa rosa”) e acontece a nível global. Apesar de não ser um verdadeiro imposto, e de as marcas não reconhecerem abertamente que existe esta diferenciação, a "taxa rosa" tem um peso real e significativo nas carteiras das mulheres.

É nos artigos de higiene e beleza – cremes, desodorizantes, loções, lâminas – que esta taxa rosa é particularmente expressiva, mas a disparidade nos preços de bens femininos e masculinos é transversal a vários tipos de produtos e existe até na roupa, como demonstra um relatório governamental realizado em Nova Iorque, em 2015, que analisou 800 artigos, de 100 marcas diferentes. Este estudo concluiu que, em média, os produtos de higiene são 13% mais caros para as mulheres do que para os homens e que as peças de roupa e os acessórios são 8% e 7% mais caros, respetivamente. A "taxa rosa" estende-se até a brinquedos e a objetos de papelaria: um caderno ou uma caneta pode ser mais caro pelo simples facto de ser cor de rosa.

O documento, subscrito pelo presidente da câmara de então, Bill de Blasio, é perentório: ao longo da vida, as mulheres acabam por gastar “milhares de dólares a mais para comprar produtos semelhantes aos dos homens” e são apontados vários exemplos, como o de uma scooter vermelha para criança que custava 24,99 dólares, enquanto que o mesmo modelo para rapariga, em cor de rosa, já custava praticamente o dobro, 49,99 dólares.

O estudo também colocava lado a lado uma t-shirt para homem e outra para mulher, que sendo da mesma marca e com modelos idênticos, tinham preços muito diferentes: a de homem custava originalmente 30 dólares e em pomoção apenas 12, enquanto que a de mulher já custava 40 dólares e não apresentava qualquer desconto.

Foi precisamente este estudo que a congressista democrata Jackie Speier citou quando apresentou um projeto de lei com o intuito de acabar com a taxa rosa, o  "Pink Tax Repeal Act", colocando o tema na agenda política norte-americana. No texto da proposta, Jackie Speier considera que a taxa rosa é "discriminatória e afeta mulheres de todos os quadrantes, desde o nascimento até à morte". Mais, a democrata argumenta que, tendo em conta que, em média, as mulheres ganham menos do que os homens, a "taxa rosa" pode gerar perdas monetárias ao longo da vida das mulheres não na ordem dos milhares de dólares, como referia o estudo, mas na ordem dos milhões de dólares. 

Embora tenha dado voz ao assunto, a congressista admitiu que não esperava que o projeto de lei tivesse luz verde, o que se veio a confirmar com a oposição dos grandes retalhistas norte-americanos. Os comerciantes defendem que a proposta, como está desenhada, é difícil de aplicar e que poderia originar muitos processos em tribunal. Por outro lado, afirmam que as diferenças entre os produtos para homens e mulheres nem sempre são fáceis de constatar e que o assunto abre portas a um campo de grande subjectividade. 

No entanto, para a Organização das Nações Unidas, não há subjetividade no que concerne aos efeitos práticos da taxa rosa: a organização reconhece há muito a existência desta prática, que considera discriminatória, e tem feito sucessivos apelos para que os governos de todo o mundo tomem medidas no sentido de a eliminar. A organização sublinha ainda que são as mulheres em condições mais vulneráveis que sofrem mais com a taxa rosa. Mas afinal, o que está na origem deste diferencial tão significativo?

Marketing, percepções e a preconceitos

A especialista em assuntos jurídicos da Deco Proteste Magda Canas começa por explicar à CNN Portugal que "não estamos a falar exatamente de um imposto, mas sim de um agravamento do preço final num determinado conjunto de produtos". Por isso, "esse preço mais elevado dever-se-á às leis da oferta e da procura e às diferentes estratégias de marketing utilizadas".

E como é de marketing que falamos, o diretor do Instituto Português de Administração de Marketing (IPAM), Daniel Sá, ajuda-nos a perceber o que está em jogo: "dentro do marketing, a variável preço é uma das mais relevantes", mas, ressalva, "já lá vão os tempos em que os preços só eram determinados pelos custos". "Os preços dependem de quanto é que o consumidor está disposto a pagar pelo produto", acrescenta. 

Daniel Sá nota que "historicamente, o público feminino tem uma maior predisposição para pagar mais por alguns tipos de produtos" como é o caso dos artigos relacionados com a beleza e a imagem.

"Claro que isto também foi evoluindo e o que temos visto nas últimas décadas é os homens cada vez mais preocupados com os cuidados relacionados com a imagem", sublinha o diretor do IPAM.

Uma ideia que é corroborada por Mónica Mendes Ferreira, especialista em marketing e professora na ISCTE Business School: "o nível de envolvimento das mulheres nas compras é muito maior do que o dos homens". "Em determinadas categorias, as mulheres levam muito mais tempo a comprar e escolhem as opções pela promessa da marca", completa a especialista. 

