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Correspondente Médica CNN Portugal

“Bombardearam o hospital onde trabalhava e eu estava lá dentro”: relato de um médico na frente de batalha

26 ago 2022, 08:27

Sofia Baptista é correspondente médica da CNN Portugal. Este texto não está escrito ao abrigo do novo artigo ortográfico

- Olá, Pavlo, mais uma vez obrigada pelo teu tempo e disponibilidade para partilhares o teu testemunho.

- Olá, sem problema, Sofia, podes fazer perguntas.

Começou assim um telefonema em que os silêncios e interjeições me marcaram mais que as frases proferidas. O Pavlo – assim o chamarei, porque me pediu para proteger a identidade -, é um jovem cirurgião ucraniano que esteve na frente de combate da guerra e cujo contacto me foi dado por um colega comum, também médico, que trabalha para o Ministério da Saúde da Ucrânia.

Cheguei à guerra no segundo dia. Vi a morte à minha frente. Vi ferimentos em todas as partes do corpo”. Explicou que por questões de confidencialidade não pode detalhar pormenores dos ferimentos e lesões nos soldados a quem prestou assistência e também pelas mesmas razões apenas menciona que esteve na região Leste da Ucrânia. Assistiu não apenas militares, mas também civis atingidos pelos bombardeamentos. Indica que nunca havia recebido qualquer treino militar no passado, mas assim que começou a invasão da Ucrânia pela Federação Russa, a 24 de Fevereiro último, alistou-se como voluntário médico. Quando lhe perguntei as razões para ter tomado essa decisão sem hesitar, respondeu, transparecendo algum quase desconcerto perante a minha questão: “é o meu país, é a nossa terra!”.

Pergunto-lhe se sentiu medo: “sim, senti medo, mas apenas por um momento; os dias [junto à frente de combate] passam a um ritmo louco, é sempre como se se tivesse bebido uma bebida energética”. Peço ao Pavlo para me explicar a maior dificuldade e o maior desafio sentidos, enquanto médico, num cenário de guerra. ”A equipa de médicos a trabalhar comigo era reduzida, não tinha a oportunidade que temos no nosso trabalho clínico do dia-a-dia de perguntar a colegas mais experientes o que fazer em determinada situação, foi a maior dificuldade que senti. O maior desafio foi, sem dúvida, perante uma enfermaria que se enchia rapidamente de soldados a gritar de dor, decidir quais os mais urgentes a tratar, fazer essa triagem necessária”.  

Confirma que viu crimes de guerra a serem cometidos pelas tropas Russas.”Mataram civis. Bombardearam o hospital onde eu trabalhava e eu estava lá dentro”.

Indago que conselhos daria a um médico que estivesse prestes a partir para a frente de guerra. “Ler os protocolos, muito foco, mente aberta e estar preparado para tudo”, responde de forma rápida e resoluta. Antevê uma guerra longa. “A estratégia [da Rússia] é destruir. Por isso, o que mais precisamos neste momento da comunidade internacional é de armas”, conclui. Em termos pessoais, conta, gostaria de manter os planos de se dedicar por algum tempo à investigação clínica no estrangeiro. No entanto, neste momento, a sua vontade é “voltar à frente de guerra”.

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