Um arsenal de armas e uma guerra assimétrica: como Taiwan pode impedir a invasão da China - com a ajuda da América

CNN , Análise de Eric Cheung
20 abr 2023, 22:00
Exército de Taiwan (Getty Images)

Quando a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, desafiou os avisos da China para se encontrar com o líder da câmara dos representantes dos EUA, Kevin McCarthy, na Califórnia, no início deste mês, a resposta militar agressiva de Pequim reverberou em todo o mundo.

Em ações que apenas alimentaram os receios de que a China comunista pudesse estar a preparar-se para invadir a sua vizinha governada democraticamente, o Exército de Libertação Popular simulou um bloqueio da ilha, enviando um porta-aviões e 12 navios para a cercar, e sobrevoando a sua zona de identificação de defesa aérea com mais de 100 aviões durante um exercício militar de três dias.

Navio de guerra chinês dispara em direção à costa durante um exercício militar perto de Fuzhou, junto às ilhas Matsu controladas por Taiwan, a 8 de abril de 2023. Thomas Peter/Reuters

O Partido Comunista da China, que reivindica Taiwan como parte do seu território apesar de nunca o ter controlado, descreveu os exercícios como "ataques de precisão conjuntos" que deveriam servir como um "aviso sério contra as forças separatistas de Taiwan".

A mensagem, na mente de Taipé, parecia clara. A China parecia "estar a tentar preparar-se para lançar uma guerra contra Taiwan", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros da ilha, Joseph Wu, à CNN.

Essa avaliação contundente terá provavelmente levantado dúvidas em alguns quadrantes sobre se os preparativos militares da ilha para tal cenário são suficientes.

Taipé anunciou recentemente - e muito publicamente - a extensão do serviço militar obrigatório de quatro meses para um ano e acelerou o desenvolvimento do seu programa de armamento local para aumentar a prontidão de combate.

Mas os analistas dizem que um anúncio recente - que talvez tenha sido menos comentado nos meios de comunicação globais - pode revelar uma mudança de jogo: as conversações entre Taipé e os Estados Unidos para estabelecer um "arsenal de contingência" de munições em Taiwan.

Em comentários que não foram amplamente divulgados na altura, o ministro da Defesa Chiu Kuo-cheng disse ao parlamento de Taiwan em março que Taipé estava em negociações com os EUA sobre um potencial plano para estabelecer um stock de reserva de guerra na ilha - uma medida tornada possível por uma disposição da Lei de Autorização de Defesa Nacional (NDAA - National Defense Authorization Act) de 2023, assinada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, em dezembro último.

E embora Taiwan seja há muito um comprador de armas dos EUA, especialistas militares dizem que a criação de tal reserva poderia ser vital para a defesa da ilha porque - como o bloqueio recentemente simulado da China demonstrou - pode ser muito difícil fornecer à ilha armas adicionais se a guerra eclodisse.

Ao contrário da Ucrânia, Taiwan não tem fronteiras terrestres, pelo que qualquer abastecimento teria de ser feito por via aérea ou marítima - métodos de entrega que seriam altamente vulneráveis a intercetações por parte dos militares chineses.

É, portanto, vital para Taiwan armazenar munições na ilha antes do início de qualquer conflito, disse o almirante Lee Hsi-min, que serviu como Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de Taiwan entre 2017 e 2019.

"Ter um arsenal de reserva de guerra é crucial e significativo para Taiwan", defendeu. "Mesmo que os Estados Unidos não queiram intervir diretamente com força militar, este tipo de reservas pode ainda assim ser muito eficaz para a nossa defesa."

Taiwan também tem levantado repetidamente preocupações sobre os atrasos nas entregas de armas dos EUA à Ucrânia. Na sequência do seu encontro com Tsai, McCarthy escreveu no Twitter: "Com base nas conversas de hoje, é evidente que são necessárias várias ações: devemos continuar a venda de armas a Taiwan e assegurar que tais vendas cheguem a Taiwan a tempo."

Sistema de mísseis Patriot terra-ar no aeroporto Babice-Varsóvia, Polónia, a 6 de fevereiro de 2023. Jaap Arriens/Nurphoto/Getty Images

Guerra assimétrica

Mas negociações sobre a possível reserva de stocks suscitam outra questão: o que é que Taiwan precisa exatamente para a sua defesa?

