“Estes dois ministros arruinaram a minha reputação”. Cheia de revelações de pressões políticas à TAP, esta foi a audição de Christine Ourmières-Widener em sete pontos-chave

4 abr 2023, 23:19
A presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP (Lusa/António Cotrim)

Christine Ourmières-Widener disse, por várias vezes, sentir-se um “bode expiatório numa batalha política” e “desrespeitada” pela forma como acabou afastada da TAP. Porque ela, argumentou, sempre colocou todas as partes ao corrente do processo de saída de Alexandra Reis. A decisão final, incluindo o valor, insistiu, calhou ao próprio Governo que a demitiu publicamente, em conferência de imprensa, sem tê-la informado. Isto depois de Medina ter tentado que fosse ela a deixar o lugar.

1.Governo sempre soube da indemnização a Alexandra Reis. E até fixou o valor

Christine Ourmières-Widener garante que o ministério das Infraestruturas, em particular o secretário de Estado Hugo Santos Mendes, sempre esteve a par de todo o processo de reestruturação do conselho de administração e da saída de Alexandra Reis. O primeiro passo foi numa reunião de 4 de janeiro, onde foi comunicado o “desalinhamento” de Alexandra Reis, com luz verde de Pedro Nuno Santos para as mudanças. Foi esta tutela que, segundo a gestora, começou por considerar os valores iniciais “muito altos”, a dar indicação para seguir as negociações e aprovar o valor final, de 500 mil euros. A gestora foi então informada, por Hugo Santos Mendes, que Pedro Nuno Santos aprovou o pagamento e que podia “fechar” o processo. Deste modo, a francesa insistiu que a decisão final não é dela. “Não me parece que se possa dizer que eu tomei a decisão. Eu coordenei o processo. Sou a CEO, mas não sou portuguesa, contratei advogados. Mas não tomei a decisão”. A Inspeção-Geral de Finanças havia de considerar que a indemnização não era válida, obrigando à devolução do valor por Alexandra Reis e ditando a demissão da francesa.

 

2.Saída de Alexandra Reis “não foi pessoal”. Ela só não tinha o “perfil” para segurar as mudanças

Para cumprir os objetivos que se desenhavam para a nova fase da TAP, apontou Christine Ourmières-Widener, Alexandra Reis “não tinha o perfil necessário”. “É verdade que a engenheira Reis não estava ajustada com a comissão executiva”, disse. Nessa reunião, a 4 de janeiro, informou à tutela das Infraestruturas dessa intenção. “Não havia nada de pessoal nesta decisão. Já faço isto há mais de 30 anos”, argumentou, lembrando que “foi uma coisa muito profissional, mas que gerou tensão” na equipa executiva. Christine Ourmières-Widener referiu que o valor a pagar de indemnização seria muito superior se não tivesse existido negociação, próximo da primeira proposta de Alexandra Reis, de “1,5 milhões de euros, mais as férias”. Mas Alexandra Reis demitiu-se ou foi demitida? Para a francesa é claro: foi atingido um acordo, que ditou a renúncia. Por isso, insistiu, não a TAP "não mentiu" à CMVM, o regulador dos mercados.

(Lusa/António Cotrim)

3. Houve muitas pressões políticas a “dificultar” o trabalho. E uma reunião onde Medina pediu à CEO que se demitisse. Ela não cedeu e acabou a saber pelas televisões

Houve críticas, muitas críticas, à ação de Fernando Medina e de João Galamba. No dia antes de ser despedida publicamente, numa conferência de imprensa com os dois ministros, Christine Ourmières-Widener teve uma reunião com o ministro das Finanças, com quem “tinha uma boa relação”.

Foi nesse encontro que Medina a convidou a apresentar a demissão: “Para mim foi uma reunião muito difícil, porque o tom da reunião era bastante triste. Diziam-me que os resultados eram fenomenais e que tinha feito um trabalho fantástico, que era a pessoa certa para o cargo, que o processo tinha sido conduzido de boa-fé pela minha parte. Mas que, tendo em conta toda a pressão de várias partes, não havia outra opção para o Governo que não passasse por travar o avanço do meu mandato. Ainda é muito doloroso para mim. Pediram que me demitisse”. Medina, disse, explicou-lhe que era “a única via devido à pressão política”.

Mas ela, considerando que não tinha feito “nada errado”, não cedeu. Até porque Medina não lhe revelou que a afastaria se ela não avançasse nesse sentido, contou. No dia seguinte, haveria de descobrir pelas televisões, durante a conferência de imprensa, que tinha sido despedida por justa causa. “Foi o pior dia da minha vida”, classificou.

E deixou a garantia: “Estes dois ministros, ao despedir-me por justa causa, arruinaram a minha reputação. E eu tenho de limpar a minha honra. E fá-lo-ei”.

Houve, explicou depois, uma outra reunião breve, de cerca de 10 minutos, com João Galamba, na manhã da conferência de imprensa dos dois ministros. E foi com esta sensação que saiu do encontro com o ministro das Infraestruturas: "Eu sabia que ia ser despedida, mas não por justa causa". E foi ao saber que foi por "justa causa" que se instalou o "choque" da CEO, justificou.

Christine Ourmières-Widener considerou, várias vezes, que é um “bode expiatório numa batalha política”. E confessou as sucessivas pressões políticas, que interferiram na gestão da empresa e na aplicação do plano de reestruturação.

