"A razão pela qual os EUA não estão fisicamente com as suas forças militares na Ucrânia é precisamente por causa de Taiwan. Escolheram manter-se livres para intervir em Taiwan se for necessário"

9 dez 2022, 18:38
Exercícios militares em Taiwan (EPA)

Os EUA preparam-se para dar 10 mil milhões de dólares a Taiwan para armas. Dois pontos sobre isso: "a China vai ver esta medida como uma provocação"; "tem-se discutido muito se os EUA vão conseguir manter o mesmo nível de ajuda que têm dado à Ucrânia se começarem a apoiar Taiwan". Uma análise

Os Estados Unidos preparam-se para aprovar pela primeira vez uma verba de 10 mil milhões de dólares para o fornecimento direto de armas a Taiwan, numa altura em que o território tem sido fortemente pressionado pela China. Para Diana Soller, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, esta medida representa mais um passo “no fim da política de neutralidade dos Estados Unidos em relação à questão de Taiwan”. “Os EUA tiveram durante muitos anos uma política de absoluta neutralidade em relação a Taiwan, que é uma coisa que me parece que nos vários ramos da política norte-americana tem vindo a desaparecer”, afirma a investigadora à CNN Portugal.

Na mesma linha, o especialista em diplomacia e estudos asiáticos Tiago Ferreira Lopes vinca à CNN Portugal que este apoio militar "é muito significativo" e pretende assinalar a importância do território para Washington. "Tem-se discutido muito se os EUA vão conseguir manter o mesmo nível de ajuda que têm dado à Ucrânia se começarem a apoiar Taiwan. Os EUA estão a tentar mostrar que conseguem ajudar os dois povos, Taiwan e a Ucrânia, mas estão a sinalizar claramente que Taiwan é muito importante porque esta verba, este montante de 10 mil milhões de garantias em financiamento a Taiwan para compra de armamento e de equipamento militar, é muito significativo e tem aqui uma leitura de escalada da retórica", explica o comentador da CNN Portugal.

Diana Soller vai mais longe: "A razão pela qual os EUA não estão fisicamente com as suas forças militares na Ucrânia é precisamente por causa de Taiwan. Porque não têm capacidade de estar em dois cenários bélicos ao mesmo tempo e escolheram manter-se livres para intervir em Taiwan se for necessário".

Os 10 mil milhões de dólares para o fornecimento de armas a Taiwan fazem parte de um pacote total de 858 mil milhões de dólares que foi aprovado pela Câmara dos Representantes para o sector da Defesa e que deve ter a luz verde do Senado no final do mês.

"Esta lei, que se chama 'National Defense Autorization Act', reserva 10 mil milhões de dólares de apoio militar a Taiwan em fornecimento e não em venda de armas, o que é uma diferença significativa. E vem do ramo legislativo, o que significa que ambos os partidos parecem estar de acordo com o presidente relativamente à questão da política de neutralidade", nota Diana Soller.

Tiago Ferreira Lopes destaca que esta linha de crédito de 10 mil milhões "permitirá o financiamento de armamento e equipamento bélico a Taiwan, mas também a compra de equipamento para reparação de aeronaves e de drones". O especialista sublinha que, por outro lado, há aqui uma resposta ao surgimento de uma nova aliança a três vozes: Rússia, China e Arábia Saudita. "A aproximação destes três Estados, que temos estado a ver desde o inicio de novembro com a cimeira entre a Rússia e a Arábia Saudita e agora com a recente cimeira entre a Arábia Saudita e a China, mostra de facto que há aqui uma aliança que se está a formar e a institucionalizar e os EUA estão a responder", completa Tiago Ferreira Lopes.

Diana Soller aponta ainda outro fator a ter em conta neste xadrez: o momento político "de maior fragilidade" em que a China se encontra por causa dos protestos contra a política de 'covid zero'. "Parece-me que os EUA estão a fazer isto num momento em que a China tem pouca capacidade para reagir, ainda que estejam a correr um grande risco", considera Diana Soller.

O que a China está a aprender com a invasão russa da Ucrânia

Apesar de estar prevista uma visita do secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, à China no início do próximo ano, a verdade é que as relações entre os dois países estão no nível mais baixo desde que os laços diplomáticos foram restaurados em 1979. Diana Soller nota que a China e os EUA têm "as relações muito tensas desde que Donald Trump lançou a guerra comercial à China" e que esse cenário se agravou com a questão da guerra da Ucrânia, "que coloca os EUA e a China de lados opostos num conflito internacional". No entanto, a comentadora não tem dúvidas de que haverá uma escalada das tensões porque Pequim vai olhar para esta medida "como uma provocação". 

"As tensões vão intensificar-se com certeza porque a China vai ver, e de certa maneira com razão, esta medida como uma provocação à China e à política de um Estado. O mínimo que se pode esperar da China é um protesto muito veemente relativamente a esta questão", sublinha a comentadora da CNN Portugal. Tiago Ferreira Lopes antecipa que a China deverá responder com uma aproximação ainda maior à Rússia e à Arábia Saudita e com "outras parcerias estratégicas com aliados locais", lembrando que, por exemplo, a Índia será o próximo anfitrião da cimeira do G20. 

Haverá razões, porém, para acreditar que a China pretende fazer com Taiwan o mesmo que a Rússia fez com os territórios ucranianos? Tiago Ferreira Lopes é perentório: "Eu gostava de dizer que não, mas neste momento já não consigo dizer que não. Acho que a China tem argumentos militares e jurídicos para fazer com Taiwan o que a Rússia fez com a Crimeia e com as duas províncias de Donetsk e Lugansk e aquilo que abre esta porta é a famosa decisão do Tribunal Penal Internacional quando responde ao pedido da Sérvia e do Kosovo sobre se o Kosovo podia ou não ter declarado unilateralmente a sua independência: eles declararam que não era ilegítimo e, se não é ilegítimo, casos similares podem estar na mesma situação", explica o analista.

Tiago Ferreira Lopes lembra que "a China entende que Taiwan é formalmente sua" e com Xi Jinping "temos visto uma retórica mais militar e mais agressiva". Além disso, o especialista em assuntos asiáticos afirma que "o presidente chinês vai ter de mostrar a sua capacidade de liderança após estes protestos anticovid-19".  A opinião é secundada por Diana Soller. A investigadora acredita que "uma invasão de Taiwan não é uma carta que esteja fora da mesa" e Pequim "já disse várias vezes que Taiwan vai ser integrada nos territórios chineses pacificamente ou, se necessário, através do uso da força". "Não me parece é que neste momento a China esteja propriamente interessada em envolver os EUA numa situação destas", ressalva a comentadora. "Acho que a China está a olhar com muita atenção para o que se está a passar na Ucrânia e a avaliar as suas possibilidades. A China tem observado o comportamento da Rússia em relação a uma série de questões e vai tentando não cometer os mesmos erros que a autocracia vizinha vai cometendo", vinca Diana Soller. 

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