Hepatite aguda em crianças: há um sintoma que pode ajudar os pais a identificar a doença

20 abr 2022, 18:01
Enfermeiros tiram sangue a criança para testar em laboratório (Foto: AP)

Vários países europeus e os Estados Unidos reportaram dezenas de casos de hepatite aguda de origem desconhecida em crianças. Especialistas dizem que os sintomas são "inespecíficos" e podem ser confundidos com os de uma gastroenterite ou gripe, exceto a icterícia, que normalmente sugere problemas no fígado

As hepatites virais são muitas vezes descritas como doenças silenciosas e subdiagnosticadas: o vírus pode infetar o fígado sem sintomas durante anos até que a doença evolua para uma forma mais grave e sintomática. Mas não é este o caso das hepatites agudas, que causam normalmente mal-estar, náuseas, vómitos, diarreias ou perda de apetite

A hepatite aguda manifesta-se subitamente e acaba por resolver-se de maneira espontânea ao fim de algumas semanas, tirando raros casos mais graves que só se resolvem com um transplante de fígado. Recentemente, dezenas de casos de hepatite aguda foram registados em crianças de vários países europeus e nos Estados Unidos, com uma particularidade: a origem da doença é desconhecida, pois não é causada por nenhum dos vírus habitualmente associados à hepatite, nem pela exposição a qualquer agente tóxico.

Segundo a Organização Mundial de Saúde e o Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC na sigla original), esta hepatite aguda será provavelmente causada por um agente infeccioso, que até agora não foi identificado. Em Portugal, segundo confirmou à CNN Portugal o diretor do Programa Nacional para as Hepatites Virais, Rui Tato Marinho, não foi reportado qualquer caso de hepatite aguda pediátrica de origem desconhecida, mas as autoridades estão alerta. 

"Uma hepatite aguda é uma inflamação do fígado, quando um vírus entra pela primeira vez no ser humano e provoca alterações no fígado", explica o especialista, acrescentando que os sintomas são, normalmente, "inespecíficos" e comuns a muitas outras doenças, como gastroenterites ou gripes.

"São formas de hepatite bem mais agressivas do que acontece, por exemplo, na hepatite A", realça à CNN Portugal Alberto Caldas Afonso, diretor do Centro Materno-Infantil do Norte. A sintomatologia associada à hepatite aguda passa normalmente pela dor abdominal, vómitos, mialgias ou icterícia das escleróticas (cor amarelada na parte branca dos olhos) - este último sendo o único sintoma que permite aos pais ou cuidadores, por exemplo, desconfiarem que se está perante um problema do fígado.

"Mas a criança não precisa de ter icterícia para que um médico suspeite de hepatite aguda", garante Caldas Afonso, acrescentando que os pediatras "estão bem preparados para a identificar".

A confirmação das alterações nas enzimas do fígado e consequente inflamação do órgão faz-se através de análises sanguíneas. Nos casos da doença notificados, sabe-se que as análises feitas às enzimas hepáticas mostravam valores muito alterados, com os restantes sintomas muito semelhantes aos de outras doenças, deixando os mais pequenos prostrados e sem apetite. 

Segundo informações divulgadas pelo Centro Europeu de Controlo de Doenças, no Reino Unido - onde se detetou até agora o maior número de casos, mais de 70 - os sintomas das crianças com hepatite aguda, além das alterações enzimáticas no fígado, passaram sobretudo pela icterícia. Algumas crianças tiveram problemas gastrointestinais, nomeadamente dor abdominal, diarreia e vómitos nas semanas anteriores a serem diagnosticadas. A maioria dos doentes não teve febre. 

Assim, em resumo, os sintomas de uma hepatite aguda em crianças podem ser: 

  • Vómitos
  • Diarreia
  • Mal-estar
  • Cansaço
  • Dores musculares ou articulares
  • Prostração
  • Falta de apetite
  • Icterícia
  • Febre

Pais devem estar "alerta, mas despreocupados"

Existem seis tipos diferentes de vírus da hepatite: A, B, C, D, E e G. As hepatites podem ser provocadas por agentes infeciosos, como vírus, ou pelo consumo de produtos tóxicos como o álcool, medicamentos e algumas plantas. 

