Privatização da TAP por Passos Coelho tinha “flagrante auxílio de Estado” (e houve uma “reunião muito má” com Neeleman e Pedrosa para revertê-la)

9 mai 2023, 16:59
Diogo Lacerda Machado (André Kosters/Lusa)

Trata-se de declarações no Parlamento de Diogo Lacerda Machado, conhecido como amigo do primeiro-ministro, António Costa

Diogo Lacerda Machado, antigo administrador da TAP escolhido pelo Governo de António Costa, defendeu que a privatização da TAP em 2015 foi feita por um “governo efémero, despojado da mais elementar legitimidade política”, liderado por Pedro Passos Coelho. E avisou que havia na operação um “flagrante auxílio de Estado”.

Numa audição da comissão de Economia, Lacerda Machado expressou uma “enorme perplexidade perante a carta-conforto da Parpública” aos bancos credores da TAP no sentido de aceitarem a privatização. Para Lacerda Machado, esta comunicação deixava ao Estado a obrigação de cobrir os riscos dos novos donos da TAP, que ficaria “vinculado a responder pelo passivo” da Atlantic Gateway de David Neeleman e Humberto Pedrosa.

O advogado lembrou mesmo as palavras de Pedro Passos Coelho quando o próprio Lacerda Machado assumiu o cargo de administrador na TAP: “A medida da minha vergonha, comparada com essa outra vergonha de quem fez aquilo, é de para aí 990 milhões de euros. É essa a distância”. Ou seja, a distância entre os 10 milhões de euros pelos quais a TAP foi vendida em 2015 e o valor com que está agora avaliada.

Ainda assim, no decorrer da audição, Lacerda Machado viria a admitir a necessidade de privatizar a TAP nessa altura, face à "agonia profunda" na tesouraria da empresa. “Fernando Pinto vivia em desespero.”

“Reunião muito má”

Diogo Lacerda Machado lembrou que, no momento da sua saída da TAP, em março de 2021 – “renúncia irrevogável, incondicional e sem direito a qualquer indemnização ou compensação pecuniária” –, voltou a defender a intenção do Governo socialista de reverter os contornos da privatização da TAP, lembrando que foi essa opção que permitiu a “salvaguarda do interesse público”, o “efetivo controlo estratégico sobre a TAP” e uma “gestão profissional, voltada para o mercado”.

Lacerda Machado lembrou que foi o ex-ministro das Infraestruturas Pedro Marques quem deu o pontapé de saída para esse processo que devolvia ao Estado o controlo da TAP. A primeira reunião aconteceu em dezembro de 2015.

“Do outro lado da mesa estava Humberto Pedrosa, David Neeleman e o advogado Diogo Perestrello. A reunião foi muito má. Acabou da pior maneira possível, em aparente impossibilidade de se abrir o processo de diálogo que foi sugerido na altura. A partir daí foi o ministro Pedro Marques que me pediu que, com Diogo Perestrello como interlocutor, procurasse trazer a Atlantic Gateway para a mesa.”

Lacerda Machado foi, à altura, o consultor escolhido pelo Estado para renegociar com os privados esta alteração de posição acionista na TAP.

Impacto da pandemia

O desejo, agora, é que a TAP ultrapasse a “duríssima prova por que está a passar, talvez a maior de todas, que é consequência exclusiva da tragédia sanitária”.

Lacerda Machado confirmou que tanto os acionistas privados como o Estado foram chamados a capitalizar a empresa devido ao impacto da covid-19.

“A resposta dos acionistas privados foi ‘nós podemos ajudar’. E fizeram por isso nas semanas seguintes, tentando encontrar soluções de financiamento que pudessem permitir apenas ter garantia de Estado e não necessariamente desembolso.”

O antigo administrador lembrou que a TAP foi “a última companhia da Europa” a receber dinheiro do Estado para lidar com a pandemia: “O dinheiro entrou em julho, deixámos de receber em março. A TAP tinha a maior tesouraria de todas, mais que a Lufthansa”.

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