“Não estava ciente da pressão política quando cheguei à empresa. E não permitia que nos concentrássemos no negócio. Não foi fácil navegar com tanto burburinho à volta da empresa. Foi muito doloroso. Foi muito difícil. E continua a ser”, afirmou.

“O processo do meu despedimento foi ilegal. Aquilo que foi feito não seguiu a lei. E não me parece que tenha sido respeitada. Sinto-me desrespeitada pelo que fiz nesta empresa”, argumentou. Um mês depois dessa decisão, continua em funções, sem indicações da tutela.

Já sobre a existência de pressão política para que não fosse ela a apresentar os resultados positivos da TAP, alcançados antes do prazo previsto, concordou que também foi esse o caso: “Não sou fluente em português. Mas esse foi o meu entendimento”. Recorde-se que o administrador financeiro admitiu ter sido ele a sugerir à tutela uma apresentação discreta.

 

4. Uma reunião nas Infraestruturas na véspera de ir ao Parlamento em janeiro (e o desconforto que essa descoberta gerou)

Christine Ourmières-Widener já tinha ido ao Parlamento a 18 de janeiro para dar explicações sobre a saída de Alexandra Reis. Mas o que não se sabia é que, na véspera, tinha tido uma outra reunião com vários socialistas, num encontro que diz ter sido iniciativa do ministério das Infraestruturas.

Instalou-se então o desconforto entre os deputados, com a suspeita de que a reunião teria servido para combinar os argumentos para a audição parlamentar – um cenário que a gestora descartou, explicando que foi dar conta da realidade da empresa.

O que se havia de descobrir, posteriormente, é que nessa reunião esteve aquele que é o coordenador do PS na comissão parlamentar de inquérito, o deputado Carlos Pereira. “Reconheço uma pessoa na mesa: Carlos Pereira”, indicou. PSD e Chega ainda tentaram impedir que a intervenção do socialista, que se seguiria, não tivesse lugar. Sem sucesso.

(Lusa/António Cotrim)

5. Versões contraditórias: administrador financeiro sabia da reestruturação e do acordo de Alexandra Reis

Por várias vezes, Christine Ourmières-Widener reforçou na comissão de inquérito um cenário que tornou público na sua contestação ao despedimento: o de que Gonçalo Pires, administrador financeiro da TAP, sabia da saída de Alexandra Reis desde o início. O CFO tinha garantido aos deputados que nunca esteve envolvido nas negociações, desconhecendo os contornos e valores do acordo. E que só tinha sabido de que a saída de Alexandra Reis se efetivaria, de forma informal, num encontro breve com a CEO poucos dias antes do anúncio. Embora ressalvando que ele poderia não estar a par do valor, a francesa conta outra versão: “Ele estava ciente do projeto para a nova organização”. Além de Gonçalo Pires, também Manuel beja e o ministério das Finanças estavam a par, reforçou.

 

6. O voo de Marcelo que Marcelo não pediu para alterar: mas que o Governo queria mudar

Christine Ourmières-Widener acabou confrontada sobre um pedido de alteração de voo ligado a Marcelo Rebelo de Sousa, que haveria de evidenciar, uma vez mais as pressões políticas sobre a TAP.

E esta é a história: a 10 de fevereiro foi questionada internamente sobre um pedido para alteração de um voo onde viria Marcelo Rebelo de Sousa, de Maputo. A CEO pediu então a opinião ao secretário de Estado das Infraestruturas, informando que a sua posição era de que não devia alterar o voo.

Na resposta, o governante defendeu que não se podia deixar Marcelo a “colocar o resto do país contra nós”. "É o nosso maior aliado, mas pode tornar-se no nosso maior pesadelo", juntou na resposta à CEO da TAP.

“Confirmei se era um pedido da Presidência ou se era alguém que pedia sem assegurar que vinha diretamente da Presidência. Verifiquei não era um pedido diretamente da Presidência, mas alguém no processo que pensou que teria sido uma boa ideia alterar a data. Não houve uma alteração da data. O Presidente encontrou outra solução”, explicou.

Caso contrário, cerca de 200 pessoas teriam sido penalizadas.

(Lusa/António Cotrim)

7. O “irrelevante” potencial negócio entre a TAP e o marido

Apesar de Christine Ourmières-Widener argumentar que a saída de Alexandra Reis não foi uma questão “pessoal”, o Chega tentou desconstruir esta tese. O deputado Filipe Melo começou por questionar a CEO sobre artigos do estatuto de gestor público ligados aos temas das incompatibilidades e responsabilidades.

E depois soltou a revelação: a Zamma Tecnhonologies, a empresa onde trabalha o marido de Christine, procurou fechar um negócio com a TAP. A ainda presidente executiva respondeu de imediato: “Essa empresa não tem nada a ver comigo”.

A empresa do marido de Christine fez uma apresentação em dezembro de 2021. E, segundo a versão apurada pelo Chega, Alexandra Reis “declinou” a assinatura de um potencial contrato – consolidando a versão de que a administradora teria sido afastada por incompatibilidades pessoais, ao bloquear negócios de familiares.

Para Christine, esse negócio é “irrelevante”, até porque nunca chegou a concretizar-se. “Essa solução não foi contratada. Não era do mandato de divisão de compras, mas das operações. Não percebo bem qual a vantagem de estar a falar disso agora, qual o objetivo. Já expliquei porque esse processo teve início”, argumentou.

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