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Independentemente de Frederico Pinheiro, Galamba tem de ir

22 mai, 09:30

Além dos crimes de que é suspeito ‒ furto, roubo, agressão, espionagem ‒, há um pormenor na versão dos factos de Frederico Pinheiro que coloca em causa a sua defesa. Um pormenor, aliás, que integra o seu próprio relato. Um pormenor que, por mais estruturado, preparado e seráfico estivesse, contrariamente a João Galamba, não pode ser ignorado.

É que o ex-adjunto, seguindo as suas palavras, só esteve disponível para a verdade quando surgiu o risco de ser apanhado a mentir. Isto é: só se tornou apologista de revelar as notas que havia tirado durante a reunião com Christine Widener (ou só se lembrou que as tinha, consoante a versão) quando o seu nome surgiu num comunicado de imprensa do Ministério, provocando a possibilidade de ser chamado à Comissão Parlamentar de Inquérito.

Significativamente, este é um ponto assente entre os lados. Há uma mudança de atitude, de posicionamento face ao assunto, da parte do então adjunto. Pinheiro, mui eticamente, não estava disponível para mentir ou omitir a existência das suas notas à CPI, na medida em que incorreria num crime. Mas Pinheiro, já não tão eticamente, estava totalmente disponível para isso enquanto ninguém fizesse a menor ideia da sua existência ‒ naquela reunião ou no restante mundo.

Mantenho, por isso, alguma reserva em relação ao comportamento do cavaleiro em bicicleta contra o Leviatã socialista. Entre o romance provençal e o policial de espionagem, confesso preferir a realidade. E a realidade é que Pinheiro estava confortabilíssimo em ser um mentiroso anónimo até ao exato momento em que foi impelido a converter-se num mártir pela verdade.

O problema, pelo menos para o Partido Socialista, é que as metamorfoses morais de um ex-adjunto são absolutamente indiferentes para o futuro da sua situação política. Galamba não tem de ir embora por causa de Frederico Pinheiro. Nem sequer pela vontade, já ativamente ignorada, do sr. Presidente da República. Galamba tem de ir embora pela sua prestação antes, durante e depois desta crise política. A sua inépcia para o exercício de funções ministeriais é gritante, independentemente do que diz ou deixa de dizer o seu ex-adjunto.

Galamba, ministro responsável pela privatização mais marcante da legislatura, cujo custo ao erário público ascende aos 3,2 mil milhões de euros, não leu o plano de reestruturação que a TAP está a executar. Simplesmente, não leu. Repito: não leu. E repito novamente: não leu. Galamba é ministro há cinco meses e não perdeu duas horas com isso. Foi o próprio a admiti-lo, na audição desta quinta-feira, ao confessar não ter lido o documento na íntegra. E Frederico Pinheiro, que detinha maior proximidade ao dossier no Ministério, afirma mesmo que Galamba nunca lho pediu.

Quer isto dizer que, de forma absolutamente bizarra, os deputados da Comissão de Inquérito estão mais informados sobre a reestruturação da TAP do que o governante que a tutela.

Se isto, meus caros, não é incompetência, é o quê?

Mas Galamba não se fica pela incompetência, infelizmente para o próprio e para nós, que a financiamos. O sr. ministro veio também disparar um novo rol de insinuações na direção do já severamente acossado Pinheiro. Segundo Galamba, o adjunto do seu gabinete dirigia-se ao ministério das Infraestruturas a “horas impróprias” para “tirar fotocópias, muitas fotocópias”. Extraordinário, não há dúvida. O governo de Portugal não só confiou matérias altamente sensíveis a um indivíduo que pedalava por Lisboa com elas às costas como suspeitava da sua conduta e nada fez quanto isso.

É isto um ministro? A sério? Que inquérito interno abriu Galamba? Que denúncia às autoridades fez acerca do alegado espião? Com quem, que não membro do seu staff, partilhou tais receios? Carlos Pé-rê-rrá?

Galamba saudou o trabalho da sua chefe-de-gabinete, que terá classificado a documentação requisitada pela CPI junto do Gabinete Nacional de Segurança, a quem tal compete, mas veio também responder que não, Frederico Pinheiro, não estava credenciado junto do Gabinete Nacional de Segurança, a quem também tal compete, para aceder a documentos classificados. Ora, tudo isto se traduz numa contradição tão ou mais grave do que os hiatos cronológicos na fita do tempo de Galamba ou do que as suas convenientes faltas de memória.

O leitor repare: os documentos da TAP eram suficientemente secretos para estarem classificados, para o PS acusar deputados de “divulgarem informação confidencial” contra o interesse nacional e para se mover todo ‒ todo ‒ o aparato de segurança do Estado no encalço de um homem. Mas não suficientemente secretos para ter atestado junto das autoridades competentes a idoneidade desse homem, que os manuseava regularmente, credenciando-o. Como?, perguntar-me-á o meu caro leitor. Com Galamba, é a resposta.

Há uma inquestionável soma de negligências perpetradas por João Galamba, totalmente independentes do que Frederico Pinheiro reclama ser a sua verdade. São estas. Galamba pode ter toda a razão sobre aquela fatídica noite no Ministério das Infraestruturas e até sobre a natureza do seu colaborador, que nada disso apaga a sequência de erros, omissões, displicências, incongruências e indignidades cuja responsabilidade ‒ como o Presidente da República já deixou firmado ‒ é inevitavelmente sua.

Um governo decente suplicaria ser aliviado deste peso morto.

Uma democracia funcional já o teria feito há muito.

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