Eugénia Correia "não tem competência para contactar o SIRP". Atuação dos serviços de informações é "errada e ilegal"

18 mai 2023, 12:51
Eugénia Correia ouvida na comissão parlamentar de inquérito à TAP (António Cotrim/Lusa)

Rogério Alves não tem dúvidas de que a atuação do SIS na recuperação do computador foi "errada e ilegal". António Rodrigues, ex-membro do Conselho de Fiscalização do SIRP, diz que o telefonema foi uma "enorme precipitação" e rejeita uma "ameaça à segurança nacional"

A chefe de gabinete de João Galamba, Eugénia Correia, afirmou, esta quarta-feira na comissão de inquérito à TAP, que ligou para o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), órgão que coordena o Serviço de Informações de Segurança (SIS) e que depois recebeu uma chamada dos Serviços Secretos para relatar o que se tinha passado. Rogério Alves, ex-bastonário da Ordem dos Advogados e comentador da CNN Portugal não tem dúvidas de que o próprio SIS devia ter encaminhado o assunto para a Polícia Judiciária e que a sua intervenção foi "errada e ilegal".

"Pode haver por parte da chefe de gabinete ignorância relativamente às funções do SIS e, portanto, ela pode no quadro do desconhecimento da lei, ligar para quem quiser", afirma Rogério Alves em declarações à CNN Portugal.

No entanto, considera que, "em primeiro lugar é muito anormal que exista uma regra que determine, que em alguns casos se deve ligar para o SIS. Não faz nenhum sentido, porque não há casos nenhuns em que se deva ligar para o SIS". Mas não só. Se Eugénia Correia "erradamente se dirigiu a um órgão de Estado, cujas funções não são aquelas, o órgão deve dizer «olhe isso não está no quadro das minhas atribuições, dirija-se à entidade tal»", acrescenta o comentador.

Até porque, perante a alegação da existência de informação classificada no computador, Rogério Alves explica: "Mesmo a recuperação de segredos de Estado, postos em risco, é competência da Polícia Judiciária. Isso decorre claramente da lei". E, por isso, a atuação, dos serviços secretos é "ilegal".

"A intervenção do SIS não tem justificação em quadro nenhum", garante. "O SIS é um serviço de produção e recolha de informação, mas não é recolha de informação ir buscá-la ao computador das pessoas. É recolha no sentido de se aperceber de coisas importantes que possam ser úteis para o Estado português. Criar uma base de dados que constitua um manancial de informações relevantes: movimentos terroristas, sobre o agravamento de tensões aqui ou ali, sobre factores de potencial perigosidade como manifestações públicas que possam por em causa a tranquilidade, etc". é apenas "produção de informação. É o que diz a lei".

"Se a chefe de gabinete por iniciativa própria tentou entrar em contacto com o SIS, fez mal. O SIS ao aceder ao contacto dela e ao dar andamento a esse contacto, fez mal. O facto de haver instruções, aparentemente, para que em determinados casos se contacte o Sistema de Informação da República Portuguesa, ou seja lá o que for, está errado", afirma. "Porque todas as questões que dizem respeito ao risco, na pratica de crime, para a segurança nacional, etc, devem ser reportados à Polícia Judiciária", conclui.

E, talvez por isso, acrescenta Rogério Alves, "não há ninguém que diga assim, a intervenção do SIS baseou-se no n.º 3, do artigo 2 da lei tal. Ninguém consegue dizer isso. Era tão fácil dizer 'isto baseou-se na lei tal, artigo tal'. E pronto acabou a conversa".

Chefe de gabinete "não tem competência para contactar o SIRP"

Também António Rodrigues, ex-membro do Conselho de Fiscalização do SIRP, afirmou esta quinta-feira na CNN Portugal que a chefe de gabinete de João Galamba não tinha competência para contactar a entidade. O telefonema foi uma "enorme precipitação", acrescenta, rejeitando a "ameaça à segurança nacional".

