TAP tem um novo problema. Empresa pode ter violado obrigações junto do Tribunal de Contas e arrisca penalização financeira

1 mar 2023, 13:17
Christine Ourmières-Widener. Foto: Lusa

A TAP está obrigada a pedir visto prévio do Tribunal de Contas para contratos superiores a cinco milhões de euros? A lei diz que sim, mas a prática não tem sido essa. Há uma diretiva europeia que parece proteger a companhia, mas há muitas dúvidas por esclarecer. Multas podem chegar aos 18 mil euros

O Tribunal de Contas não recebeu da TAP, desde 2020, quando a companhia voltou a ser uma empresa pública, qualquer pedido de visto prévio para contratos de valor superior a cinco milhões de euros, tal como previsto na lei. Uma responsabilidade que, segundo o próprio Tribunal, caberia à empresa e que, “salvo disposição em contrário”, pode levar à responsabilização financeira da companhia liderada por Christine Ourmières-Widener.

O imbróglio jurídico à volta desta história já parece existir há muitos anos, mas a questão voltou a colocar-se em cima da mesa em 2020, mais precisamente no dia em que o Governo liderado por António Costa recomprou a posição dos privados na companhia, voltando a TAP a ser uma empresa pública, sujeita às regras das empresas públicas.

No decreto-lei publicado a 16 de julho de 2020, o Estado fica autorizado a recomprar a posição dos acionistas privados por 55 milhões de euros. E para não prejudicar a gestão da empresa, decidiu que a novamente empresa pública não ficaria sujeita a algumas regras do regime jurídico do sector público empresarial. Em concreto, o Governo decidiu que não se aplicariam à TAP os artigos 27.º e 29.º, onde se definem os limites de endividamento das empresas públicas.

E terá sido aqui que começaram as dúvidas jurídicas, segundo as várias fontes contactadas pela CNN Portugal. Ao apenas isentar a TAP destes artigos, todos os restantes se aplicavam à companhia, nomeadamente o artigo 26.º, onde se prevê que “as empresas públicas estão submetidas à jurisdição e ao controlo exercido pelo Tribunal de Contas, nos termos da lei”.

E nos termos da lei, nomeadamente a lei de organização e processo do Tribunal de Contas, ficam sujeitas ao seu controlo “as empresas públicas, incluindo as entidades públicas empresariais”, cabendo ao Tribunal “fiscalizar previamente a legalidade e o cabimento orçamental dos atos e contratos de qualquer natureza que sejam geradores de despesa ou representativos de quaisquer encargos e responsabilidades, diretos ou indiretos” relativos a entidades como “as empresas públicas, incluindo as entidades públicas empresariais”. Excluem-se destas regras os contratos de valor inferior a cinco milhões de euros.

Ou seja, aparentemente, desde meados de 2020, os contratos de valor superior a cinco milhões de euros que a TAP pretendia realizar teriam de ter sido enviados ao Tribunal de Contas para obtenção de visto prévio de forma a verificar se todas as regras de contratação pública estavam a ser cumpridas.

Apesar de o assunto existir desde 2020, os sinais de alarme só soaram na companhia quando no final do ano passado se instalou a polémica sobre a indemnização recebida pela então administradora Alexandra Reis, tendo já levado à criação de uma comissão de inquérito na Assembleia da República. A CNN Portugal sabe, aliás, que o dossiê do “visto prévio do Tribunal de Contas” está em discussão ao mais alto nível dentro da TAP, estando a ser tratado pela presidente executiva da empresa.

Fonte oficial da empresa apenas disse à CNN Portugal que “a TAP está sempre disponível e empenhada em colaborar com todas as autoridades competentes”.

Já o Tribunal de Contas, também através de fonte oficial, lembra que, “nos termos da lei, os atos e contratos das empresas públicas com valor igual ou superior a 5 milhões de euros estão, salvo disposição em contrário, sujeitos à fiscalização prévia do Tribunal de Contas, para além da fiscalização concomitante e sucessiva”, adiantando que “não recebeu da TAP desde 2020 contratos para efeitos de fiscalização prévia” e que a submissão desses contratos “compete às entidades públicas, nos termos da lei, tendo em atenção o respetivo conteúdo e montante”.

Fonte próxima da administração executiva da empresa disse ainda à CNN Portugal que a empresa se encontra a trabalhar com o Tribunal de Contas para tentar arranjar uma solução para esta questão legal, até porque a submissão de pedidos de visto prévio ao Tribunal de Contas pela TAP, mesmo antes da privatização da empresa, nunca terá sido uma prática.

Fontes ligadas à companhia disseram ainda à CNN Portugal que a obrigação do visto prévio impediria a empresa de ter uma gestão normal uma vez que “os timings do visto prévio do Tribunal de Contas não se coadunam com os timings necessários para a gestão da empresa”.

A mesma fonte salienta ainda que a prática do passado, anterior à privatização, já era a de não enviar os contratos superiores a cinco milhões de euros. Uma posição que estará defendida pela Diretiva 2014/25/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais.

Certo é que a concluir-se que a TAP estava obrigada ao pedido de visto prévio do Tribunal de Contas, a empresa ficará sujeita a penalizações financeiras.

“A não submissão de tais contratos a fiscalização prévia é suscetível de gerar responsabilidade financeira”, salienta fonte oficial do Tribunal. As sanções em causa podem variar entre 2.500 euros e os 18 mil euros.

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