Livro da autoria de Filipe Santos Costa e Liliana Valente é apresentado esta quarta-feira
Lembra-se do dia em que a estátua de Salazar em Santa Comba Dão foi decapitada? Ou quando Arlete dos eletrodomésticos quase foi a candidata do PRT/LCI em 1976? "Só Neste País".
Se as histórias não lhe são desconhecidas, mas não se lembra bem delas, Filipe Santos Costa e Liliana Valente decidiram compilá-las num livro, escrito entre Lisboa e Tóquio, e que é lançado esta quarta-feira, 16 de outubro.
Voltando a Salazar, a história que se passou em 1975 é contada pelos autores em quatro atos: prelúdio, ato I/II/III - e, no final, a estátua acaba apenas com a cabeça.
"Em agosto de 1980, os jornais noticiaram, discretamente, a prisão de um tal 'Daniel', militante do Partido Revolucionário do Proletariado (PRP). Fora julgado à revelia e condenado, acusado de ter destruído à bomba a estátua de Salazar. O atentado fez explodir o corpo e os membros do ditador – só não destruiu a cabeça, entretanto depositada em Coimbra, para eterno descanso", lê-se no capítulo "O caso do ditador sem cabeça".
Já a "camarada Arlete dos eletrodomésticos" podia ter sido a primeira mulher a candidatar-se à Presidência da República, em 1976, não fosse ter sido desmascarada antes das eleições por ser uma "ilustre desconhecida" que, ao invés de ter sido militante do PCP e ter sido detida pela PIDE, tinha andado "por outros presídios, mas por motivos diferentes e menos honrosos".
"Afinal, a 'camarada Arlete' era uma vigarista: nunca fora militante do PCP, nunca fizera política na clandestinidade, nunca fora presa pela PIDE – pela PIDE, note-se. Arlete terá afirmado ter estado presa durante três anos no Forte de Caxias, prisão que não foi possível confirmar em nenhum registo, não existindo contra ela qualquer processo político nos arquivos do Tribunal da Boa Hora."
Para além de histórias da década de 70, o livro conta ainda com episódios da história mais recente, como foi o caso dos "chifres" de Manuel Pinho. O então ministro da Economia do Governo de Sócrates participava no debate do Estado da Nação, em 2009, quando durante a intervenção do PCP, Bernardino Soares "lembrou o dia em que o ministro da Economia foi a Aljustrel 'entregar um cheque da EDP ao clube de futebol local'".
"Uma 'graçola' que, diria Pinho mais tarde, o deixou 'muito ferido' e 'revoltado'. Talvez por isso reagiu como touro enraivecido, dirigindo ao líder da bancada comunista o gesto de um par de chifres, colocando na testa os indicadores das duas mãos. Os socialistas ficaram incrédulos", lê-se no capítulo "Morte na Arena". E Pinho, "muito ferido" e "revoltado", acabou por perder o cargo.
Mas as histórias a envolver ministros e deputados não ficam por aqui. Corria o ano de 2020 quando Ricardo Rodrigues, vice-presidente do grupo parlamentar do PS, foi entrevistado por dois jornalistas da Sábado na biblioteca da Assembleia da República.
Durante a "entrevista dura" sobre questões do seu passado, o deputado foi garantindo que se encontrava "sereno e calmo", mesmo ao ser confrontado "com histórias mais ou menos obscuras do seu passado".
"Entre os temas 'duros', estava o envolvimento – 'nunca provado', como sublinhava o jornalista –, do político num escândalo de pedofilia nos Açores, quando fazia parte do Governo Regional. Foi a gota de água. 'O que é que quer que eu faça? Os tribunais não me acusam'; e, sem acabar a frase, o deputado aproximou -se da mesa, fez um subtil movimento de mãos e levantou-se enquanto metia as duas mãos nos bolsos levando em cada uma os gravadores que estavam sobre a mesa. E foi -se embora, sem que os jornalistas tivessem tempo de reagir."
O momento foi filmado e divulgado pela Sábado e o deputado - que pretendia a destruição das gravações - acabou condenado. No entanto, o PS nunca lhe retirou a confiança, manteve-o no cargo e até o nomeou para o Conselho Geral do Centro de Estudos Judiciários.
Outro dos ministros envolvidos em polémica, e de que Filipe Santos Costa e Liliana Valente não esquecem, foi Miguel Relvas e a sua carreira académica.
Ao longo de vários parágrafos que descrevem a vida académica do então ministro dos Assuntos Parlamentares "no Governo do seu amigo Passos". Uma vida académica cujo "diabo estava nos pormenores".