Durante décadas, os militares taiwaneses têm adquirido caças e mísseis dos Estados Unidos, que continuam a ser o maior garante da segurança da ilha, apesar de não terem uma relação diplomática "oficial".

No mês passado, a administração Biden fez manchetes de jornais com a sua aprovação de possíveis vendas de armas a Taiwan no valor estimado de 619 milhões de dólares, incluindo centenas de mísseis para a sua frota de caças F-16.

Mas para o almirante Lee Taiwan precisa urgentemente de armazenar armas mais pequenas e mais móveis que teriam maiores hipóteses de sobreviver à primeira vaga de um ataque chinês num conflito total - o que provavelmente incluiria ataques conjuntos de mísseis de longo alcance a infraestruturas e alvos militares taiwaneses.

Num livro de grande visibilidade publicado no ano passado, intitulado "Overall Defense Concept", Lee argumentou que Taiwan deveria deixar de investir fortemente em caças e contratorpedeiros, uma vez que os seus meios militares eram em grande número ultrapassados pelos da China e poderiam facilmente ser travados por mísseis de longo alcance.

No ano passado, o orçamento de defesa da China foi de 230 mil milhões de dólares, mais de 13 vezes o montante gasto por Taiwan, de 16,89 mil milhões de dólares.

O almirante Lee Hsi-min, durante uma entrevista com a CNN em Taipé, Taiwan. Eric Cheung/CNN

Assim, em vez de querer corresponder navio por navio ou avião por avião, argumentou Lee, Taiwan deveria adotar um modelo de guerra assimétrico centrado na aquisição de armas de menor porte - como mísseis portáteis e minas - que são difíceis de detetar mas eficazes para travar os avanços inimigos.

"Na Ucrânia, os seus militares utilizaram os mísseis antinavio 'Neptune' para afundar os navios de guerra de Moscovo", apontou. "Os sistemas de armas assimétricas vão permitir-nos manter as nossas capacidades de combate. Isto porque se os nossos inimigos quiserem destrui-los terão de se aproximar de nós, o que os torna vulneráveis ao nosso ataque."

"Se conseguirmos estabelecer uma capacidade assimétrica suficientemente boa, acredito que a China não será capaz de dominar Taiwan pela força, mesmo sem a intervenção dos Estados Unidos", antecipou.

Embora os EUA mantenham estreitos laços não oficiais com Taiwan, e sejam obrigados por lei a vender armas à ilha para a sua autodefesa, permanecem deliberadamente vagos sobre se interviriam no caso de uma invasão chinesa, uma política conhecida como "ambiguidade estratégica".

Armas portáteis

Ao abrigo da Lei de Autorização de Defesa Nacional deste ano, aprovada pelo congresso norte-americano e assinada por Joe Biden, Taiwan é elegível para receber até mil milhões de dólares em armas e munições dos Estados Unidos para combater a crescente ameaça militar da China.

A lei também permite a criação de um arsenal regional de contingência, o que permitiria ao Pentágono armazenar armas em Taiwan para utilização no caso de conflito militar com a China.

Em resposta à CNN, um porta-voz do Ministério da Defesa Nacional de Taiwan confirmou que está em discussões com os Estados Unidos sobre a definição de uma "contingência", os tipos de munições que podem ser imediatamente operadas pelas suas forças armadas e a linha de tempo para o envio das mesmas.

O ministério acrescentou que a medida visa apenas satisfazer as necessidades defensivas de Taiwan, em oposição ao "pré-armazenamento" de munições na ilha.

O Comando Indo-Pacífico dos EUA recusou-se a fornecer detalhes sobre o progresso das conversações relativas à criação do arsenal, mas disse que continuaria a permitir que Taiwan mantivesse uma capacidade de autodefesa suficiente.

Entretanto, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da China disse à CNN que "se opõe resolutamente" a quaisquer trocas militares entre os Estados Unidos e Taiwan, acrescentando que Pequim tomará "todas as medidas necessárias" para defender a sua soberania e interesses de segurança.

