«Ganhar ao Sporting e dar quatro ao Braga, imagine os adeptos do Vitória!»

18 mar 2022, 09:23
Arsenal-Vitoria Guimarães

História de Um Jogo

Viajamos de novo na História de Um Jogo, rubrica do Maisfutebol, em que escolhemos um dos encontros do fim de semana e partimos em busca de histórias e heróis de campeonatos passados. Desta vez, Vitória de Guimarães e Sporting em duelo.

Este é um daqueles jogos que tem tudo. Um grande cartaz, um estádio cheio, cheio, cheio, equipas do topo da Liga.

Tem um golo do inevitável Manuel Fernandes, Ademir com a cara cheia de sangue após lance com Fernando Mendes, uma jogada polémica entre Silvinho e Miguel, um golo incrível de livre, um golo do também inevitável Paulinho Cascavel e outro de João Costeado que ainda hoje não sabe o que ali andava a fazer (veja o resumo mais abaixo na página).

Foi um Vitória de Guimarães-Sporting, um duelo que se repete neste sábado no Berço.

A história deste jogo, porém, tem dentro de si muitas outras. Porque Vitória e Sporting chegaram àquele duelo depois de momentos absolutamente marcantes da história dos dois clubes. A começar por estes números: Sporting, 7- Benfica, 1.

A vitória do Vitória sobre o Atlético de Madrid

O campeonato de 1986/87 está ao rubro. Na era dos dois pontos por triunfo, a classificação lê-se assim: FC Porto, 23 pontos; Benfica, 23; Vitória de Guimarães, 22; Sporting, 20.

Aquele é o resultado de uma jornada 14 que nunca mais sairá da memória de ninguém. O bicampeão FC Porto bate o Farense por 8-3 em casa, mas é o dérbi de Lisboa que se torna eterno. «Fomos empatar ao Belenenses e ficámos em Lisboa nesse dia dos 7-1», recorda-se João Costeado.

O empate do Vitória de Guimarães que o antigo lateral aqui fala pode passar despercebido na jornada, por causa do tamanho da coisa que sucedeu em Alvalade, mas ele também influenciou a liderança da Liga.

João Ribeiro da Silva "Costeado" foi futebolista no Vitória de Guimarães, Fafe, Beira-Mar, Est. da Amadora, Penafiel e Juv. de Ronfe.

A última jornada da primeira volta disputa-se então, nestas condições: o Vitória a um ponto de dragões e águias, o Sporting a vir da mais impactante goleada do seu historial, motivadíssimo para reentrar na disputa pelo primeiro lugar.

O leão tem um problema enorme, no entanto: a fantástica equipa do Vitória Sport Club.

Um grupo de jogadores que sacudiu o empate no Restelo com um triunfo na Taça de Portugal sobre o Joane e que estava a fazer uma época brilhante, com o Atlético de Madrid, por exemplo, a cair na Taça UEFA perante os vimaranenses.

«Ganhámos 2-0 ao Atlético Madrid em casa e pensavam que íamos a Espanha levar uns três ou quatro. Fizeram uma grande pressão, à entrada nos balneários, enfim, não fomos muito bem recebidos. Mas nós encarávamos os jogos na Luz, nas Antas, onde fosse com a ambição de ganhar. Chegámos lá e o António Jesus defendeu um penálti. Utilizámos muito o fora de jogo, fomos uma equipa com grande qualidade, com a voz de comando do Miguel. Era preciso coragem para o fazer e eles só marcaram mesmo no final! Tivemos uma receção fabulosa, a cidade parou, as pessoas estavam realmente envolvidas com o clube», João Costeado.

O encontro da 15.ª jornada do campeonato de 1986/87 enche o D. Afonso Henriques. Hoje, em 2022, habituamo-nos a falar da paixão do vimaranense pelo Vitória. Temo-la por adquirida. Aqueles anos de 1980 contribuíram para isso. O Vitória fizera quarto em 1985/86 e uma época volvida lutava pelo título à 15.ª ronda.

Um Vitória com ideias de Barcelona

Quando se disse que o Sporting tinha um grande problema não se estava a exagerar. Numa linguagem puramente futebolística, aquele Vitória jogava muito à bola.

João Costeado era o lateral-direito dessa formação. Vimaranense, vitoriano, formado no clube e internacional A. É ele que nos recorda esse conjunto por dentro.

O plantel 1986/87 do Vitória com nomes como Paulinho Cascavel, NDinga, Ademir, Nascimento, Roldão, António Jesus, Luís Castro [esse mesmo que é treinador], Vítor Pontes e orientado por Marinho Peres e Paulo Autuori [adjunto] (foto gloriasdopassado.blogspot).