Questionado sobre se a chefe de gabinete tinha competência para fazer o telefonema, António Rodrigues não teve dúvidas: "Pelo facto de ser chefe de gabinete não tem. Terá, eventualmente, como qualquer cidadão o direito de fazer uma denúncia relativamente a uma situação que é incorreta".

Até porque a chefe de gabinete assumiu "que participou um roubo e essa situação devia ter sido levada à entrada da polícia criminal - e não de qualquer outra entidade", explica.

Mas o ex-membro do Conselho de Fiscalização do SIRP admite que, se tivesse sido confirmado que havia uma real ameaça verdadeira à segurança nacional, "naturalmente que podia ter havido uma intervenção dos Serviços de Informações, porque eles existem para impedir que as ameaças se concretizem, de um ponto de vista preventivo". Todavia, olhando para tudo o que aparentemente se passou, e ouvindo a comissão, "nada disso acaba por configurar uma ameaça à segurança nacional", conclui.

Vai mais longe e admite várias hipóteses para a sequência de eventos, sendo uma delas uma eventual "vingança" por parte do Ministério das Infraestruturas para com o adjunto.

Afinal, o que é que o SIS pode fazer?

O SIS, criado em 1986, é responsável pela recolha e análise de informações de forma a garantir a segurança nacional e prevenir atos de sabotagem, terrorismo ou espionagem que coloquem em causa o Estado de Direito. Devido ao passado das secretas ligado à ditadura, o SIS tem as suas capacidades bastante limitadas quando comparado com as restantes agências europeias.

A recolha de informações pode ter origem de várias fontes. O SIS pode obter informações de fontes humanas, de meios técnicos, como a vigilância eletrónica, a monitorização de comunicações, bem como através da partilha de informações com serviços de informações estrangeiros com os quais Portugal tem acordos de cooperação.

Com base na análise das informações obtidas, as secretas portuguesas analisam e avaliam o risco que determinadas ameaças possam representar para o país. Caso seja necessário, é possível que esta agência tome medidas para atuar preventivamente em colaboração com outras instituições de segurança, como a Polícia Judiciária ou a Guarda Nacional Republicana, de forma a proteger a segurança do país.

O que é que o SIS não pode fazer?

O SIS não tem poder para fazer detenções ou conduzir investigações criminais. Esta função é da responsabilidade da Polícia Judiciária e de outras polícias. Segundo a lei-quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa, os agentes do SIS “não podem exercer poderes, praticar atos ou desenvolver atividades do âmbito ou competência específica dos tribunais ou das entidades com funções policiais”.

Além disso, as secretas não podem conduzir ações de vigilância indiscriminada sem a devida autorização judicial. “Pelo que eu conheço da lei-quadro que regula os serviços de informações, nunca pensei que se fosse fazer apelo à intervenção do SIS para recuperar um computador, mesmo que tivesse documentos classificados. O SIS não é um órgão de polícia”, afirmou à CNN Portugal António Rodrigues, antigo membro do Conselho de Fiscalização do SIRP.

O SIS é, exclusivamente, uma agência focada nas informações internas e não tem autorização para conduzir operações de recolha e análise de informações no estrangeiro sem autorização. Essas funções pertencem aos Serviços de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e aos Serviço de Informações e Segurança Militar (SISM).

O Governo pode dar ordens diretas ao SIS?

Não, o Governo português não pode dar ordens diretas a atividades específicas do SIS. O papel do executivo em relação ao SIS é definir as políticas de segurança nacional e estratégias para a proteção do país e o SIS é responsável por recolher e analisar informações relevantes para apoiar essas políticas, apresentando relatórios detalhados com as informações obtidas.

No entanto, o Governo tem a capacidade de nomear o diretor-geral do SIS, que é responsável pela gestão da agência. Embora este deva informar o primeiro-ministro das atividades do SIS, não está sujeito a ordem diretas do mesmo.

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