João Palhinha vs. Florentino

19 jan 2023, 23:17
João Palhinha e Florentino

«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol

Não é um dérbi. Tão pouco a tua oportunidade de te mostrares ‘imparcialzinho’. “Bro, eu sou do Benfica e sei que o João Palhinha é melhor do que o Florentino” – eu leio esta frase e imagino o puto a achar que já lhe cresceu o primeiro pêlo da barba. Senta-te aqui, bro. Pensa lá bem. Não será a imparcialidade inútil para a força do teu argumento? É que a menos que sejas o Diabo de Gaia ou o Carlos Dolbeth, eu parto do princípio de que és saudável o suficiente para avaliar um jogador sem te babares.

Hoje é um excelente dia para este frente a frente, porque hoje ficámos a saber que o Florentino tem agora mais sete quilos de massa muscular. Temos aqui um Adama Traoré em potência. Há lá jogador de futebol que não ambicione atingir o nível técnico de Adama Traoré? Quem diz Adama Traoré, diz Franck Kessié. Dois portentos físicos que chegaram ao Barcelona, mas também podiam ter chegado a porteiros do Urban.

Voltando ao frente a frente. Quantos mais quilos de massa muscular Florentino ganhar, mais próximo ficará de se poder sentar à mesa com João Palhinha, dizem. Contudo, enquanto o médio do Fulham é um exímio recuperador de bolas, o médio do Benfica é um exímio recuperador de bolas. Enquanto o médio do Fulham se mostra capaz de defender em campo aberto, o médio do Benfica mostra-se capaz de defender em campo aberto. Enquanto o médio do Fulham sabe utilizar o corpo para roubar a bola ao adversário, o médio do Benfica sabe utilizar o corpo para roubar a bola ao adversário. Além disto, o médio do Fulham sabe variar o centro do jogo, enquanto o médio do Benfica sabe variar o centro de jogo. Ora.

Nos parâmetros fortes de João Palhinha, Florentino é igualmente habilitado, superando o médio do Fulham em dois aspectos importantes: tem mais agilidade e recorre menos vezes à falta. Por outro lado, Florentino perde na capacidade de fazer a diferença na área – pelo ar ou pela relva – em lances de bola parada, além da menor apetência na meia distância – embora nenhum se distinga por aí, João Palhinha parte ligeiramente à frente do médio do Benfica.

Chegados aqui, percebemos que aquele bro era apenas um bro na puberdade. Ou então um bro que ainda analisa os médios-defensivos sem olhar às características com a bola, porque é precisamente aí que a balança desequilibra a favor de Florentino. A relação que o médio do Benfica tem com a bola é muito melhor do que a relação que o médio do Fulham tem com a bola. Florentino falha mais passes porque executa passes de maior risco. Aliás, explora quase sempre o passe vertical, aquele que queima linhas. Aprimorar esse ponto seria mais revelante para Florentino do que ganhar massa muscular, não pela falta de qualidade de execução – já referi que falha alguns (acerta mais), portanto, escusam de ser previsíveis e ir cortar o passe falhado no dérbi imediatamente anterior ao cartão amarelo mostrado a Otamendi –, mas porque nem sempre o jogo pede aceleração através de um passe dessa natureza e nem sempre tem um colega apto para recebê-lo em condições ou capaz de jogar em espaços curtos. Falta-lhe gerir melhor os ritmos, as necessidades da equipa em posse, mesmo dentro do energético sistema de Roger Schmidt.

Quanto a João Palhinha, esta reflexão não se aplica, uma vez que o médio do Fulham conhece as suas limitações e raramente entrega com risco, tendo no passe longo o recurso no qual se sente mais confortável para desequilibrar em posse. A nota relativa à auto-avaliação de João Palhinha acerca das suas limitações é outro dos seus pontos fortes, especializando-se nas coisas em que podia melhorar sem que prejudique o colectivo com as menos boas. No entanto, também é aí que começa a impossibilidade de ser um médio completo. Neste caso, um médio mais completo do que Florentino. Se há médios que requerem um contexto especial porque são pouco capazes nos momentos sem bola, há outros que também requerem um contexto especial porque são pouco capazes nos momentos com bola. Por exemplo, João Palhinha não será um médio determinante dentro de uma equipa que queira dominar adversários que afundem o bloco, privilegiando o ataque organizado, nem dentro de uma Liga cuja décalage individual entre a sua equipa e as restantes é enorme, já que isso lhe retirará protagonismo nas acções defensivas. Parece-me normal que reúna muitos mais aplausos se andar a roubar bolas aos jogadores do Liverpool do que se andar a roubar bolas aos jogadores do Arouca. Também me parece normal não ter de explicar que, no ano do título, o Sporting não foi uma equipa que tenha querido dominar adversários privilegiando o ataque organizado.

Podes dizer-me que a Florentino continua a faltar provar que é capaz de render num patamar mais difícil, que eu até ignoro as exibições na Champions League. Na boa, bro. Apenas te peço para não pensares com os pêlos da barba, porque ninguém ganha vantagem na fotografia só pelo papel de ‘imparcialzinho’:

“Bro, eu sou do Benfica e sei que o Ricardo Esgaio é melhor do que o Grimaldo”. Yo.

«Quem é que defende?» é um espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol. A autora escreve pelo acordo ortográfico antigo.

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