O homem que se segue no comando técnico leonino deverá ser João Pereira e, neste artigo, explicamos-lhe porque é esta a melhor opção: deve-se ao próprio Amorim, ao sistema tático e a Jorge Jesus. Ainda assim, João Pereira terá de evitar a "queda livre" e viver com a "inevitabilidade" da saída do sueco que "é de mais para Portugal"
Friedrich Nietzsche, o filosofo alemão, debateu-se com a ideia do que aconteceria a um grupo de homens que matasse Deus: o que veria a seguir? O mundo continuaria a girar? Tornar-se-iam eles próprios em deuses? As suas vidas ficariam desprovidas de qualquer sentido? Acabariam por cair em ruína? Para muitos talvez esta seja uma não questão, mas respostas definitivas para o exercício de Nietzsche não existem e, tudo isto, pode parecer nada ter a ver com futebol, mas de certo modo tem: qual vai ser o destino deste Sporting agora que atropelou os endeusados de Manchester? Ainda para mais, sem Amorim.
O comentador da CNN Portugal Nuno Farinha garante que "é difícil não considerar que este foi melhor jogo europeu da história do Sporting", ressalvando claro o "famoso cantinho do Morais" no jogo contra o MTK da Hungria que culminou na conquista da Taça dos Clubes Vencedores das Taças. "Entendo que para os adeptos do Sporting mais antigos esse seja o mais importante sempre", mas para os restantes que não viram essa final de 64 - grupo em que o próprio comentador se insere - este é o "jogo mais importante da história europeia do Sporting".
O feito leonino foi efetivamente hercúleo e prova disso é que derrotas do City de Guardiola na Liga dos Campeões por uma diferença superior a três golos há apenas duas: o 3-0, em Anfield, nos quartos de final de 2018 frente ao Liverpool e o 4-0, em Camp Nou, na fase de grupos de 2016 - primeira época de Guardiola - frente ao Barcelona, de Messi, Neymar e Suárez.
"Este jogo com o Man. City não representou uma conquista, mas ganhar àquela que é para muitos a melhor equipa do mundo, treinada pelo melhor treinador do mundo e eventualmente da história – como muita gente defende e eu também defendo que o Guardiola é o melhor de sempre -; fazê-lo desta forma, num jogo com o simbolismo que este tinha por ser o último jogo do Rúben em Alvalade, por ser um jogo que podia ser decisivo para o Sporting continuar em prova na Liga dos Campeões e fazê-lo com a margem que acabou por fazer, acho que sim: acho que é quase incontornável considerar este jogo o mais importante e simbólico e significativo da história europeia do Sporting", explica.
Há precisamente 24 horas, houve festa em Alvalade. O Sporting tinha acabado de vencer o poderosíssimo Manchester City, de Pep Guardiola, por 4-1. E se forem precisas mais evidências de que este é um feito raro e extraordinário para um clube português, Nuno Farinha lembra que o colosso de Inglaterra "não perdia na Liga dos Campeões há dois anos, tinha sido campeão europeu sem qualquer derrota e, no ano passado, foi eliminado da prova também sem qualquer derrota", mas a pergunta que impõe, tal como dilema de Nietzsche, é: e agora? Podem os leões continuar a escalar o monte do futebol europeu?
"Subir mais acho impossível, mas também achava impossível se continuasse a subri com Amorim, porque depois do que o Sporting fez não estou a ver qual seria o patamar. E não só o jogo com o City, mas este arranque da temporada, quando o Sporting tem apenas dois jogos não ganhos, um deles a Supertaça completamente atípica e estranha no início da época, e o outro é o empate em Eindhoven com o PSV, na Liga dos Campeões, que acaba por ser, em condições normais, um jogo e resultado positivos. Ou seja, o Sporting chega a novembro, e é tudo bom, tirando a Supertaça que deve ter doído, tudo o resto é bom, é tudo muito bom, os números que o Sporting tem, a qualidade do futebol do Rúben, o Sporting nunca jogou tão bem", explica Nuno Farinha.