"Em 1984, Miguel inscreveu-se em Direito na Universidade Livre – fez uma cadeira do 1.º ano; no ano seguinte, quando pela primeira vez tomou posse como deputado, escreveu nas habilitações literárias que era aluno do '2.º ano de Direito', o que era um manifesto exagero… Passaram 23 anos até que Miguel Relvas obtivesse, finalmente, uma licenciatura. Demasiado tarde, dirão alguns: demasiado depressa, atalharão outros. Como sempre, o diabo estava nos pormenores. Em 2007, Relvas licenciou-se em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona, onde se matriculara em 2006. Um recorde: em apenas um ano, Relvas obteve uma licenciatura equivalente a 36 cadeiras e 180 créditos. Como se explicava tão prodigioso percurso? Com equivalências."
Tendo em conta que a "estima popular pelo executivo de Passos andava, por esses dias, ao nível do rés-do-chão", a licenciatura de Relvas, "com indícios de tratamento de favor, enterrou ainda mais a popularidade da coligação".
"Por outro lado, fez de Relvas a figura mais famosa do Governo. 'Vai estudar, Relvas!' tornou-se pregão nacional, repetido onde quer que o ministro fosse, ou não fosse." E até chegou à Volta à França.
Ao longo de quase 400 páginas, as histórias são mais do que muitas e com diversos protagonistas. E, claro, há um que não poderia faltar e que aparece ao longo do livro: Marcelo Rebelo de Sousa.
A participação do atual Presidente da República começa pelo episódio das memórias: aos 27 anos, o então jornalista Marcelo preparava-se para lançar o primeiro volume das memórias. O anúncio foi feito durante uma entrevista com Balsemão - a quem viria a chamar "lelé da cuca" anos mais tarde - mas o livro nunca seria lançado.
E "lelé da cuca" foi uma expressão que acompanharia Marcelo ao longo dos anos, até mesmo em 2024, apesar de por outras palavras.
Recentemente, o jornal Tal & Qual fazia manchete a questionar se "Marcelo está bom da cabeça" e em que ouvia vários especialistas, tendo como conclusão que "Marcelo 'provavelmente sofre de uma perturbação narcísica'".
"O jornal chegou a Belém, a provocação tocou-lhe no nervo e Marcelo não se conteve. Telefonou para a redação, decidido a provar que estava de boa saúde, física, mental e política. Ao fim de cerca de um quarto de hora de telefonema, Marcelo acabou a autoanálise concluindo que não estava chalupa."
Mas não ficou por aqui, como recordam os autores. "Para travar futuros questionamentos sobre as suas capacidades, o Presidente assumiu um desusado compromisso, jurando que quando lhe faltar o juízo o Tal & Qual terá uma manchete dada pelo próprio. 'Não estou maluco, estou igual ao que sempre fui,
mas prometo que quando tiver o primeiro sinal avalizado por especialistas, ou sentido por mim, telefono ao Tal & Qual e aviso que estou chalupa'. As declarações atribuídas a Marcelo nunca foram desmentidas, provando o adágio popular: de médico e de louco, todos temos um pouco."
A frase haveria de se virar contra Marcelo quando estourou a polémica que envolveu o filho, Nuno Rebelo de Sousa, e as gémeas luso-brasileiras. Num jantar, a 23 de abril de 2024, para a celebração dos 50 anos de Revolução, Marcelo falou "sem filtros" do "filho, dos netos, do primeiro-ministro em funções e do seu antecessor, da procuradora-geral da República. Por todos distribuiu uma pitadinha de veneno".
O facto de, ao longo de quatro horas, o Presidente da República ter falado abertamente sobre tudo - chamando a Luís Montenegro "rural", a Costa "lento" por "ser oriental" e considerando "maquiavélico" o comportamento da procuradora-geral da República quando abriu o inquérito ao caso das gémeas - fez com que o Tal & Qual não esquecesse as palavras de Marcelo.
Até porque, posteriormente, quando confrontado com o que disse no jantar dos correspondentes, o Presidente "explicou, outra vez, que não era bem assim".
"Com o país a questionar-se sobre o que teria passado pela presidencial cabeça, José Miguel Júdice, um velho conhecido do inquilino de Belém, foi à televisão dizer que o problema está mesmo na cabeça de Marcelo. 'Isto resulta de Marcelo estar desnorteado, doente, isolado e infeliz, e de ter perdido os filtros que uma mente saudável permite ter sempre alerta'. Em tom de brincadeira, o chefe do Estado respondeu que não estava 'caquético'. Pelo sim, pelo não, o Tal & Qual – o jornal a que Marcelo prometera avisar quando estivesse 'chalupa' –, apressou -se a cobrar a promessa, escrevendo na manchete: 'Sr. Presidente, ligue quando quiser.'"