China cercou Taiwan e chegou perto do estado de guerra. "Há receio de que a invasão possa mesmo acontecer"

10 abr 2023, 12:50

Exército chinês realizou "várias tarefas" em torno de Taiwan e garantiu prontidão para derrotar eventuais tentativas de independência da ilha. Pela primeira vez, foram detetados exercícios com caças J-15, que simularam investidas de uma posição de cerco ao território de Taiwan

Em agosto de 2022, depois de Nancy Pelosi - então presidente da Câmara dos Representantes do Congresso dos EUA - ter visitado Taiwan, Pequim lançou exercícios militares numa escala sem precedentes, que incluíram o lançamento de mísseis e uso de fogo real. Na semana passada, foi a vez de Tsai Ing-Wen, a presidente de Taiwan, visitar os Estados Unidos, encontrando-se com o atual presidente da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy. E enquanto Washington reafirmava a "parceria forte e única" com Taiwan, Pequim ameaçou de imediato com "medidas resolutas e eficazes" de retaliação, anunciando três dias de exercícios militares com fogo real em torno de Taiwan, a começar no sábado.

Logo depois do encontro de Tsai Ing-Wen e McCarthy, na quarta-feira passada, o Governo chinês enviou navios de guerra, um helicóptero e um avião de combate para o Estreito de Taiwan, e anunciou sanções contra a representante de Taiwan nos EUA, contra o Instituto Hudson e a Biblioteca Presidencial Ronald Reagan.

Só entre domingo e esta segunda-feira, segundo a contagem mais recente, 70 aviões cruzaram a linha mediana do estreito de Taiwan, uma fronteira não oficial que já foi tacitamente respeitada por ambos os lados, de acordo com um comunicado do Ministério da Defesa da ilha. Entre os aviões que cruzaram o espaço aéreo contam-se caças J-16, J-1, Su-30 e aviões de reconhecimento, bem como quatro caças J-15 - que, até aqui, nunca tinham sido detetados dentro da zona de identificação aérea de Taiwan. Segundo a BBC, estas mudanças sugerem que o Exército de Libertação Popular da China está pela primeira vez a simular ataques a partir de leste e não de oeste, a partir da China continental.

Entre sexta-feira e sábado, oito navios de guerra foram igualmente detetados perto de Taiwan, de acordo com o Ministério de Defesa taiwanês. Além das patrulhas de prontidão de combate, o Exército de Libertação Popular da China realizou exercícios com fogo real na baía de Luoyuan, na província de Fujian, que fica no leste da China e de frente a Taiwan. Já esta segunda-feira, Pequim anunciou que mobilizou caças com "munição real" e o porta-aviões Shandong para executarem "ataques simulados" a alvos em Taiwan.

"É uma situação extremamente perigosa, este cerco de três dias em alta escala, envolvendo um grande número de aviões de combate e vários navios de guerra", diz Victor Ângelo, antigo secretário-geral adjunto das Nações Unidas à CNN Portugal, admitindo que a China pode ter "intenção de resolver o problema de Taiwan nos próximos tempos".

José Palmeira, professor de Relações Internacionais, considera que estamos perante um "braço de ferro" entre Pequim e Taipé, explicando que, do ponto de vista da população local, "há um receio muito forte de que a invasão possa mesmo acontecer". 

Taiwan não quer "cair nos braços da China"

"Quando a presidente de Taiwan se desloca a algum país ocidental, ou quando recebe algum líder político ocidental, há sempre uma reação da República Popular da China, que considera que Taiwan é uma província e não um país independente", explica José Palmeira, em declarações à CNN Portugal. "Os exercícios militares são a resposta que a China tem encontrado para pressionar", diz ainda, lembrando que em janeiro de 2024 haverá eleições em Taiwan e que o Partido Nacionalista taiwanês, mais próximo de Pequim, tem conseguido recolher intenções de voto. 

Ainda assim, assinala o professor de Relações Internacionais, os "atos diplomáticos" internacionais de Taipé - pelos quais a China retalia - não deverão travar-se perante a pressão de Pequim: "Não desejam o isolamento e cair nos braços da China. Procuram demonstrar à China que têm a sua autonomia própria, que são um regime democrático". No fundo, fazer saber que não acreditam nas promessas de Pequim, que garantiu a Hong Kong e a Macau, antes da integração em território chinês, que não haveria violação dos direitos democráticos - algo bem diferente da realidade dos dias de hoje.

"Estamos em jogos de guerra. Não sabemos até que ponto poderá escalar para um conflito aberto", admite José Palmeira.

Até porque os Estados Unidos também não olharam para o lado e a Marinha norte-americana anunciou já esta segunda-feira que um dos seus navios está a realizar uma operação no Mar do Sul da China, que Pequim reivindica como seu, envolvendo-se por isso em disputas com outros estados da região, como a Malásia, Brunei ou Filipinas. 