O comentador da CNN Portugal explica que acredita que para ganhar ao Man. City de Guardiola são precisos dois fatores: competência e sorte. "Se for só competente contra o City, não chega; se for só sorte, também não chega; e isto foi o que o Sporting foi ontem, já houve jogos esta temporada em que o Sporting foi muito melhor", explica, garantindo: "É impossível ser melhor que isto, do ponto de vista de resultados e exibições".
E o que se pode dizer ao homem que segue (João Pereira)?
Nuno Farinha considera que esta é a notícia que se pode já dar aos sportinguistas, a Frederico Varandas e a João Pereira (o expectável próximo treinador dos leões): "João Pereira não vai melhorar o Sporting". Este, no entanto, não é um problema do treinador atualmente responsável pelas camadas jovens dos leões.
"Mas, não vai melhorar o João Pereira como não melhorava nenhum treinador. Se alguém conseguir manter um nível próximo já é extraordinário. E se João Pereira baixar um bocadinho o nível, quer das exibições, quer dos resultados, é perfeitamente aceitável", refere, lembrando que "a única coisa que os adeptos esperam é que o Sporting não caia a pique".
Todavia, esta "queda livre" do leão não expectável nem deverá acontecer, explica, porque a estrutura e administração do clube optaram pela opção João Pereira: "A solução que vai afetar menos a dinâmica que existe".
"Vai ser o treinador que vai mexer menos no que de bom está a acontecer. E isso não é menosprezar a capacidade do João Pereira, isto é ser inteligente. Se está tão bem, uma equipa não pode viver sem um treinador e o Sporting ficou sem um treinador. Qual é a melhor decisão? É encontrar um treinador que esteja disposto a mexer menos, mas que ao mesmo tempo conheça o treinador que estava, neste caso o Rúben Amorim, de preferência que tenha sido treinado por ele, algo que o João Pereira foi, de preferência que tenha sido treinado pela sua maior referência, assumidamente o Amorim diz que foi Jorge Jesus, por quem o João Pereira também foi treinado, de preferência alguém que já esteja no clube e alguém que já trabalhe até com o mesmo sistema tático, o 3-4-3, que é a forma como joga aqui o Sporting treinado pelo João Pereira", teoriza o comentador da CNN Portugal, lembrando que há algo de que todo o adepto leonino vai sentir saudades: "As conferências de imprensa, do dom natural para comunicar e para passar de uma forma sempre muito séria e ao mesmo tempo muito genuína, era sempre um acontecimento".
Chegar a Inglaterra como o próximo "sir" será de mais para Ruben?
Depois do jogo com SC Braga, no próximo domingo, Amorim ruma a Manchester. E há uma certeza, como o próprio reconheceu há muito tempo: "Em nenhum lado do mundo, há um contexto tão favorável para ele como o que teve no Sporting", lembra Nuno Farinha. "A realidade na Premier League será muito diferente", explica o comentador, Amorim é uma "pessoa inteligente e as pessoas inteligentes adaptam-se e ultrapassam os obstáculos".
Apesar dos esforços de prenunciados pelo próprio Amorim que vai tentar não ler a imprensa inglesa durante os primeiros seis meses em Manchester, o técnico - sobretudo depois do jogo de ontem - chega a Inglaterra debaixo da tão esperada ideia de que vai ser o próximo Alex Ferguson. "Comparar Amorim hoje a Alex Ferguson é impossível e perigosíssimo", Nuno Farinha lembra que este exercício, que tem sido feito na imprensa inglesa, é comparar "o treinador com mais títulos na história do futebol com alguém que há cinco anos era o treinador do Casa Pia". O comentador relembra que "é inacreditável o que fez, mas Amorim tem apenas 39 anos e cinco de carreira".
Para Nuno Farinha, o que esperam os adeptos dos Red Devils é que Amorim recoloque o Man. United como um dos candidatos à conquista da Premier League e que para o resto desta época termine num dos lugares da tabela classificativa que dão acesso à Liga dos Campeões.
