Simone Biles está de volta aos Jogos Olímpicos: o desafio da melhor ginasta de sempre

24 jul 2024, 08:00

No Rio de Janeiro encontrou a glória, em Tóquio sentiu-se a falhar. Mais uma vez os olhos do mundo estão sobre a ginasta norte-americana: que ela é a melhor de sempre ninguém duvida, mas conseguirá mostrá-lo em Paris?

"And still I rise" - foi esta a frase, retirada de um poema de Maya Angelou, que a ginasta Simone Biles tatuou em 2021 na zona da clavícula. "E no entanto eu levanto-me". Foi isso mesmo que ela fez. Em Tóquio, há três anos, todos assistimos à sua angústia em direto. A melhor ginasta de sempre. A que tinha conquistado cinco medalhas olímpicas no Rio de Janeiro, quatro das quais de ouro, com apenas 19 anos. Aquela de quem todos esperavam ainda mais e melhor. Depois de falhar alguns exercícios, a norte-americana acabou por anunciar que não se encontrava bem e que, percebendo que poderia estar a pôr-se em risco, era melhor desistir da maior parte dos eventos em que deveria participar nos Jogos Olímpicos. Participou apenas na final da trave, na qual ganhou a medalha de bronze. “Fisicamente estava bem, parecia estar em boa forma, mas internamente precisava de dar um passo atrás", justificou na altura.

"O corpo só consegue funcionar até os fusíveis queimarem", diz Biles no documentário que estreou há pouco na Netflix. A atleta estava a sofrer de “twisties”, bloqueios mentais que fazem com que as ginastas percam a noção de espaço e fiquem desorientadas quanto estão no ar. Todas as ginastas sofrem, em algum momento destes "twisties", mas há alturas em que eles se tornam de facto incapacitantes. “Na maioria das vezes, esta condição não está relacionada com a ginástica”, explica o seu treinador, Laurent Landi.

Se, a seguir ao Rio, em 2016, Simone Biles tinha sentido a habitual depressão pós-olímpica dos vencedores: e, depois disto, fazer o quê?, o que há ainda para ganhar?; desta vez, a pequena ginasta do Texas (tem apenas 1,42 metros) voltou de Tóquio com outro tipo de depressão: sentia-se uma fraude e não acreditava que alguma vez conseguisse voltar a competir. Simone Biles tirou uns tempos para si. Descansou, namorou, fez terapia, casou com o jogador de futebol americano Jonathan Owens, aprendeu a ser feliz longe do ginásio. Esteve um ano e meio afastada da ginástica. E depois começou a voltar, lentamente, sentindo o medo de falhar a cada salto, mas, ainda assim, decidida a não se deixar dominar pela pressão para ser sempre a melhor. "And still I rise."

Simone tinha apenas três anos quando ela e as irmãs foram entregues aos cuidados de uma instituição na sequência dos problemas de adição da mãe. Alguns meses depois, Simone e a irmã mais nova, Adrian, foram morar com o avô, Roger Biles e a sua mulher, Nellie Cayetano, enquanto as irmãs mais velhas foram morar com uma tia-avó. Os avós tornaram-se pai e mãe. Foram eles que a incentivaram, desde muito pequena, a fazer ginástica e que a apoiaram incondicionalmente ao longo de toda a carreira. Aos 14 anos, era já uma atleta da classe elite e começou a ganhar algumas competições nos EUA. Em 2013, com apenas 16 anos, revelou todo o seu potencial no Campeonato do Mundo, em Antuérpia, na Bélgica. Chegou lá como uma caloira, uma miúda assustada, de aparelho nos dentes, e saiu campeã. "Foi a única vez em que tive oportunidade de competir sem sentir as expectativas dos outros", conta, no documentário.

Simone Biles no Campeonato do Mundo de 2013 (AP)

Ser a melhor do mundo é uma pressão enorme. Antes de anunciar a sua retirada da prova por equipas em Tóquio, Simone Biles tinha publicado um post no Instagram que já mostrava que não estava no seu melhor: "Às vezes acho que tenho o peso do mundo nas minhas costas", dizia. "Faço parecer que a pressão não me afeta, mas é muito difícil. Os Jogos Olímpicos não são brincadeira.”

No documentário, Simone Biles conta ainda como foi difícil crescer sendo uma rapariga negra na ginástica, fala do rígido programa de treino dos Karoli, que ela frequentou no início da carreira, e de como a cultura desportiva ensina as atletas a suportarem todas as dores e a imporem-se metas quase inalcançáveis. Finalmente, aborda os abusos do médico Larry Nassar e todo o impacto que o julgamento e o assumir publicamente que é uma sobrevivente tiveram na sua vida. No Jogos Olímpicos de Tóquio, que se realizaram em plena pandemia de covid-19, os atletas não puderam contar com o apoio da família nem da audiência. Competiram em estádios vazios. Passaram duas semanas fechados nos quartos, sem eventos sociais, e fazendo testes todas as manhãs para saberem se podiam continuar em prova. Foram uns Jogos difíceis para todos, e foi nessa altura que "o mundo desabou" sobre Simone Biles.

Depois de Tóquio, Biles recebeu o apoio de muitos fãs, que elogiaram a sua coragem ao assumir os problemas e por saber colocar a saúde mental em primeiro lugar, mas também foi muito criticada nas redes sociais e nos media por pessoas que a apelidaram de "desistente" e "falhada", ignorando o facto de estarem a falar da melhor ginasta de sempre - não só por todas as medalhas que recebeu, mas porque, com o seu grau de dificuldade, a criatividade e a perfeição que apresentou, os exercícios de Simone Biles colocaram a ginástica artística de facto num outro patamar. Neste momento ela tem quatro elementos com o seu nome.

Essas vozes ainda a atormentam, mesmo que ela desligue os comentários nas redes sociais, continue a fazer terapia e tente manter-se o mais focada possível. E o medo de voltar a falhar está sempre lá, admite. Apesar disso, Biles regressou em grande forma. No ano passado, ganhou pela sexta vez o título de campeã do mundo na geral individual (all-around) e continuou a somar medalhas ao seu incrível palmarés: incluindo um total de 37 medalhas nos Jogos Olímpicos e nos Campeonatos do Mundo. Ao mesmo tempo, diz que voltou a encontrar a felicidade na ginástica.

Em Paris, para a sua terceira participação olímpica, Simone Biles vai estar acompanhada pelas já antigas colegas de equipa Jade Carey, Jordan Chiles e Suni Lee e a jovem estreante Hezly Rivera. Biles tem neste momento 27 anos, é a mais velha do grupo, e até agora manteve o silêncio sobre o que pretende fazer depois dos Jogos. Está a viver um dia de cada vez.

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