Por isso, afirma Mónica Mendes Ferreira, a comunicação das marcas também é mais dirigida às mulheres do que aos homens. "Pese embora tenham, muitas vezes, a mesma composição, os produtos femininos têm uma embalagem diferente, o 'layout' diferente."

"A comunicação envolvente também representa o universo dos consumidores e, no caso das mulheres, não só o nível de envolvimento é maior, como há também um lado aspiracional", vinca.

Carolina Pereira, ativista e fundadora em Portugal do movimento 'HeForShe' da agência ONU Mulheres, olha de forma diferente para este tema. A ativista começa por lembrar que vivemos numa "sociedade capitalista que vive dos lucros" e que a taxa rosa nasce da "ideia de que as mulheres são mais consumistas, que consomem muito mais e que precisam de maior diversidade". 

"Está muito ligada a percepcões e a preconceitos e isso é uma questão de educação da própria sociedade", defende.

E, em Portugal, a taxa rosa existe?

Para respondermos a esta questão começámos por fazer uma pesquisa em vários sites de lojas e supermercados. E não foi preciso muito tempo para encontrarmos alguns exemplos de produtos que, embora sejam idênticos, têm custos diferentes por serem ou para homens ou para mulheres.

Vejamos este exemplo: um creme depilatório para mulheres de 400 ml custa 16,99 euros a unidade. 

Na mesma loja online, um creme da mesma marca e da mesma gama, também de 400 ml, só que para homens é um euro mais barato: 15,99 euros a unidade.

 

Num site de cosmética, encontrámos um frasco de perfume para mulher de 80 ml a custar originalmente 109 euros e em promoção 58,20 euros.

Um frasco maior (100 ml) da versão para homem deste perfume é bem mais barato: custa originalmente 94 euros e em promoção 45,87 euros.

Em Portugal, não há estudos ou análises de mercado que comprovem que a taxa rosa é uma prática recorrente. Magda Canas explica à CNN Portugal que até agora, a Deco Proteste ainda não aprofundou o tema. "Não podemos, como tal, confirmar se as conclusões do estudo americano poderão ou não ser transpostas para a nossa realidade", sublinha.

"A existir algum fosso entre os preços praticados nos produtos especialmente adquiridos por mulheres e os preços dos produtos especialmente adquiridos por homens, tal prática consubstanciar-se-á numa discriminação. A Constituição da República Portuguesa determina expressamente que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão do respetivo sexo. Se for verdade, não podemos deixar de condenar tais práticas exclusivamente orientadas para o lucro", salienta a especialista.

Apesar de não haver análise extensa sobre o assunto, a ativista Carolina Pereira, que também fundou o projeto "Human", não tem dúvidas de que a prática existe em Portugal e que não se evidencia só em cosméticos e em produtos de beleza, mas também "em produtos utilitários como roupa". 

"Um pólo, que podia ser unissexo, tem preços diferentes para homem ou para mulher, umas calças de rapariga e uma calças de rapaz têm preços diferentes e isso nota-se em todas as lojas", sublinha a ativista. 

Diferenças que podem ter um impacto significativo, sobretudo se tivermos em conta que, em Portugal, apesar de haver uma grande taxa de participação de mulheres no mercado de trabalho, esta elevada participação feminina esconde um cenário de salários baixos e de vínculos laborais precários. De acordo com dados da Pordata, as mulheres ganham, em média, menos 219 euros do que os homens.

Educar os consumidores e as empresas

Embora considere que, por cá, a taxa rosa não é tão evidente como nos países anglo-saxónicos, Daniel Sá reconhece que "o que acontece em Portugal é o que acontece também na Europa e nos Estados Unidos porque Portugal vai seguindo este jogo da lei da oferta e da procura".

O diretor do IPAM coloca outra ideia em destaque: "O que o cliente está disposto a pagar por determinado bem ou serviço vai também variando consoante o contexto". "Quando tivemos a crise de 2008, recordo-me de um estudo feito por uma cadeia de hipermercados que indicava que o produto que mais tinha crescido nessa fase de crise tinha sido o batom para mulher. Qual é a explicação para isto numa altura em que estávamos todos em fase de poupança? Numa situação de crise, a mulher pensava: 'há uma coisa que não quero deixar de fazer que é deixar de me sentir bonita'".

Carolina Pereira defende "uma abordagem que permita educar o público e as empresas", no sentido de eliminação da taxa rosa. Mas o caminho também pode passar por um papel ativo dos consumidores, com a apresentação de uma queixa ou reclamação junto das marcas e dos estabelecimentos.

"Os clientes podem queixar-se diretamente às marcas e às lojas, podem deixar reviews e a Internet é uma ferramenta super poderosa porque as empresas são praticamente obrigadas a responder", conclui.

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