O regime chinês denunciou prontamente a "intrusão" do contratorpedeiro norte-americano, mesmo que a Marinha dos EUA ressalve que a "operação de liberdade de navegação respeitou os direitos, liberdades e usos legais do mar". As autoridades norte-americanas detalharam que o USS Milius passou perto das ilhas Spratly, a menos de 12 milhas náuticas (22 quilómetros) do recife Mischief, reivindicado pela China e outros países asiáticos.

"O contratorpedeiro lança-mísseis USS Milius entrou ilegalmente nas águas adjacentes ao recife Meiji [nome oficial chinês para o recife Mischief] nas ilhas Nansha [nome chinês das Spratly] da China, sem a autorização do Governo chinês", declarou em resposta o porta-voz do Comando do Teatro de Operações Sul do exército chinês Tian Junli. A força aérea chinesa "seguiu e vigiou o navio de guerra" americano, acrescentou em comunicado.

Treinos para conflito real

A escala dos exercícios militares que decorreram até esta segunda-feira não chega à dos que foram realizados aquando da visita de Nancy Pelosi a Taiwan mas, segundo observadores citados pelo The Guardian, parece haver uma escalada no treino de ataques a Taiwan sugerida precisamente pelo recurso aos caças J-15, que estão a simular investidas de uma posição de cerco ao território e perto de um estado de guerra.

"Vejo isto como uma escalada na forma como o Exército de Libertação Popular opera em torno de Taiwan, que nunca tinha acontecido desta forma", disse ao Guardian o analista de Defesa Ben Lewis. "Estas atividades fornecem aos porta-aviões chineses a oportunidade de praticarem este tipo de operação na área onde poderão vir a executá-la durante um conflito real", acrescenta o especialista.

O Ministério da Defesa de Taiwan garantiu que está a operar sob o princípio de "não escalar conflitos e não causar disputas", tendo conduzido exercícios de retaliação com sistemas antimísseis.

Mas o voo dos caças J-15 espoletou também uma resposta rápida do Japão, que confirmou que foi obrigado a mobilizar caças para acompanharem as 120 descolagens e aterragens de aviões e helicópteros chineses entre sexta e segunda-feira. Citado pela Reuters, o Ministério da Defesa de Tóquio confirmou que o porta-aviões chinês Shandong conduziu operações em águas perto das ilhas japonesas de Okinawa. "A paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan é importante não apenas para a segurança do Japão, mas também para a estabilidade de toda a comunidade internacional", disse aos jornalistas Hirokazu Matsuno, porta-voz do governo japonês.

O porta-voz do Comando do Teatro de Operações Leste do exército chinês anunciou esta segunda-feira ao final da manhã - em fuso horário europeu - que as forças de Pequim completaram "várias tarefas" em torno de Taiwan e que o exército manterá a prontidão para derrotar quaisquer formas de "independência de Taiwan" e tentativas de interferência estrangeira, frisou o coronel Shi Yi.

O papel da Europa

Pequim esperou pelo fim da visita do presidente francês, Emmanuel Macron, e da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von de Leyen, para anunciar os três dias de exercícios militares em torno de Taiwan - território que integrou a República da China, sob o governo nacionalista de Chiang Kai-shek, no final da Segunda Guerra Mundial.

Após a derrota contra o Partido Comunista, na guerra civil chinesa, em 1949, o Governo nacionalista refugiou-se na ilha, que mantém, até hoje, o nome oficial de República da China, em contraposição com a República Popular da China, no continente chinês. Pequim considera a ilha parte do seu território e ameaça a reunificação através da força, caso Taipé declare formalmente a independência.

"Taiwan é fundamentalmente um problema chinês e também um problema americano", indica Victor Ângelo, o antigo secretário-geral adjunto da ONU. "Mas os americanos têm tendência a alargar esse problema a outros parceiros e implicar na resolução desse problema outros parceiros. E isso, evidentemente, pode provocar uma situação de conflito muito mais alargada que vai para além do conflito direto entre China e EUA", acrescenta. "É fundamental que haja uma autonomia entre Europa e EUA no que diz respeito a tudo que são assuntos da Ásia, nomeadamente à volta de Taiwan. A Europa tem de se concentrar na sua própria defesa", diz ainda Victor Ângelo à CNN Portugal. 

O próprio Emmanuel Macron, numa entrevista ao Politico concedida a bordo do avião presidencial de regresso a Paris, após a visita de três dias à China, apelou aos líderes europeus para que reduzam a sua dependência dos Estados Unidos e evitem ser arrastados para um potencial conflito entre China e EUA relacionado com Taiwan. 

"A questão a que os europeus precisam de responder... é do nosso interesse acelerar [uma crise] sobre Taiwan? Não. A pior coisa seria pensar que nós europeus temos de nos tornar seguidores nesta matéria e agir conforme a agenda norte-americana e a reação excessiva chinesa", disse Macron, que se reuniu com Xi Jinping ao longo de várias horas durante a visita oficial a Pequim. 

O porta-voz do Kremlin veio entretanto colocar-se, naturalmente, do lado chinês: a Rússia, enquanto aliada de Pequim, afirmou que a China tem todo o direito de responder a "provocações" e de realizar exercícios militares em redor de Taiwan.

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