A hepatite A e E resultam da ingestão de água ou alimentos contaminados, a B, C e D exigem contacto do sangue com outros fluídos, transmitindo-se através de relações sexuais, transfusões de sangue, partilha de seringas ou de mãe para filho na gravidez. A hepatite G foi descoberta mais recentemente e o contágio acontece através de contacto sanguíneo.

Segundo o pediatra Caldas Afonso, a hepatite A é frequente em Portugal e surge normalmente na infância ou juventude, mas não evolui para doença crónica, ao contrário das hepatites B e C. Os sintomas da hepatite A são semelhantes aos de uma gripe, raramente exigindo tratamento hospitalar. 

"A grande maioria das pessoas teve hepatite A e não se apercebeu, nas crianças muitas vezes passa despercebida", revela o pediatra Caldas Afonso. "Por isso é que não temos vacinação universal para a hepatite A, só é recomendada para alguns países, como o Brasil, por exemplo"

Já a hepatite B pode tornar-se crónica e ser fatal, evoluindo para cancro do fígado, e é transmitida sobretudo através do contacto sexual e partilha de seringas, mas pode ser prevenida com uma vacina que está incluída no Programa Nacional de Vacinação. A hepatite C assume normalmente formas crónicas e afeta na sua maioria os consumidores de drogas injetáveis, sendo igualmente transmitida através de contacto sexual. É a principal origem de cancro do fígado e uma das mais importantes causas de cirrose. Não existe vacina para prevenção, mas o tratamento nas fases iniciais da doença impede evolução para cirrose e reduz a possibilidade de cancro e morte. 

Quanto às hepatites agudas, nomeadamente em crianças, os pais devem estar "alerta mas despreocupados", garante Caldas Afonso. "Quando o filho não está bem, se tem vómitos, dores abdominais que persistem, os pais pedem apoio e vigilância médica. Pode ser uma simples gastroenterite, mas a nós compete-nos ver se é mais do que isso", realça, explicando que os pediatras, nesta situação, devem "aumentar a guarda" e pedir, nos casos suspeitos, um leque maior de análises que incluam o fígado.

OMS não recomenda restrições

Tanto Tato Marinho como Caldas Afonso consideram que, por não estar identificada a origem destas hepatites agudas, a prevenção fica dificultada. O ECDC refere que a equipa que acompanha os casos no Reino Unido colocou inicialmente a hipótese de se tratar de "um agente infeccioso ou uma possível exposição tóxica" geograficamente limitada. Porém, a informação recolhida através de questionários sobre comida, bebida e hábitos pessoais não encontrou qualquer exposição ou traço que fosse comum entre os doentes. "As investigações toxicológicas estão a decorrer mas uma etiologia infecciosa é considerada mais provável, dado o quadro epidemiológico e as características clínicas dos casos", refere o ECDC.

A OMS, por seu lado, assinala que não estão recomendadas quaisquer restrições a viagens ou trocas comerciais com o Reino Unido e outros países onde foram identificados casos de hepatite aguda pediátrica, baseando-se na informação que está disponível nesta altura. 

No que diz respeito ao tratamento, e excluindo os casos raros em que a insuficiência hepática assume contornos graves e só pode ser resolvida com transplante,a hepatite aguda é normalmente uma doença "autolimitada com evolução favorável", aponta Caldas Afonso. Tato Marinho acrescenta que o tratamento na fase aguda da doença faz-se controlando os sintomas, nomeadamente através do reforço da hidratação, caso haja vómitos, diarreias e perda de apetite, e monitorizando os valores das análises sanguíneas.  "O transplante é uma situação muito rara e faz-se sobretudo em casos de doença crónica ou cirroses. Em Portugal, faz-se à volta de um transplante hepático por mês em criança", conclui o diretor do Programa Nacional para as Hepatites Virais. 

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