Quanto às célebres conferências de imprensa, Nuno Farinha acredita que "a comunicação em inglês obviamente não o vai deixar tão à vontade como ele está, mas também eu acho que muito rapidamente isso vai deixar de ser um handicap". "E a melhor coisa que o Ruben Amorim tem, também não vale a pena confundir as coisas, não é capacidade de comunicação, essa é talvez a segunda melhor que tem, enquanto profissional de futebol, a melhor é mesmo a sua competência enquanto treinador", salienta., lembrando que o United é um "clube que só vive de vitórias, tudo o que não seja uma vitória é um mau dia e os adeptos vão cobrar".
"O Man. United, com o Amorim, vai voltar ter a capacidade, que já não tem há muito tempo, de voltar a entrar nessa luta. Se o Rúben conseguir isso, acho que é uma primeira pequena vitória. Depois é preciso algum tempo, alguma paciência, para se conseguir o mais importante, que é mesmo voltar a levantar aquele troféu de campeão da Premier League", prevêNuno Farinha.
Gyokeres: a "inevitabilidade" que "é de mais para Portugal"
Atingindo o expoente máximo das exibições de leão, há ainda outro tópico que atormenta a massa associativa: Viktor Gyökeres. Para Nuno Farinha, a saída é "uma inevitabilidade" e "vale pena" pensar-se o contrário.
"Os adeptos do Sporting já perceberam que ele vai ter de sair, porque não é possível que um jogador desta dimensão continue a Portugal mais tempo, não é mesmo possível, não faz sentido, não faz mesmo nenhum sentido", explica, realçando que em termos comparativos "a desproporção é tanta entre o nível do Gyökeres e aquilo que é o valor médio da nossa liga, que não dá para ficar mais tempo".
"É preferível aceitar as coisas tal como elas são, e a realidade é que o Gyökeres não é deste campeonato, é de um campeonato muito maior, é do melhor campeonato do mundo, é da Premier League", argumenta Nuno Farinha.
O comentador aconselha os adeptos leoninos a "interiorizar essa ideia de que Gyökeres vai mesmo partir no final da temporada". Mas porquê, o que mudou em relação à época anterior? "Dizia-se que ele marcava muitos golos, mas que era só em Portugal, coitado, o rapaz não podia marcar em mais lado nenhum porque nunca tinha jogado na Champions, e este ano começou a jogar na Champions e tem 5 golos marcados até novembro", diz.
"Portanto, acho que está explicado, não há dúvidas, que este jogador não dá para Portugal, não dá. É de mais para Portugal. Em Maio, acredito que alguém venha para bater a cláusula de rescisão do contrato dele com o Sporting, os tais 100 milhões, e que ele vai. Não faltará mercado, não será uma equipa nem duas nem três, acho que todas as grandes equipas na Europa vão querer o Gyökeres , se calhar algumas já o querem", antevê Farinha, lembrando que sair já no mercado de inverno "faz sentido", porque no novo formato, em janeiro, o "Sporting ainda vai estar ainda a jogar a Liga dos Campeões".
Em suma, isto é o que o futuro para que o adepto leonino se deve começar a preparar: o Sporting não terá a mesma performance sem Amorim; João Pereira é a melhor solução e deverá ser capaz de evitar qualquer tipo de "queda livre" exibicional; e , desta feita, não há como segurar o sueco de 1,90 metros que em 21 jogos já leva 27 golos.
Porém e não fosse Portugal o país do saudosismo, Nuno Farinha apresenta a perspetiva preferencial para a olhar para este Sporting a que ninguém estava habituado: "Gyökeres é um pouco como o Ruben Amorim, é muito bom o adepto do Sporting pensar que teve um treinador daquela qualidade, que transformou o clube da forma que transformou o clube, é muito bom. Da mesma forma que vai ser muito bom daqui uns anos os sportinguistas olharem para trás e perceberem que tiveram o Gyökeres durante dois anos, e foram eles que ajudaram a que a Europa e o mundo percebessem o jogador que estava ali e que o jogador Rúben Amorim conseguiu dali fazer. Um jogador que vinha do Championship, a segunda divisão inglesa, e em quem ninguém tinha reparado".