Inspeção não ouviu presencialmente a CEO da TAP “por uma questão de língua” (e ela acabou demitida). E o administrador financeiro não sabia da indemnização de €500.000 a Alexandra Reis

29 mar 2023, 20:49
António Manuel Ferreira dos Santos (Lusa)

Arrancou a comissão parlamentar de inquérito à TAP. Inspetor-geral das Finanças foi o primeiro ouvido. Para explicar o relatório da instituição sobre a indemnização a Alexandra Reis. E quem sabia o quê

O líder da Inspeção-Geral de Finanças (IGF) reconheceu que a presidente executiva da TAP em funções, Christine Ourmières-Widener, não foi ouvida presencialmente por aquela entidade “por uma questão de língua”. A CEO já foi demitida pelo Governo (que alega justa causa), continua em funções e já admitiu recorrer aos tribunais - uma das razões para isso é precisamente não ter sido ouvida pela inspeção.

No Parlamento, no arranque da comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, António Manuel Ferreira dos Santos explicou que, dado o caráter técnico dos temas que queria esclarecer, a IGF enviou um conjunto de questões escritas em Português à CEO da TAP.

O facto de não ter sido ouvida presencialmente pela IGF está a ser usado pela gestora francesa para contestar o ofício da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) com o seu projeto de demissão. Ainda assim, o inspetor-geral de Finanças, que obteve conhecimento desta posição pela imprensa, insistiu que a entidade sempre esteve “disponível” para ouvir Christine Ourmières-Widener se essa tivesse sido a sua vontade.

Para preparar o relatório sobre a polémica indemnização paga pela TAP a Alexandra Reis, a IGF ouviu a audição no Parlamento da CEO, aproveitando “aquilo que achámos conveniente” e juntando depois os esclarecimentos escritos, explicou António Manuel Ferreira dos Santos aos deputados.

Confrontado pelos parlamentares, que lembraram o uso de tradutor na Assembleia da República, o porta-voz da IGF reconheceu que podia ter sido seguida a mesma solução. “No fundo, havia questões específicas a que queríamos ter resposta por escrito. Não foi tanto a língua”, concretizou depois.

500.000 negociados "à margem do conselho de administração"

Neste arranque de comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, o inspetor-geral de Finanças veio também desresponsabilizar o administrador financeiro da companhia aérea, Gonçalo Pires, do processo relativo à indemnização de meio milhão de euros a Alexandra Reis. “Toda a negociação terá ocorrido à margem do conselho de administração e da comissão executiva”, concretizou. Segundo António Manuel Ferreira dos Santos, o “processo de tomada de decisão e pagamento” foi conduzido por Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja.

Já sobre o ex-ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos e o ex-secretário de Estado das Infraestruturas Hugo Santos Mendes, assegurou que foram os únicos membros do Governo a par da indemnização, com “inegável intervenção no processo”, embora “revestida de elevado grau de informalidade”. Ambos, concretizou, terão confiado no “pressuposto da respetiva validade legal” assegurada pela CEO.

“Pelo que pudemos apurar, mais nenhum membro do Governo teve envolvimento ou conhecimento prévio do Governo”, acrescentou. Ou seja, é tirada responsabilidade ao antigo ministro das Finanças, João Leão, e da sua secretaria de Estado do Tesouro.

Confrontado sobre Medina, que assumiu funções já depois de decidida a indemnização, o líder da IGF também descartou responsabilidades.

Administrador financeiro sem conhecimento

Apesar da retirada de responsabilidades ao administrador financeiro, Gonçalo Pires - que vai ouvido pela comissão parlamentar de inquérito esta quinta-feira -, os deputados não ficaram satisfeitos com o cenário.

O PSD, através de Hugo Carneiro, exigiu que fosse lida a ata sobre a audição deste responsável, uma vez que ela não fazia parte da documentação enviada aos deputados. Embora escolhido pelo Estado, que é o acionista maioritário, António Manuel Ferreira dos Santos explicou que Gonçalo Pires não estava obrigado, na prática, a reportar à tutela.

Hugo Carneiro havia de insistir que Gonçalo Pires, apesar de não ter acesso ao processo de indemnização, tinha acesso aos registos da massa salarial, podendo identificar o diferencial acentuado.

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