A notícia era mesmo "falsa"? Documentos sigilosos do Governo sobre a TAP põem em causa versão de Medina em queixa contra jornal

CNN Portugal | Agência Lusa , MM
27 abr 2023, 19:42
António Costa e Fernando Medina (Lusa/Tiago Petinga)

Notícia incómoda sobre a TAP era titulada assim: "Medina ainda procura justa causa já depois de demitir CEO da TAP". Foi publicada no Jornal Económico. O Ministério apresentou queixa na ERC dizendo que a notícia era "falsa" mas novas informações agora reveladas mostram que o Governo procurou mesmo fundamentos jurídicos depois de demitir publicamente os ex-presidentes da TAP

Os documentos sigilosos que o Governo entregou ao Parlamento sobre os despedimentos da ex-CEO e do ex-chairman da TAP são todos posteriores ao dia em que Fernando Medina e João Galamba deram uma conferência de imprensa para anunciarem a saída de Christine Ourmiéres-Widener e Manuel Beja. O Governo despediu-os primeiro - alegadamente com justa causa - e de seguida andou à procura de fundamentos jurídicos. Algo que que o ministro das Finanças afirmou anteriormente ser "falso", tendo mesmo apresentado uma queixa na ERC contra o Jornal Económico.

Mas vamos por partes. O Bloco de Esquerda disse esta quinta-feira que o Governo recorreu aos serviços jurídicos do Estado um dia depois de ter anunciado as demissões dos presidentes da TAP. Em declarações aos jornalistas na Assembleia da República, a deputada do BE Mariana Mortágua referiu que, nos documentos enviados pelo Governo à comissão de inquérito à TAP, constam “várias trocas de emails e documentos” que mostram que o Governo recorreu ao gabinete de apoio jurídico do Estado para fundamentar a demissão da presidente executiva e do chairman da TAP. Mariana Mortágua considerou que recorrer aos serviços do Estado parece ser o “método correto”, mas ressalvou que tem “apenas um problema”: “Foi iniciado no dia a seguir à conferência de imprensa em que é demitida a CEO e o chairman”.

“Portanto, nada diz sobre a robustez da decisão jurídica, nada diz sobre a robustez da decisão que dá origem à demissão. A única coisa que fica clara é que esses procedimentos para escrever essa decisão, com o apoio do gabinete jurídico, são iniciados depois da conferência de imprensa”, sublinhou Mariana Mortágua. 

O PSD avançou com a mesma informação e reagiu com a mesma estupefacção. Em declarações aos jornalistas na Assembleia da República, o deputado Paulo Moniz manifestou o seu espanto por toda a documentação que o Parlamento recebeu ser “posterior ao dia do despedimento, dia 6 de março”.

“Ficámos completamente surpresos, estupefactos. Como se pode afirmar que existe respaldo e segurança jurídica num despedimento por justa causa indireto quando os pareceres e aquilo que existe e que nos foi enviado é em data posterior?”, questionou. O social-democrata considerou que se adensam “as fortes preocupações” que o PSD já tinha “de que o despedimento não estava e não estará respaldado juridicamente”.

“A documentação que pedimos que suporta, ou que suportaria, o despedimento por justa causa em direto pelas televisões deveria ser, como é óbvio, antes de isto acontecer”, apontou o deputado. “Toda a documentação que recebemos é com data posterior a este anúncio, nos dias seguintes, o que significa que a nossa dúvida começa a ter quase um grau de certeza quanto à existência de algo mais do que um relatório da Inspeção-Geral de Finanças, que, recorde-se, foi feito por um organismo que depende do ministro das Finanças, que teve a sua homologação e por conseguinte tem, do ponto de vista jurídico, uma força relativa”, acrescentou o social-democrata. O coordenador do grupo parlamentar do PSD na comissão parlamentar de inquérito à TAP manifestou também uma “preocupação profunda” pela “forma com o processo foi conduzido pelo ministro das Finanças”. Na sua opinião, pode tratar-se de uma “irresponsabilidade política total”.

