Taremi e 'Os Três Porquinhos'

13 jan 2023, 00:24
FC Porto-P. Ferreira

«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol

A Liga Portuguesa é um indivíduo bizarro. Que tanto te abre o apetite, por culpa da qualidade individual à disposição, como se revela a pescada cozida que a tua mãe decide fazer à sexta-feira à noite, por culpa de Edson Mexer. É o restaurante que se gaba à boca cheia de estar apenas atrás dos cinco melhores do mundo ­– e do 6.º, que “só lá está por cunha” –, mas que aqui há dias voltou a contratar um dos cozinheiros que havia despedido em Outubro, após ter percebido que o substituto não era cozinheiro, era carteirista. Por vezes, a Liga Portuguesa sente-se injustiçada, considera que os mexericos dos patrões acabam por lhe beliscar o prestígio. Noutras, sente-se aborrecida, uma vez que desde 2012/13 que repete os mesmos nomes nos três lugares do pódio. No fundo, é a história d’Os Três Porquinhos, alternando entre o que, no fim, constrói a casa de tijolos.

Pelo meio destes estados de espírito, lá vai chegando o circo à cidade para animar a malta. O Clube Indignado Porque Não Pronunciam o Seu Nome Completo de Forma Exímia é um dos números que atrai mais crianças. Rivaliza com o já clássico Presidente na Sala de Imprensa Após Derrotas e Arbitragens Extremamente Desagradáveis. Contudo, o número mais afamado continua a ser A Luta pela Verdade Desportiva. Há quem espere de forma mais ansiosa pela ‘classificação da verdade’ do que pela rescisão de André Almeida, principalmente desde que emergiu Mehdi Taremi, distinguido pelos populares como especialista a sacar grandes penalidades. Ainda que me coloque à margem dessa distinção, estranho a falta de jeito de Nuno Santos.

Mehdi Taremi é o melhor avançado e um dos melhores jogadores da Liga Portuguesa. O seu brilhantismo no passe em terrenos recuados leva senhoras e senhores a questionarem-se se estarão perante um avançado ou um médio. E eu, ingénua, a pensar que Karim Benzema e Harry Kane já nos tinham mostrado, ao mais alto nível, que os avançados também podem ser criativos, que, além de participarem em golos, são decisivos noutros momentos do jogo. Hoje, num FC Porto carente de imaginação fértil em termos individuais, Taremi vai-se esforçando para disfarçar as saídas de Vitinha, Fábio Vieira ou Luis Díaz. Não porque se aproxime em termos de perfil, mas pela capacidade de, recorrendo às suas características, criar lances de golo iminente. Quem pisa zonas próximas do iraniano – Galeno, Evanilson, Toni Martínez, Gabriel Veron – habilita-se a ficar na cara do guarda-redes adversário, dada a facilidade com que o avançado do FC Porto descobre linhas de passe, mesmo quando o tempo e o espaço para executar são reduzidos.

Aos 30 anos, Taremi é um jogador total, de uma inteligência tática tão apurada que sabe muito bem como fazer a diferença nas várias zonas do campo e nos múltiplos contextos que um jogo de futebol oferece, ofensiva ou defensivamente. Essa panóplia de recursos varia desde a eficiência nas tarefas defensivas, aspecto sempre trabalhado por Sérgio Conceição nas suas equipas, à clara noção da necessidade de gerar dúvidas na linha defensiva contrária. Se tiver um colega a pedir bola no pé, procurará atacar o espaço; caso haja quem lhe garanta o ataque ao espaço, procurará garantir o contra-movimento. Assenta-lhe o estatuto de jogador de equipa, pois previligia mais o sucesso colectivo do que o individual, sendo que, quando, na época passada, se perdeu no período dos vários golos marcados por Evanilson, tentando acompanhá-lo, se desvirtuou.

A inteligência que Mehdi Taremi deixa nos pormenores acaba por se revelar a minha qualidade favorita. Junta aos detalhes na temporização os movimentos certos sem bola para abrir os espaços. Às execuções de passe para o sítio que deixa o outro nas melhores condições, mesmo que não seja o sítio mais óbvio ou de execução mais fácil, os gestos em que desequilibra sem que toque na bola. São apontamentos pouco exuberantes, no entanto, somente ao alcance daqueles que se distinguem pelo requinte técnico.

Abro o penúltimo parágrafo de uma apreciação sobre um avançado sem antes ter tocado na sua capacidade de finalização. Não porque Taremi seja fraco nesse capítulo, mas para provar que esse é só mais um de tantos parâmetros (alguns nos quais nem me debrucei, como as bolas paradas) avaliáveis. Mesmo que não possa ser apelidado de ‘matador’, Taremi possui um bom nível de aproveitamento face às oportunidades e várias soluções quando pretende chegar ao golo. Fica a sensação de que a idade o afastou de outros palcos.

Lá vai chegando o circo à cidade para animar a malta. Quando Mehdi Taremi joga, esquecemo-nos da pescada cozida à sexta-feira à noite, de Edson Mexer e do restaurante que contratou um carteirista para o lugar do cozinheiro. Mas a Liga Portuguesa é bizarra e conta a história d’Os Três Porquinhos.  

«Quem é que defende?» é um espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol. A autora escreve pelo acordo ortográfico antigo.

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