Um Javelin, míssil antitanque, é disparado durante um exercício militar conjunto entre tropas americanas e filipinas em Fort Magsaysay, a 13 de abril de 2023. Ezra Acayan/Getty Images

Lin Ying-yu, professor assistente da Universidade de Tamkang, de Taiwan, e especialista em assuntos militares, disse que se fosse criada uma reserva de contingência esta deveria concentrar-se na acumulação de munições já em uso pelos militares de Taiwan para garantir a eficácia operacional.

"Penso que algumas das armas que os EUA poderão estar dispostos a fornecer incluem os mísseis Stinger e Patriot", observou. O Stinger é um míssil terra-ar que pode ser disparado por um único soldado, enquanto o sistema de defesa Patriot é capaz de interceptar mísseis e aviões inimigos.

Para o almirante Lee, outra arma que podia ser armazenada era o míssil Javelin, um sistema de armas antitanque portátil de fabrico norte-americano, que tem sido amplamente utilizado pelos militares ucranianos para atingir tanques russos.

O sistema de defesa antiáerea NASAMS também poderia ser útil para atingir aviões de guerra chineses, disse, uma vez que é capaz de disparar o míssil de médio alcance AIM-120 a partir do nível do solo.

Outras armas que deveriam ser consideradas incluem o "drone kamikaze", ou "drone suicida", que pode ser transportado por um único soldado e é capaz de destruir alvos de elevado valor - bem como outras armas antitanque e antinavio, acrescentou.

"Se tiverem um número suficientemente elevado deste tipo de sistemas de armas assimétricas que sobrevivam ao ataque inicial, poderão manter intactas a maior parte das suas capacidades de combate e impedir o inimigo de conduzir uma operação de aterragem", indicou Lee.

Quantas são suficientes?

Outra questão que se coloca é a de saber quantas armas ou mísseis Taiwan precisaria para se defender da China.

Os especialistas dizem que é difícil indicar um número concreto porque os possíveis cenários de guerra são muito variados.

No seu livro, o almirante Lee escreveu que os militares chineses poderiam recorrer a diferentes opções para tentar colocar Taiwan sob o seu controlo.

Numa guerra total, a China poderia disparar mísseis de longo alcance para destruir infraestruturas e alvos militares de Taiwan antes de enviar as suas tropas terrestres através do Estreito de Taiwan.

Outros cenários com ação militar limitada podem incluir um bloqueio aéreo e naval em torno de Taiwan ou a tomada de pequenas ilhas periféricas de Taiwan que se encontram perto da costa chinesa.

No entanto, Lin sugeriu que o número de mísseis que Taiwan provavelmente precisa será de "dezenas de milhares".

A presidente de Taiwan Tsai Ing-wen com o líder da câmara dos representantes dos EUA, Kevin McCarthy, na Biblioteca Presidencial Ronald Reagan na Califórnia, a 5 de abril de 2023. Eric Thayer/Bloomberg/Getty Images

Segundo o especialista militar da Universidade de Tamkang, uma forma relativamente simples de calcular o número de mísseis necessários envolve estimar o número total de meios militares ofensivos detidos pelo inimigo, e a eficácia das armas defensivas de Taiwan. "Por exemplo, se o nosso inimigo tiver 1.000 mísseis e nós tivermos uma taxa de sucesso de 25%, então precisaremos de cerca de 4.000 mísseis balísticos."

Para além das armas, os militares de Taiwan poderiam beneficiar de sistemas de radar móveis que lhe permitiriam receber sinais militares dos EUA, acrescentou Lin. Estes seriam úteis na condução da guerra eletrónica, pois os militares dos EUA poderiam ajudar a identificar potenciais alvos inimigos, mesmo que os sistemas de radar terrestre tivessem sido destruídos.

"Embora os Estados Unidos não tenham tropas no terreno na Ucrânia, conseguiram dizer aos militares ucranianos onde disparar as suas armas, enviando sinais dos seus aviões de guerra", observou Lin. "Precisamos de ter a certeza que temos o equipamento necessário para nos ligarmos aos sistemas militares dos EUA em tempos de guerra."

Houve outras razões pelas quais as discussões com os EUA sobre o possível arsenal foram importantes, disse o almirante Lee, e foram além de questões de armazenamento de munições e peças sobressalentes.

"(Ter um arsenal de contingência) é crucial, porque envia um sinal à China de que os Estados Unidos estão determinados a ajudar a nossa defesa."

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