«Era uma equipa excelente em que todos os elementos estavam no seu age. Foi muito bem constituída. No ano anterior, com o [treinador] António Morais fizemos quarto no campeonato e ganhámos aos três grandes em casa. Nesse ano [1986/87], veio o Ademir Alcântara que se enquadrou muito bem. Percorria zonas do campo em que os espaços vazios eram ocupados por ele. E tínhamos um matador, o Paulinho Cascavel», o grande goleador a quem a cidade até dava Moët & Chandon.

A saída de António Morais trouxe uma nova equipa técnica escolhida por Pimenta Machado e liderada por Marinho Peres. João Costeado, que foi técnico-adjunto em vários clubes, crê que esse foi um dos segredos do sucesso.

«Estive em muitas equipas e vejo muitas equipas. Muitas vezes, quando somos jogadores, não olhamos ao plano tático, queremos é jogar, mas, olhando para trás, essa equipa taticamente era perfeita», recorda.

«Fazíamos pressão alta, mas usávamos o termo "pressionar em cima". O Marinho Peres tinha sido treinado pelo Rinus Michels no Barcelona e nós jogávamos com algumas dessas ideias. Jogávamos com uma defesa em linha, pressionávamos na frente, fazíamos fora de jogo na bola parada!», exclama.

Não era só Marinho Peres quem era importante e, mesmo no banco, facilmente se reconheciam as personagens. «Foi quando apareceram as salas de musculação e o Pina de Morais, que era o preparador físico, era muito evoluído para a altura. O Paulo Autuori era adjunto e tinha uma voz ativa na parte técnico-tática e tínhamos ainda o José Alberto Torres para os guarda-redes», conta Costeado.

O jogo, polémicas, golos: «Não faço ideia do que andava ali a fazer»

A entrada de Marinho Peres traz um update ao Vitória e Costeado insiste no plano tático.

«O Nascimento era médio-defensivo, mas a atacar fazia de terceiro central. Ele jogava a seis, mas vinha fazer a saída a três, como se diz agora. O [António] Jesus era um líbero nessa equipa! Na altura não o percebíamos, hoje é que se vê que essa equipa estava muito à frente», considera.

Nas análises sobre tática e estratégia, João Costeado solta uma gargalhada, já depois de soltar esta frase. «Quando estávamos à rasca, entrava o NKama para marcar livres!»

O Vitória-Sporting de 1986/87 é um desses exemplos. Embalado pelos 7-1 ao Benfica e pela vitória na Taça sobre o Beira Mar, os leões desferem o primeiro golpe. Manuel Fernandes marca o 1-0 e o resultado vai assim para o intervalo.

A ida para o balneário não é pacífica. Minutos antes, Ademir surge caído e com a cara em sangue após duelo com Fernando Mendes. «Lembro-me disso [confusão ao intervalo], são coisas do futebol, deu-nos motivação para vencer o jogo», garante Costeado.

NKama, o homem dos livres, vai a jogo após o descanso no lugar de Heitor. «Fez um golão de bola parada!»

O Sporting reclama um penálti sobre Silvinho, Veiga Trigo não atende e o Vitória depois tem uma falta a favor. É longe para muitos, mas Nkama atira com toda a fé e força que tem e bate Damas.

Paulinho Cascavel, melhor marcador desse campeonato, faz o 2-1 de penálti e, nove minutos depois do empate, Costeado acaba com as dúvidas e faz o 3-1 final.

«Lembro-me dessa jogada, sobre o lado esquerdo, em que o Ademir finta o Morato. Tinha marcado no ano anterior, mas foi uma sobra e eu rematei da entrada da área. Se me perguntar o que estava a fazer ali no meio da área, não faço ideia. Às vezes vejo o golo e continuo sem saber.»

A equipa da casa ganha a um «Sporting que era uma equipa grande, mas em nome» e cujas assimetrias com o Vitória eram bem menores: «Não havia diferença em termos de jogo, só no nome dos clubes.»

O Vitória sai do duelo com mais quatro pontos que os leões, mas tem logo o sempre ansiado dérbi do Minho, que vence por 4-0.

«Depois de ganhar ao Sporting, dar quatro ao Braga, imagine os adeptos do Vitória!», conclui Costeado, sobre a história de um grande duelo entre dois emblemas históricos e que naquela temporada resultou num pódio final para os vimaranenses e um inglório quarto posto para os lisboetas.

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