“É um grande sinal vermelho para os bancos centrais”. Queda do SVB vai obrigar a repensar política de subida das taxas de juro

14 mar 2023, 07:00
Silicon Valley Bank (AP Photo/Jeff Chiu)

Apanhou (quase) toda a gente de surpresa e trouxe à memória o fantasma da crise de 2008. O Silicon Valley Bank caiu com estrondo e os especialistas apontam o dedo à subida intensa das taxas de juro. Será esta a altura de os bancos centrais reverem a sua política monetária?

Em pouco menos de 48 horas, aquele que foi um dos pilares cruciais do desenvolvimento tecnológico americano, o Silicon Valley Bank (SVB), colapsou devido a uma corrida aos depósitos por parte dos seus clientes. A queda fez soar os alarmes de risco sistémico. Governos e bancos centrais afastam, para já, a possibilidade de contágio, mas há quem recorde que existem “bancos semelhantes” que partilham as mesmas condições e podem estar expostos a uma corrida aos depósitos. Para os especialistas, o Silicon Valley Bank é a “primeira vítima” da subida histórica das taxas de juros por parte dos bancos centrais e que, se estes não travarem os aumentos, as famílias e os empresários vão ser fortemente afetados.

“Esta queda é o primeiro impacto de um dominó criado como consequência da subida de juros pelos bancos centrais. Este é um grande sinal vermelho. Os bancos centrais devem começar a pensar em parar ou abrandar a subida das taxas de juro. Eventos como este, criam incerteza no investimento, nas famílias e nos empresários”, alerta o CEO da Optimize, Pedro Lino.

Tal como quase todos os bancos, o SVB não tem dinheiro suficiente para cobrir todo o dinheiro que os seus clientes tinham depositado. Parte do dinheiro desses depósitos era investido em títulos do tesouro que venciam a longo prazo, uma estratégia que funcionava durante o período de juros baixos. Mas a inflação baralhou as contas e obrigou os bancos centrais a aumentar os juros, o que faz com que as obrigações de longo prazo percam valor. E, nos Estados Unidos, em pouco mais de um ano, as taxas de juro dispararam de quase zero para 4,75%.

“O banco tinha feito muitas aplicações com o dinheiro dos clientes. Investiram muito em obrigações do tesouro a longo prazo, cujo preço desceu quando os juros subiram. Este banco não tinha nenhuma proteção contra a subida dos juros”, sublinha Pedro Lino.

E é precisamente aí que a derrocada do SVB começa. O banco anunciou que tinha vendido alguns destes títulos abaixo do preço de compra e que ia vender 2,25 mil milhões de dólares em ações para “tapar” buracos de tesouraria. A notícia fez estrondo e causou pânico entre os clientes do banco. Com mais 90 mil milhões de dólares “presos” em ativos financeiros de longo prazo, os investimentos do SVB passaram, de repente, a valer muito menos dinheiro. As ações do SVB caíram 60% no dia do anúncio e continuaram a cair no dia seguinte, obrigando o regulador a travar a transação de ações e a afastar a liderança da instituição, entregando-a à Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC).

As perdas estenderam-se a todo o setor e o pânico começou a instalar-se entre investidores, que temem que a queda deste banco comercial fundado em 1983 para atender às necessidades financeiras das empresas de tecnologia e inovação da região de Silicon Valley, na Califórnia, contagie outras instituições financeiras. Poucas horas depois, outro banco, o Signature Bank faliu.

“A Reserva Federal tem sido bastante agressiva no combate à inflação e ainda não se tinha sentido o real impacto da subida dos juros. Não se sentia nas famílias, mas sente-se nos bancos. O aumento dos juros pode ter sido demasiado grande”, afirma Henrique Tomé, analista da XTB.

Fantasma do Lehman Brothers

As falências foram o suficiente para trazer à memória os dias difíceis de 2008, quando o gigante banco de investimento Lehman Brothers faliu e provocou ondas de choque um pouco por todo o mundo. Mas estes casos são diferentes, onde o único elemento em comum é estar em causa uma instituição bancária. No caso do Lehman Brothers, o banco perdeu a capacidade de se financiar no mercado interbancário, enquanto os seus ativos sofreram uma forte desvalorização.

“A crise a que estamos a assistir é completamente diferente da de 2008, onde os bancos de investimento tinham o seu balanço endividado a 30 ou a 40 vezes e estavam expostos a ativos considerados tóxicos, que os fizeram cair como dominós”, recorda Pedro Lino.

