Tacklomania

27 jan 2023, 09:08
João Palhinha (FOTO: Fulham)

«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol

A Taberna do Mocho é local de culto para os bêbados. À variedade da carta disponível para o efeito junta-se a variabilidade dos temas dissertados à mesa. Mas bêbado que é bêbado anda sempre entre a aguardente e o futebol, por isso é que as mais prestigiadas tabernas nunca se preocuparam em tornar-se fancy. Aos anos que a cassete não muda e já houve quem se inspirasse na música para tocá-la noutras estações. Um sucesso.

Noutro dia, passei pela Taberna à procura do meu tio. Está velho, mas não está maluco. Gosta de beber o seu cheirinho de vez em quando e explica-me que frequenta o Mocho porque quando lá pára apercebe-se de que ainda não está senil. Foi o barómetro que encontrou.

Quando desviei as cortinas da porta que me lembram aquelas deliciosas gomas compridas ainda não passava das 17h, só que, agora, cedo escurece e as boas tabernas também são sombrias. O meu tio estava de pé, ao balcão. Notou-me logo e, discretamente, gesticulou para que me aproximasse. Atentava com ar de gozo na conversa entre dois indivíduos que se sentavam numa mesa pouco distante. Discutia-se sobre ski.

Dizia o indivíduo da boina axadrezada, muito indignado, que havia visto no Facebook um ranking que colocava Portugal como um dos países com menos praticantes de ski da Europa. Os rankings deixam as pessoas muito emocionais, mesmo quando a interpretação não as leva a deduções negativas. Por exemplo, neste caso, bastava lembrar que Portugal só tem uma estância de ski, como, aliás, indicava o camarada do indivíduo da boina. Só que o homem não se conformava com ficar num dos últimos lugares. Estava bêbado, coitado.

O episódio remontou-me à discussão da semana passada sobre as diferenças entre João Palhinha e Florentino. Houve quem reclamasse vitória após um ranking da Squawka ter mostrado que o médio do Fulham é o jogador da Premier League com mais tackles efectuados. Fiquei a imaginar pessoal com ranho a cair do nariz, a espetar-me o dedo do meio, entoando naquele tom embriagado: ‘Toma, toma… Já perdeste… Lá, lá, lá, lá, lá, lá…’. Vamos mesmo ter de assumir que sustentar opiniões futebolísticas através de uma folha de Excel é uma realidade. Parabéns, foram capazes de encontrar um barómetro pior do que o do meu tio.

Para começar, convém lembrar os mais distraídos de que só os jogadores que não têm a bola é que podem, naturalmente, efectuar tackles, ou seja, médios que estejam inseridos em equipas que passam a maior parte do tempo em posse, olha, azar o deles. Curiosamente, parece-me que, além de Florentino ser um desses casos, joga, por coincidência, num campeonato cuja diferença entre a qualidade individual da sua equipa para as restantes cava um fosso maior do que o de Alvalade.

Estes pontos não visam retirar mérito à espectacular apetência de João Palhinha enquanto recuperador de bolas, visam mitigar a vergonha alheia desta incoerente comparação, baseada num ranking que, não tendo cérebro, espera que usem o que vos calhou.

Para encontrarmos o médio-defensivo do 1.º classificado da Premier League, Thomas Partey, precisamos de chegar ao 40.º lugar do ranking. De resto, no 2.º lugar está Tyler Adams, do Leeds, clube que ocupa a 15.º posição no campeonato. Isto pressupõe que Thomas Partey desarma pior do que Tyler Adams e que Tyler Adams, com 71 tackles, está a 23 tackles de desarmar melhor do que João Palhinha, que soma 91? Não, a menos que tenhas uma boina axadrezada.

Há equipas que, frente ao Benfica, somam períodos em que se mostram incapazes de trocar mais do que três passes. Na Premier League, pese embora o Fulham, esta época, seja um colectivo competente a assumir o controlo dos jogos durante vários momentos, do outro lado existe sempre qualidade individual apta para causar problemas defensivos. Claro que esta lógica se estende a todas as equipas do Campeonato Inglês, contudo, Arsenal e Manchester City, pela ideologia dos respectivos treinadores e pela qualidade dos executantes, costumam mandar nas partidas mais do que os outros, daí a incongruência nas possíveis avaliações baseadas em números, já que, dentro de campo, as tarefas se afastam.

Os rankings deixam as pessoas muito emocionais.

Relacionados

Opinião

Mais Opinião

Patrocinados