Cientistas descobrem factos novos sobre mistério com quase 1000 anos. E por isso: vem aí uma oportunidade única

CNN
15 set, 12:00
Supernova

A astronomia e a astrofísica são continuamente fascinantes

Uma supernova brilhou no céu noturno há 1000 anos. Os astrónomos encontraram agora os restos da “estrela zombie” dela

por Jacopo Prisco, CNN

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Durante seis meses, em 1181, uma estrela moribunda deixou uma marca no céu noturno.

O impressionante objeto apareceu tão brilhante como Saturno nas proximidades da constelação Cassiopeia e as crónicas históricas da China e do Japão registaram-no como uma “estrela convidada”.

Os astrónomos chineses usavam este termo para designar um objeto temporário no céu, muitas vezes um cometa ou, como neste caso, uma supernova - uma explosão cataclísmica de uma estrela no fim da sua vida.

O objeto, agora conhecido como SN 1181, é uma das poucas supernovas documentadas antes da invenção dos telescópios e tem intrigado os astrónomos durante séculos.

Agora, um novo estudo descreveu pela primeira vez a SN 1181 em pormenor, criando um modelo computorizado da evolução da supernova desde imediatamente após o aparecimento da explosão inicial até hoje. A equipa de investigação comparou o modelo com observações de telescópio de arquivo da sua nebulosa - a nuvem gigante de gás e poeira, visível até hoje, que é o remanescente do evento monumental.

Os investigadores disseram que a análise sugeria fortemente que a SN 1181 pertence a uma classe rara de supernovas chamada Tipo Iax, em que a explosão termonuclear pode ser o resultado não de uma mas de duas estrelas anãs brancas que colidiram violentamente, mas que não conseguiram detonar completamente, deixando para trás uma “estrela zombie”. 

“Há 20 ou 30 candidatos a supernovas do tipo Iax”, disse Takatoshi Ko, autor principal do estudo publicado a 5 de julho no The Astrophysical Journal. “Mas esta é a única que conhecemos na nossa própria galáxia.” Ko é um estudante de doutoramento em astronomia na Universidade de Tóquio.

Além disso, o estudo também descobriu que, inexplicavelmente, o vento estelar de alta velocidade, detetado em estudos anteriores, começou a soprar da superfície da estrela zombie há apenas 20 anos, aumentando a aura misteriosa da SN 1181. Segundo os especialistas, desvendar o mecanismo por trás deste evento de supernova pode ajudar os astrónomos a compreender melhor a vida e a morte das estrelas e a forma como estas contribuem para a formação dos planetas.

Falha na detonação de uma supernova

Foram precisos 840 anos para os astrónomos resolverem o primeiro grande enigma da SN 1181 - determinar a sua localização na Via Láctea. A estrela moribunda era a última supernova pré-telescópica sem vestígios confirmados, até que, em 2021, Albert Zijlstra, professor de astrofísica na Universidade de Manchester, em Inglaterra, a localizou numa nebulosa da constelação Cassiopeia.

A astrónoma amadora Dana Patchick descobriu a nebulosa em 2013, ao pesquisar o arquivo do Wide-Field Infrared Survey Explorer, ou WISE, da NASA. Mas Zijlstra, que não esteve envolvido no novo estudo, foi o primeiro a fazer a ligação à SN 1181.

“Durante o auge da covid tive uma tarde calma e estava sentado em casa”, diz Zijlstra. “Fiz a correspondência entre a supernova e a nebulosa usando registos de antigos catálogos chineses. Penso que essa correspondência é agora geralmente aceite - muitas pessoas analisaram-na e concordaram que parece estar correta. Este é o remanescente dessa supernova.”

A nebulosa está a cerca de 7000 anos-luz da Terra e no seu centro há um objeto de rotação rápida, do tamanho da Terra, chamado anã branca - uma estrela densa e morta que esgotou o seu combustível nuclear. A caraterística é invulgar para um remanescente de supernova porque a explosão devia ter obliterado a anã branca.

Zijlstra e os seus coautores escreveram um estudo em setembro de 2021 sobre a descoberta. O relatório sugeria que a SN 1181 podia pertencer à elusiva categoria de supernova Tipo Iax devido à presença desta anã branca “zombie”.

As observações de raios X do telescópio XMM-Newton da Agência Espacial Europeia mostram a extensão da nebulosa da supernova - uma nuvem gigante de gás e poeira - e o Observatório Chandra de raios X da NASA aponta a sua fonte central, uma estrela anã branca que, curiosamente, não contém hidrogénio nem hélio foto NASA/CXC/ESA

Na supernova de tipo Ia, mais comum, uma anã branca que se forma quando uma estrela semelhante ao Sol esgota o seu combustível começa a acumular material de outra estrela próxima. Muitas estrelas existem em pares, ou num sistema binário, ao contrário do Sol. A anã branca acumula material até entrar em colapso sob a sua própria gravidade, reacendendo a fusão nuclear com uma explosão maciça que cria um dos objectos mais brilhantes do Universo.

O tipo Iax, mais raro, é um cenário em que esta explosão, por alguma razão, é interrompida. “Uma possibilidade é que o Tipo Iax não seja tanto uma explosão, mas uma fusão de duas anãs brancas”, afirma Zijlstra. “As duas juntam-se, batendo uma na outra a toda a velocidade - e isso pode gerar muita energia. Essa energia provoca o brilho súbito da supernova.”