Por isso, o governo americano apressou-se a tomar medidas para acalmar os investidores que temem que a situação se alastre a outros bancos e os clientes que têm os depósitos no SVB. Inicialmente a FDIC garantia 250 mil dólares dos depósitos dos clientes. Como a maioria dos clientes deste banco eram empresas com montantes bem mais avultados nas suas contas, a Secretária do Tesouro, Janet Yellen, garantiu que todos os depósitos seriam garantidos. No sentido inverso, a administração de Biden recusou estender a ajuda aos investidores, ao não proteger as ações e os títulos do banco.

Um dos possíveis cenários pode ser mesmo a compra do banco por parte de uma instituição bancária de maior dimensão. O próprio dono do Twitter e da Tesla, Elon Musk, admite estar aberto à possibilidade de adquirir o banco. E foi isso que aconteceu com o ramo britânico do banco, que foi comprado pelo HSBC, o maior banco da Europa, pela quantia simbólica de uma libra (1,13 euros). "Esta aquisição faz sentido estratégico para os nossos negócios no Reino Unido”, disse no comunicado o diretor executivo do HSBC, Noel Quinn.

Mas os mercados ainda receiam que os balanços de outros bancos sejam vulneráveis. Da mesma forma que os clientes do SVB correram aos depósitos, milhões de clientes podem tentar fazer o mesmo nestes bancos mais pequenos, excessivamente expostos a obrigações de longo prazo, procurando refúgio em instituições de maior dimensão. “O sistema está bem capitalizado. Os bancos que agora estão com problemas são pequenos demais para serem uma ameaça significativa ao sistema mais amplo”, afirma o economista-chefe da Moody 's, Mark Zandi, citado na imprensa internacional.

“Acredito que a queda do SVB serve como uma chamada de atenção para os bancos centrais ponderarem um pouco a trajetória dos juros”, insiste Henrique Tomé, sublinhando que uma política de manutenção da subida das taxas de juro pode agravar ainda mais a situação impedindo que se evite uma recessão. “Este é um momento crucial para os bancos centrais reverem as suas políticas monetárias”, conclui.

União Europeia sem medo do contágio

A União Europeia diz não estar a ver, para já, o risco de contágio ao setor bancário europeu, após o colapso do SVB. De acordo, com o comissário económico europeu Paolo Gentiloni, a possibilidade de “contágio indireto” existe, mas os sinais de que isso vá acontecer não apareceram. “Existe a possibilidade de contágio indireto, mas não vemos isto como um risco específico”, afirmou Gentiloni, esta segunda-feira, no início de uma reunião do Eurogrupo, com os ministros das Finanças europeus.

Apesar das palavras de tranquilidade, as principais bolsas europeias fecharam em forte queda.

Ainda assim, os analistas acreditam que o Banco Central Europeu ainda vai voltar a subir as taxas de juro, uma vez que começou a subir os juros com algum atraso em relação à Reserva Federal norte-americana. Segundo Henrique Tomé, é esperado mais um aumento de 50 pontos base, que pode revelar-se “demasiado grande”.

E esse cenário já está a ter repercussão nos juros da dívida da Zona Euro, que caíram de forma acentuada na segunda-feira, com os investidores a anteciparem uma subida mais leve das taxas de juro do BCE já na próxima quinta-feira. Segundo os investidores, as preocupações com o setor financeiro irão sobrepor-se ao tema da inflação, que apostam agora como cenário mais provável uma subida de 25 pontos base, contra o aumento de 50 pontos que parecia consensual até à semana passada.

Ao mesmo tempo, travar as taxas de juro pode ser um grande problema para a economia europeia e americana. Apesar de estar numa “trajetória negativa”, a inflação continua alta demais para o gosto dos presidentes dos bancos centrais, que querem evitar a todo o custo o cenário de “estagflação”. A inflação permanece bastante acima da meta de 2% e com uma economia estagnada ou em recessão, a combinação pode ser explosiva. No entanto, mesmo que a subida das taxas de juro seja travada, os efeitos ainda se vão fazer sentir nas famílias.

“Até início do próximo ano vamos continuar a sentir a subida das taxas de juros. Estes aumentos demoram, no mínimo, seis a nove meses a ter impacto no consumo. As famílias ainda vão ser bastante afetadas”, refere o CEO da Optimize.

Em Portugal, a queda da bolsa também foi uma realidade, com o BCP a destacar-se pela negativa ao cair 7,39%. No entanto, a situação financeira do banco não é colocada em causa.

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