Demissões esvaziaram a comissão de inquérito? Pelo contrário: “a TAP tem mais buracos do que queijo”

17 mar 2023, 22:00
TAP (imagem Getty)

Partidos admitem ir ainda mais atrás na fita do tempo, para perceber como Neeleman financiou a privatização da TAP e o envolvimento do Governo. Mas isso implica arrastar os trabalhos. A expectativa é de que as audições só estejam concluídas no início do verão

Já lá vão cinco demissões: um ministro, dois secretários de Estado, uma presidente executiva e um presidente do conselho de administração. Antes das conclusões do relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), os deputados queriam ouvir as partes interessadas na TAP. Mas, com os desenvolvimentos da polémica indemnização a Alexandra Reis, a comissão parlamentar de inquérito (CPI) à TAP não ficou esvaziada?

“Pelo contrário”, respondem os partidos. Mas há uma exceção, o PS, que admite que há “uma diminuição da importância” da CPI perante as “consequências” (ou seja, as demissões) que foram, entretanto, decididas.

E porque interessa tanto escrutinar a TAP no Parlamento? Porque, segundo os deputados ainda há muito (mas muito) para saber. “A TAP é como um queijo, mas daqueles em que há mais buracos do que queijo”, compara Paulo Rios de Oliveira, do PSD.  

Os partidos insistem que o objeto da comissão vai além da polémica indemnização de 500 mil euros pagos a Alexandra Reis, ex-administradora da transportadora e ex-secretária de Estado do Tesouro, que acabou obrigada a ter de devolver quase todo o valor.
Há pistas levantadas pelo relatório da IGF que os partidos querem seguir e ver aprofundadas. “A comissão não ficou esvaziada. Basta ver que a CEO da TAP vai agir judicialmente, por considerar que tem razão. Temos de perceber o que estará por detrás desse despedimento tão repentino. E, sendo a TAP uma empresa pública, nada podia ter sido feito sem o aval de dois ministérios. Há ainda a questão das sociedade de advogados que assessorou a TAP e prestou falsas informações à CMVM [regulador dos mercados]”, traça Filipe Melo, deputado do Chega.

Mas o que há para entender na TAP não começa nem termina em Alexandra Reis. Daí que a Iniciativa Liberal queira colocar o foco nas decisões sobre as injeções de capital na empresa, nomeadamente “as análises custo-benefício e os cenários que existiam em cima da mesa”. “A TAP são 6400 casos Alexandra Reis”, compara Bernardo Blanco, numa referência à injeção estatal de 3.200 milhões de euros na empresa.

Uma comissão sobre a TAP “com o mínimo ruído”

Foi do Bloco de Esquerda que partiu a iniciativa para esta comissão parlamentar de inquérito sobre a TAP, focada na forma como o Estado tutelou a gestão da empresa entre 2020 e 2022.

No início da semana, Mariana Mortágua insistia que, na sequência da demissão de Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja pelo Governo, há “toda uma cadeia de informação que continua a não ser clara”: “o ministério das Finanças conhecia ou não conhecia o que se passou?” e que “outras decisões terá tomado [Christine Ourmières-Widener] com leviandade?”.

Fernando Medina, que já foi ao Parlamento prestar explicações sobre o caso Alexandra Reis, afastando culpas pessoais neste dossiê, terá de voltar a esclarecer os deputados. O PS irá liderar a CPI, embora para o partido, na voz do deputado Carlos Pereira, tenha havido uma “diminuição da sua importância” com os desenvolvimentos do caso Alexandra Reis, que define como “uma matéria que nos deixou chocados”. Os trabalhos vão decorrer, sim, mas para os socialistas é prioritário garantir “o mínimo de ruído em torno da TAP” – ou não houvesse um processo de privatização da empresa a ser preparado.

Voltar atrás no tempo é voltar a Neeleman

O período de análise da CPI à TAP foi fixado entre 2020 e 2022. Mas já todos os partidos admitem que será necessário voltar atrás no tempo. E a um momento muito particular no processo de privatização em 2015: o alegado esquema encontrado pelo anterior acionista, David Neeleman, para financiar o negócio.

Isto porque os 226,75 milhões de dólares em prestações suplementares que o empresário colocou na TAP, garantindo a privatização, vieram diretamente da Airbus. Em troca, Neeleman fechava um negócio de ‘leasing’ de 53 aviões à Airbus – um negócio que terá posto a companhia aérea a pagar a sua própria capitalização, violando o Código das Sociedades Comerciais, estando a pagar aviões acima do valor de mercado.

A bloquista Mortágua já definiu este negócio como uma “fraude” e insiste agora que é necessário apurar “se o Governo sabia disso” – à altura, o executivo era liderado por Pedro Passos Coelho. Neeleman veio entretanto vincar, através do Expresso, que o Estado português tinha conhecimento desses meandros, tanto com Passos Coelho como com António Costa.

“Mesmo que se queira falar com mais enfoque nas nomeações da TAP, na questão de Alexandra Reis, nos contratos e nos pagamentos, não podemos ignorar que estas pessoas entraram na TAP pela mão da gestão privada”, insiste Bruno Dias, do PCP, partido que sempre insistiu na necessidade de uma análise que tivesse em conta também o processo de privatização da empresa.

Trabalho até ao verão

Mas voltar atrás no tempo, alargando o âmbito da CPI, implica que os trabalhos se arrastem durante mais tempo. O historial mostra que o prazo regulamentar de 90 dias é constantemente ultrapassado. E os deputados, embora quisessem ter o assunto fechado em maio, admitem que ele poderá arrastar-se mais tempo, até ao fecho do ano parlamentar, no início do verão.

“Tem de haver e vai haver margem para lá ir [ao momento da privatização]. É inevitável. Ou a Assembleia da República fica colocada numa posição ridícula de ter uma comissão de inquérito, com poderes investigatórios, a discutir pagamentos de 500 mil euros. E está depois a comissão de Economia, sem esses poderes, a discutir os pagamentos de 800 milhões da Airbus”, lembra Bruno Dias.

Isto porque, em simultâneo, há outras figuras relacionadas o processo de privatização da TAP (anterior ao período de análise da CPI) que estão a ser chamadas para clarificar dúvidas que existem sobre as decisões então tomadas.

Do Chega vem ainda o receio de que o debate se foque muito num atirar de culpas entre PS e PSD. “A bancada socialista vai tentar atirar responsabilidades da privatização para o PSD. E o PSD vai atirar culpas à nacionalização”, diz Filipe Melo.

Por agora, os deputados estão já na posse da maior parte da documentação pedida à TAP, começando a análise necessária para a preparação dos trabalhos.

Relacionados

Economia

Mais Economia

Patrocinados