Gestores que escapam a impostos, um ex-presidente que recebe balúrdios e acionistas que pagam com "pêlo do próprio cão": eis a TAP em 5 pesadas penadas

3 set, 18:04
Avião da TAP no aeroporto de Lisboa (Horacio Villalobos/Corbis via Getty Images)

Auditoria da Inspeção-Geral de Finanças traça um retrato de opacidades sobre como foi conduzida a privatização da empresa, bem como sobre os benefícios e regalias que foram atribuídos a gestores da companhia aérea

1. TAP foi comprada usando dinheiro da própria companhia

A auditoria da IGF confirma um cenário múltiplas vezes abordado na comissão parlamentar de inquérito sobre a TAP: o contrato d compra da companhia foi cumprido usando dinheiro da própria companhia, através dos chamados Fundos Airbus.

David Neeleman, através da sociedade DGN, assinou um memorando com a Airbus em junho de 2015, ainda antes da privatização da TAP estar selada. A fabricante de aviões transferiria 226,75 milhões de dólares (o equivalente a 202,5 milhões de euros) para a DGN em troca da promessa de uma encomenda de 53 aeronaves.

No processo de compra da TAP, David Neeleman comprometera-se a capitalizar a empresa através de prestações suplementares. Num dos compromissos, o valor é o mesmo vindo da Airbus: 226,75 milhões de dólares.

Neeleman acabaria por passar o risco para a TAP. “Os dois contratos celebrados entre a Airbus (vendedor) e a DGN Corporation (comprador) foram transferidos para a TAP, SA”, descreve a IGF. Em resumo: a TAP “passou a ser o verdadeiro comprador das 53 aeronaves adquiridas inicialmente pela DGN”.

E, como comprador, assumia também um valor “em caso de incumprimento” durante a compra dos aviões: 226,75 milhões de dólares, que a IGF encara como uma “garantia” da Airbus pelo dinheiro que avançou. A decisão, que substituiu uma encomenda anterior da TAP à Airbus, já custou à companhia mais de mil milhões de euros, segundo a IGF, para evitar falhar com este compromisso.

“Esta operação complexa afigura-se suscetível de contornar a proibição imposta pelo nº1 do artigo 322º do Código das Sociedades Comerciais, o qual impede que uma sociedade conceda empréstimos ou forneça fundos a um terceiro para que este adquira ações do seu próprio capital”, justifica a auditoria.

2. Neeleman e Pedrosa receberam por contrato de consultoria para evitar impostos

A TAP assinou com o acionista privado, a Atlantic Gateway, um “contrato de prestação de serviços de planeamento, estratégia e apoio à reestruturação da dívida financeira” para pagar remunerações e prémios aos membros do conselho de administração entre 2016 a 2020. Algo que, segundo a IGF, terá contribuído para um escape aos impostos.

Segundo a IGF, apesar das “exaustivas diligências”, “não foram encontradas evidências do pagamento àqueles administradores das remunerações” estabelecidas pela comissão de vencimentos, “nem sequer registos contabilísticos ou recibos de vencimento”.

O referido contrato, assinado em 2016, no valor de 4,3 milhões de euros, “terá tido por objetivo suportar o pagamento das remunerações aos referidos gestores”.

Os administradores deveriam ter recebido 3,5 milhões, segundo os valores definidos pela comissão. Ou seja, há uma diferença de praticamente 740 mil euro que a TAP justificou com a aplicação da TSU, mas sem apresentar “qualquer evidência”.

Foi, segundo a IGF, uma forma de evitar impostos: “eximiram-se às responsabilidades quanto à tributação em sede de IRS e contribuições para a Segurança Social”.

3. Contrato milionário e cheio de regalias para antigo presidente

Fernando Pinto foi presidente da TAP entre 2000 e 2017. De 2018 e 2020 manteve-se ligado à companhia como consultor. E, mostra agora a auditoria da IGF, com condições muito favoráveis.

Um dos valores que a auditoria contesta é o pagamento, em 2018, de quase 327 mil euros em dias de férias não gozados durante 13 anos. E é questionada a base legal ou contratual em que este pagamento teve lugar: “não pode haver acumulação de férias por um período superior a um ano, quanto mais de 13 anos, como parece ter sido o caso”.

Quando Pinto deixou as funções de administrador da empresa, foi assinado um contrato de consultoria entre a TAP e a Free Flight, de que o gestor brasileiro era o “único sócio gerente”. Na auditoria, é referida uma verba acima de 1,6 milhões de euros. A IGF não conseguiu “escortinar o trabalho desenvolvido por Fernando Pinto nesta qualidade”

Mas havia também um “acordo complementar” com benefícios para Pinto: seguro de vida, viatura de serviço, telefone, facilidade nas passagens aéreas, apoio às despesas para mudança para o Brasil até 15 mil euros e direito a participar no plano de subscrição de ações da TAP. Não foi disponibilizado à IGF um cálculo sobre o custo destes benefícios.

Contactado pela CNN Portugal, Fernando Pinto recusou uma reação às conclusões da IGF, explicando que desde que saiu da TAP não fez qualquer declaração pública sobre a companhia.

4. Contratos de consultoria sem destino claro

A auditoria da IGF revela “dúvidas” sobre quem são os verdadeiros beneficiários de alguns contratos de consultoria pagos pela TAP. Em causa estão 11,7 milhões de euros sem um objetivo claro.

O documento confirma que entre 2005 e 2022, a TAP gastou 400,6 milhões de euros em contratos de consultoria junto de 1308 entidades. A maior fatia dos gastos teve lugar durante os períodos de privatização e de nova nacionalização e encontrava-se devidamente justificada.

Contudo, levantaram-se dúvidas concretas relativas à Seabury Aviation Consulting e à KPMG, “onde não foi possível identificar claramente os beneficiários dos serviços”. Neste último caso, é referido que os 412 mil euros pagos por consultoria fiscal em 2016 foram em serviços “dirigidos à Atlantic Gateway”. Ou seja, a TAP pagou consultoria ao seu acionista privado.

"A KPMG Portugal não tem conhecimento formal do relatório publicado pela Inspeção-Geral de Finanças. As relações contratuais entre a KPMG Portugal e os seus Clientes estão sujeitas a sigilo e abrangidas por cláusulas de confidencialidade, pelo que a KPMG Portugal não poderá fazer comentários sobre as mesmas", reagiu a consultora à CNN Portugal.

5. Negócio ruinoso no Brasil sem margem para recuperar

A auditoria da IGF confirma também o negócio ruinoso da TAP na manutenção no Brasil, na VEM, com uma “racionalidade económica” “questionável” e que já representou perdas de 906 milhões, difíceis de recuperar.

A TAP foi encontrando formas paralelas de tornar o fosso ainda maior, por exemplo através de serviços de manutenção e pintura dos seus aviões, que custaram quase 53 milhões de euros entre 2006 e 2022. A TAP também faturou “diversos serviços e outras operações, fundamentalmente aluguer e venda de ferramentas/equipamentos necessários à atividade da empresa no Brasil”.

Com o negócio da manutenção no Brasil formalmente em liquidação, a IGF conclui que “a recuperação” de valores pela TAP “será pouco provável”.

Relacionados

Empresas

Mais Empresas

Patrocinados