"Forçam o trabalhador a aceitar uma proposta com salário extremamente baixo". Regras do subsídio de desemprego podem mudar - e os especialistas não estão otimistas

10 jul 2024, 22:50
Emprego (Adobe Stock)

Ministra do Trabalho admite eventuais alterações ao subsídio de desemprego no futuro, mas não adianta detalhes. A CNN Portugal falou com a CGTP e dois economistas, que anteveem mais "restrições" e "políticas de baixos salários"

“Vamos estudar a possibilidade de acumular prestações sociais com rendimentos do trabalho, dentro de certos parâmetros, para evitar algo que acontece hoje, que é algumas pessoas preferirem ficar a receber prestações de desemprego do que trabalharem”. Este anúncio foi feito pela ministra do Trabalho, há cerca de três semanas, durante uma conferência sobre a temática na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e esclarecido esta quarta-feira na comissão parlamentar do Trabalho.

Segundo Maria do Rosário Palma Ramalho, as declarações que deixaram os sindicatos dos trabalhadores e algumas figuras políticas em sobressalto incidiam no subsídio social de desemprego, que abrange os cidadãos essencialmente em regime não contributivo. Por outro lado, a ministra admite que, apesar de Luís Montenegro não ter antecipado “nenhuma iniciativa do Governo” para alterar as regras do subsídio de desemprego, “essa é uma questão que pode ser discutida” em concertação social “e sair daí acordo”. Entre as principais causas, refere, estão as queixas dos patrões devido à falta de trabalhadores, ainda que garanta que as “mexidas” também vão ser discutidas com os sindicatos.

“Admito que possa ter que ver com a redução do prazo e do montante do subsídio”, considera o economista Miguel Teixeira Coelho, no seguimento da audição. Questionado pela CNN Portugal, prevê ainda que possam surgir restrições à possibilidade que os trabalhadores têm, ou não, de aceitar uma proposta de trabalho por meio do centro de emprego, “quer do ponto de vista profissional, salarial ou geográfico”. A lei prevê atualmente que as opções apresentadas que fiquem fora da área de residência do trabalhador, não correspondam às suas habilitações e não ofereçam uma remuneração igual ou superior ao subsídio de desemprego, podem ser recusadas sem qualquer penalização. Mas a recusa de um emprego qualificado como “conveniente” - enquadrado nos parâmetros referidos - pode levar à anulação da inscrição no centro de emprego e à perda da prestação.

“Se tirarem do emprego conveniente as exigências que o trabalhador pode recusar forçam o trabalhador a aceitar uma proposta com um salário extremamente baixo”, explica o economista Eugénio Rosa, concordando com a previsão de que as regras podem vir a ser “apertadas” pelo novo Governo. “Na página do IEFP já se verificam ofertas de emprego para engenheiros a mil e poucos euros por mês, ainda por cima pedem cinco anos de experiência, carta de condução, carro, etc., aproveitam-se disso”, continua. Outro aspeto é oferecerem trabalho em funções que o trabalhador não tem qualquer experiência, o que acaba por se traduzir numa “despromoção”. O economista entende que o mesmo pode acontecer se o período de concessão do subsídio for reduzido ou passarem a ser exigidos mais anos de desconto.

Eugénio Rosa dá conta de que nas empresas os funcionários mais antigos estão a ser dispensados por terem salários mais altos, ao passo que os mais novos são chamados e ficam por não terem alternativa. “Depois ainda querem que os mais velhos comecem a trabalhar novamente com salários muito mais baixos, aproveitando a onda de redução de salários”, analisa. Serve-se do exemplo dos imigrantes, que aceitam salários muitas vezes inferiores ao valor mínimo: “Não conseguem arranjar emprego na área, muitos engenheiros até trabalham na construção civil e isso nota-se sobretudo em zonas como o Algarve, onde começam a aparecer muitos na restauração e outras áreas”.

Contactado pela CNN Portugal, Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP, acusa Maria do Rosário Palma Ramalho de estar atribuir à Segurança Social “um papel de financiamento das empresas” que incentiva a “promoção de baixos salários”. “Não pode ser encarada como a galinha dos ovos de ouro numa altura em que, como no passado, volta a acontecer a discussão sobre a sua sustentabilidade”, defende, acrescentando que aquilo que o Governo coloca em cima da mesa não vai responder “ao seu objetivo de criação de emprego”. Antes pelo contrário: “Quem vai para o desemprego não é por livre vontade, é porque saiu de uma má situação, e estando aí teve uma redução de 35% do seu salário”.

De acordo com a informação disponível na página oficial da Segurança Social, o montante diário do subsídio de desemprego é hoje igual a 65% da remuneração de referência. Aceitando uma proposta por meio do centro de emprego, que seja acumulável com as prestações sociais atribuídas mensalmente, “implica que o trabalhador volte ao ativo com 65% do salário que tinha anteriormente”, e que as empresas possam apostar numa política de salários mais baixa, explica Tiago Oliveira. “E quando acabar esse fundo de desemprego como é que é? O trabalhador vai passar a receber o quê? A proposta inicial da empresa?”, questiona. “A Segurança Social tem um objetivo muito concreto, financiado pelos trabalhadores, de apoio social e não pode servir disto”.

“Os patrões queixam-se que os desempregados vivem de subsídios, mas na realidade a maioria nem tem direito”, afirma Eugénio Rosa. “Metem todos no mesmo saco, fundamentalmente porque querem pagar salários inferiores. Um trabalhador com remuneração superior naturalmente vai trabalhar”, critica. Os dados do Instituto de Emprego e Formação Profissional indicam que em 2023 apenas 151.995 pessoas em 317.659 inscritos beneficiavam efetivamente de prestações sociais, mais 9% do que no ano anterior.

O Instituto Nacional de Estatística também revela que a taxa de população desempregada ascendia a 46% em 2022, e que 17% das pessoas a residir em Portugal estavam em risco de pobreza. Há mais de 2,1 milhões de cidadãos com rendimentos que os levam a estar no limiar da pobreza, e deste número, quase 1,8 milhões vivem com menos de 591 euros por mês. As conclusões são do inquérito às Condições de Vida e Rendimento em Portugal, divulgadas no final do ano passado.

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