Esta colisão maciça pode explicar outro aspeto curioso da estrela zombie SN 1181. Não contém hidrogénio nem hélio, o que é muito invulgar no espaço, refere Zijlstra.

“Cerca de 90% do Universo é constituído por hidrogénio e o resto é quase exclusivamente hélio. Tudo o resto é muito raro”, explica. “É preciso procurar 10.000 átomos para encontrar um que não seja hidrogénio ou hélio. Mas a nossa estrela (o sol no centro do nosso sistema solar) só tem (principalmente) esses átomos. Portanto, claramente, algo de extremo aconteceu à (estrela zombie).”

Vento estelar inexplicável

Com o conhecimento de onde procurar a SN 1181 e a sugestão de que podia ser uma remanescente do Tipo Iax, Ko e os seus colegas começaram a trabalhar para descobrir os seus segredos.

“Ao seguir com precisão a evolução temporal da remanescente, conseguimos obter pela primeira vez propriedades detalhadas da explosão da SN 1181. Confirmámos que estas propriedades detalhadas são consistentes com uma supernova de Tipo Iax”, diz Ko, acrescentando que o modelo computacional do estudo é consistente com observações anteriores da remanescente feitas por telescópios, incluindo o telescópio espacial XMM-Newton da Agência Espacial Europeia e o Observatório de Raios-X Chandra da NASA.

A análise de Ko mostra que duas regiões de choque distintas constituem o remanescente da SN 1181. Uma exterior formou-se quando o material foi ejetado pela explosão da supernova e encontrou o espaço interestelar. Uma interior, mais recente, é mais difícil de explicar.

O estudo sugere que esta região de choque interior pode ser um sinal de que a estrela começou a arder novamente, séculos após a explosão, levando a uma descoberta surpreendente, acrescenta Ko: O vento estelar de alta velocidade parece ter começado a soprar da superfície da estrela há apenas 20 a 30 anos.

Normalmente, este fluxo rápido de partículas, a que os astrónomos chamam vento estelar, devia sair da anã branca como um subproduto da rotação rápida da estrela logo após a explosão da supernova.

“Não compreendemos totalmente porque é que a estrela reacendeu e o vento estelar começou tão recentemente”, diz Ko. “Teorizamos que a estrela reacendeu porque a SN 1181 foi uma supernova de Tipo Iax, que é uma explosão incompleta. Como resultado, o material ejetado pela explosão não escapou completamente e permaneceu dentro da influência gravitacional da anã branca central. Este material podia eventualmente ter-se agregado à anã branca devido à sua gravidade, provocando o seu reacendimento.”

No entanto, Zijlstra observa que essa teoria está em contraste com as observações que mostram que o brilho da estrela diminuiu ao longo do último século.

“Não é claro como é que isso se relaciona com o facto de o vento se ter ligado. Eu esperava que a estrela tivesse brilhado em vez de se ter desvanecido.”

Ko e os seus colegas estão cientes deste problema e acreditam que existe alguma relação entre o vento e o escurecimento e estão a investigá-la.

A supernova SN1181 apareceu no céu noturno em 1181 d.C. e a sua nebulosa continua a brilhar. O Explorador Espacial de Infravermelhos de Campo Amplo da NASA capta a nebulosa em luz infravermelha foto NASA/JPL/Caltech

Os investigadores estão a preparar novas observações da SN 1181 com dois instrumentos que ainda não utilizaram: o Very Large Array de radiotelescópios no Novo México e o Telescópio Subaru no Havai.

Estes estudos, segundo Ko, vão ajudar a informar os cientistas sobre o conhecimento de todas as supernovas.

“As supernovas de tipo Ia foram cruciais para descobrir a expansão acelerada do Universo”, afirma. “Mas apesar da sua importância, o seu mecanismo de explosão permanece desconhecido, o que faz dele um dos desafios mais significativos da astronomia moderna.”

Ao estudar a SN 1181 e a sua explosão incompleta, os cientistas podem obter informações sobre o mecanismo das supernovas de Tipo Ia.

Oportunidade de uma vida

Uma vez que objetos como a SN 1181 são importantes para a produção de muitos dos elementos de que os humanos também são feitos, estudá-los é uma grande oportunidade, de acordo com Zijlstra.

“Estes eventos muito energéticos podem acumular elementos mais pesados do que o ferro, como as terras raras. É valioso ter um exemplo de um evento deste tipo de há 1000 anos - ainda podemos ver os materiais ejetados e talvez possamos ver no futuro exatamente que elementos foram criados no evento.”

Este conhecimento ajudaria os cientistas a compreender como a Terra se formou e obteve estes elementos, acrescenta Zijlstra.

Historicamente, as observações antigas de supernovas têm sido de extrema importância para a astrofísica moderna, sublinha Bradley Schaefer, professor emérito de astrofísica e astronomia na Universidade Estatal do Louisiana, que não esteve envolvido no último estudo.

Schaefer acrescenta que o SN 1181 representa uma das poucas ligações fiáveis entre supernova e remanescente de supernova. O objeto é importante porque é o único caso possível para obter boas observações do elusivo Tipo Iax.

“A perceção é que as supernovas do Tipo Iax constituem cerca de 20% das supernovas em qualquer galáxia, incluindo a nossa Via Láctea, e podem formar a maior parte da misteriosa poeira no Universo primitivo”, diz Schaefer num e-mail.

No nosso tempo de vida, acrescenta, os astrofísicos não vão ter nenhum caso melhor observado de um evento do tipo Iax, pelo que os investigadores devem esforçar-se por compreender a SN 1181.

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