Miguel Frasquilho diz que donos privados não quiseram pôr dinheiro para salvar a TAP. Estado teve de responder a “emergência”

4 mai 2023, 19:26
Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP (LUSA)

Antigo “chairman” da TAP reconheceu que resgate público na TAP não foi a primeira opção. Já o plano de reestruturação, admitiu, foi “duríssimo mas inevitável”. Frasquilho nega ainda qualquer ingerência do Estado na empresa enquanto lá esteve. Já Bruxelas exigiu que os apoios fossem dados ao grupo, não apenas à companhia aérea.

Miguel Frasquilho, ex-presidente do conselho de administração do grupo TAP entre 2017 e 2021 por escolha do Estado, revelou que os acionistas privados da companhia aérea não quiseram colocar mais dinheiro na companhia aérea. E que, por isso, “não havia outra alternativa” que não fosse a intervenção do Estado.

“A nossa primeira opção foi recorrer ao auxílio dos acionistas privados. Infelizmente, quando confrontados com a necessidade premente de entrada de recursos que permitissem viabilizar a continuidade da TAP, a resposta dos acionistas privados foi negativa”, afirmou esta quinta-feira na comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, sobre a Atlantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa.

Aí, e perante a impossibilidade de “aumentar o endividamento”, já que a TAP “estava em falência técnica no final de 2021”, a solução virou-se para o acionista público.

“Se o objetivo era salvar a TAP, não havia outra alternativa. Só uma intervenção como a que ocorreu teria permitido à TAP ultrapassar esse cabo das tormentas que foram os anos de pandemia”, argumentou o antigo “chairman”. A decisão, garantiu, foi tomada “sem qualquer opção ideológica”. “Tratou-se de uma emergência”, resumiu.

Miguel Frasquilho admitiu que o plano de reestruturação foi “duríssimo mas inevitável”, sendo a prioridade “salvar a TAP e o maior número possível de postos de trabalho”.

Frasquilho negou também que tenha existido um “algoritmo” para decidir as saídas da TAP. “Pessoas da mesma família nunca foram ambas embora. Não houve nenhum algoritmo automático”, exemplificou.

Com a audição a avançar, Frasquilho diria que “a alternativa ao plano de reestruturação era fechar a TAP”. O antigo “chairman” lembrou as estimativas internas, de junho de 2020, que davam conta da necessidade de uma injeção de dois mil milhões de euros na TAP. Contudo, a decisão de salvar a TAP tinha uma “taxa de retorno três vezes superior” ao dos apoios, vincou.

Miguel Frasquilho abordou ainda o processo de privatização da TAP, onde não exclui uma presença minoritária do Estado: “Faço votos que a privatização seja bem sucedida. Que o melhor ‘player’ do setor possa ser o vencedor da privatização”.

“Havia objetivos para a massa salarial”

Questionado sobre a posição traçada pelos sindicatos, de que um corte de custos na TAP não implicaria necessariamente cortes nos salários dos trabalhadores, Miguel Frasquilho lembrou que nem ele nem “ninguém da TAP” esteve envolvido nas negociações do plano de reestruturação com Bruxelas.

“A Comissão Europeia não negoceia com a entidade beneficiária do apoio, negoceia com o Estado”, justificou, explicando que esteve presente apenas em reuniões técnicas.

“Nunca a comissão europeia nos disse nada sobre cortes de salários, é verdade, mas havia objetivos para a massa salarial”, acrescentou. Sem estes cortes, sublinhou, haveria três mil postos de trabalho que teriam de ser eliminados.

Segundo Frasquilho, o Governo, “num primeiro momento”, insistiu que os auxílios relativos à pandemia de covid-19 fossem dados à companhia aérea, a TAP, SA. Contudo, Bruxelas terá insistido que o apoio, na ordem dos 490 milhões de euros, devia ser ao grupo, a TAP, SGPS.

O antigo presidente do conselho de administração da TAP reconheceu que os pressupostos em que assentou o plano de reestruturação eram “piores” do que a realidade veio a confirmar. E congratulou-se que, neste momento, a transportadora esteja já a contratar, tal como estava previsto no documento.

(Lusa)

Sem interferência do Estado, mas com proximidade reforçada

Miguel Frasquilho garantiu que, enquanto foi “chairman”, nunca se sentiu condicionado pelo Governo. Com a ressalva de que, com a pandemia, “estávamos mais próximos do acionista Estado”, nomeadamente com o Ministério das Infraestruturas e o Ministério das Finanças.

O deputado do Chega Filipe Melo tentou perceber as diferenças entre Frasquilho e o seu sucessor, Manuel Beja, que os sindicatos acusam de estar pouco na empresa e de não ter tido disponibilidade para falar com os trabalhadores.

“O presidente do conselho de administração deve ter uma postura abrangente de contacto”, “sempre aberto aos trabalhadores”, respondeu Frasquilho, ajudando a comprovar a diferença.

Frasquilho confessou que chegou a ser sondado por Pedro Nuno Santos sobre a disponibilidade para continuar. “Manifestei que sim, mas foi uma abordagem informal”, contou. Todavia, o Governo seguiu noutro sentido, para “um novo ciclo”.

Numa fase final da audição, Frasquilho havia de realçar que “nunca” teve qualquer “limitação” no contacto com o Ministério das Finanças ou com o Ministério das Infraestruturas. Reconheceu, contudo, que nunca se reuniu com João Leão, estando o canal de comunicação aberto com o secretário de Estado do Tesouro Miguel Cruz.

Problemas difíceis de resolver no Brasil

Uma das dores de cabeça para as contas da TAP era o negócio da manutenção no Brasil. Frasquilho revelou aos deputados que a TAP tentou vender a manutenção do Rio de Janeiro, não tendo encontrado comprovador.

O processo de alienação, concretizou, arrancou em 2019, com a venda da oficina de Porto Alegre. E essa estratégia de vender a operação no Brasil até ganhou força com a pandemia, inclusive com o plano de reestruturação.

“Estava decidido que a TAP ia deixar de fazer manutenção no Brasil. Era uma forma de internalizar mais trabalho em Portugal. Iniciámos contactos que permitissem a venda ou liquidação do que restava da operação Brasil”, garantiu Miguel Frasquilho.

Foi inclusive analisado “como e quanto custava fechar a TAP Brasil”, que teve um custo na ordem dos 900 milhões de euros até 2019.

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