Por sua vez, Mariana Mortágua quis sublinhar que, na sua ótica, o facto de a demissão ter sido anunciada antes de se recorrer aos serviços do Estado “não põe em causa a defesa jurídica nesse processo”. “Está lá a discussão jurídica, a participação de juristas especialistas na defesa da demissão que foi feita e eu acho que o interesse público também não é pôr em causa, sem termos elementos que o permitam, de forma leviana e apenas por barganha política, o interesse do Estado”, disse. Mas põe em causa uma queixa de Medina contra um jornal.

Governo apresentou queixa de notícia incómoda sobre a TAP, jornal reagiu assim: "Escrevemos a verdade, desmentimos preto no branco" Medina

O Ministério das Finanças apresentou este mês uma queixa na ERC contra o Jornal Económico sobre um artigo relativo à justa causa da demissão da CEO da TAP, tendo o diretor confirmado a notificação e garantido que as notícias do título "são verdadeiras". A queixa, de acordo com documentação a que a Lusa teve acesso, deu entrada na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a 10 de abril e é relativa ao artigo "Medina ainda procura justa causa já depois de demitir CEO [presidente executiva] da TAP", que foi publicado a 10 de março.

No documento, assinado pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, é apresentado "recurso por cumprimento deficiente da publicação de um direito de resposta e retificação e queixa por violação do dever de rigor informativo contra o Jornal Económico [JE]", detido pela Media9Par.

"Confirmo que fomos notificados. Vamos analisar com calma e apresentar a nossa oposição", disse o diretor do JE, Filipe Alves, à Lusa. "Posso dizer apenas que as notícias que escrevemos são verdadeiras, como de resto se veio a comprovar. E agora estamos a ser objeto de uma queixa na ERC não por escrever notícias falsas, mas sim por desmentir, preto no branco, o desmentido das Finanças. Diz muito sobre o estado da nossa democracia", concluiu.

A notícia em causa (de 10 de março) refere que "só depois de ter demitido a presidente executiva (CEO) e o 'chairman' (presidente do Conselho de Administração) da TAP é que o Ministério das Finanças chamou "advogados para ajudar a reforçar a justa causa". A 13 de março, em Bruxelas, o ministro das Finanças negou ter contactado escritórios de advogados já depois de ter anunciado a saída da CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, para sustentar juridicamente o despedimento por justa causa.

Três dias depois, o Ministério das Finanças requereu ao JE o exercício de direito de resposta e retificação relativamente ao conteúdo daquela notícia, o qual foi publicado na edição de 17 de março, na página 2, com a chamada de capa "Direito de Resposta e Retificação: Medina ainda procura justa causa já depois de demitir CEO da TAP".

No direito de resposta, o Ministério das Finanças diz que "é falso que o Governo estivesse à procura das razões que justificam a justa causa para as demissões do presidente do Conselho de Administração e da presidente executiva" da TAP "após o anúncio da decisão". Os factos revelados esta quinta-feira por Mariana Mortágua e Paulo Moniz mostram que o Governo procurou mesmo fundamentação jurídica já depois de anunciar o despedimento dos ex-presidentes da companhia aérea. O Governo desmente também que tenha "promovido várias reuniões com escritórios de advogados para identificar as razões que sustentam a decisão".

Certo é que esta quinta-feira ficou a saber-se que o Governo procurou mesmo apoio jurídico nos serviços do Estado já depois do anúncio dos despedimentos. Ou seja, os novos factos não batem certo com a queixa que Medina apresentou à ERC, na qual diz ser "falso" que tenha procurado razões para a justa causa "após o anúncio da decisão". Procurou mesmo, segundo o que o BE e o PSD anunciaram esta quinta-feira. E mais: dentro do Governo houve muito desacordo sobre as razões deste despedimento por justa causa, tal como se pode ler AQUI.

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