Peritos em Engenharia e Geologia pedem ao Governo um plano urgente para o reforço sísmico dos infantários, escolas e hospitais da metade Sul do território, onde pode acontecer um terramoto violento a qualquer momento
Centenas de berçários e infantários estão instalados em edifícios de habitação antigos, que vão colapsar ou sofrer danos severos quando se repetir um grande terramoto. “Os edifícios gaioleiros vão ter problemas, desde pequenas fissuras a colapsos, o que coloca em risco a vida das crianças”, avisa Carlos Sousa Oliveira, primeiro português doutorado em Engenharia Sísmica, na Universidade da Califórnia. “É urgente um programa nacional de reforço de infantários e de escolas” concorda Mário Lopes, doutorado na mesma área pelo Imperial College, de Londres.
Os dois professores do Instituto Superior Técnico (IST) pedem ao Governo que acelere o levantamento das condições de segurança e as obras de reforço das escolas, públicas e privadas, das regiões expostas a grandes terramotos. Estudos técnicos realizados em Lisboa e no Algarve revelaram que as crianças em idade escolar também correm risco de vida no período letivo.
Na região sísmica, só o Hospital Luz Lisboa dá garantias de assistir os feridos do próximo grande terramoto, porque é o único com isolamento de base contra sismos. O IST foi contratado em 2006 pelo Ministério da Saúde para fazer a avaliação de risco dos hospitais. A ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e o seu antecessor, Manuel Pizarro, censuraram a divulgação dos resultados, contra o parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.
O erro histórico do PRR
A Câmara Municipal de Lisboa, na época de António Costa e Fernando Medina, autorizou a construção do Centro Champalimaud, do Hospital CUF Tejo e do museu MAAT em áreas que vão ser inundadas por um tsunami. A decisão contraria um parecer pedido pela autarquia ao IST, que chamava a atenção para o risco que isso representa para pessoas com mobilidade reduzida. “Será praticamente impossível salvar as pessoas em macas e cadeira de rodas”, lamenta Mário Lopes. “Embora a comunidade científica clame há muito tempo que isto não pode ser assim, há outras forças que se levantam e que deixam fazer esses edifícios nessa zona”, critica Sousa Oliveira.
O PRR português consigna 700 milhões de euros ao melhoramento energético de edifícios, mas não orçamentou um cêntimo para a resistência sísmica. Os peritos consideram esta opção política um absurdo. “Fazer só a reabilitação energética não serve para nada. Porque se vier um sismo destrói tudo e perdemos tudo”, recorda. Os professores do IST chamam a atenção para as melhores práticas internacionais, em que os dois objetivos são conjugados.
É o que acontece com o PRR italiano, que reservou mil milhões de euros para obras combinadas de resistência sísmica e de melhoria energética. Com esse financiamento comunitário, estão a ser recuperadas 170 escolas em Itália. Em Portugal, as obras estão atrasadas porque o Estado Central e as autarquias não se entendem quanto ao financiamento.
A Itália despertou para o problema tarde demais – e da pior forma possível. Na manhã de 31 de outubro de 2002, um sismo matou 27 crianças, dos seis aos dez anos, numa escola primária de Molise. A Magnitude de 5.4 foi muito semelhante à registada em Portugal esta semana. A diferença é que, em Itália, o epicentro deu-se em terra e não a dezenas de quilómetros da costa. Um próximo aviso no nosso território também poderá ter características semelhantes.