Uma análise detalhada do cérebro das crianças pode mostrar como sexo e género são diferentes, diz novo estudo

CNN , Jen Christensen
24 ago, 16:00
Cérebro

Sexo e género são frequentemente confundidos ou equiparados nas conversas quotidianas, e a maioria dos adultos americanos acredita que o género de uma pessoa é determinado pelo sexo atribuído no nascimento. Mas um novo estudo realizado com quase 5 mil crianças de nove e 10 anos descobriu que o sexo e o género são mapeados em partes amplamente distintas do cérebro.

A investigação dá uma primeira visão sobre como o sexo e o género podem ter “influências mensuráveis ​​e únicas” no cérebro, disseram os autores do estudo, tal como foi demonstrado que outras experiências moldam o cérebro.

“Seguindo em frente, realmente precisamos considerar ambos os sexos e géneros separadamente se quisermos entender melhor o cérebro”, diz Elvisha Dhamala, professora assistente de psiquiatria nos Institutos Feinstein de Investigação Médica e no Hospital Zucker Hillside, em Glen Oaks, Califórnia, e coautora do estudo, publicado a 12 de julho, na revista Science Advances.

Os investigadores do novo estudo definiram sexo como o que foi atribuído à criança no nascimento. Nos Estados Unidos, os médicos fazem esta atribuição com base nos órgãos genitais. A maioria das pessoas é designada como mulher ou homem, de acordo com a investigação. O resto é intersexo, uma pessoa cuja anatomia sexual ou reprodutiva não se enquadra neste binário masculino/feminino.

Por outro lado, os investigadores definiram género como a atitude, os sentimentos e os comportamentos de um indivíduo, bem como os papéis socialmente construídos. Observaram especificamente que o género não é binário, o que significa que nem todas as pessoas se identificam como mulheres ou homens.

Tanto o sexo como o género são uma parte central da experiência humana. Eles são a chave para definir a forma como as pessoas percebem os outros e como se entendem a si próprios. Ambos podem influenciar o comportamento e também a saúde, dizem os autores do estudo.

Os investigadores analisaram dados de imagens cerebrais de 4.757 crianças nos Estados Unidos, 2.315 do sexo feminino ao nascer e 2.442 do sexo masculino ao nascer, com idades entre nove e 10 anos e que eram um subconjunto do estudo Adolescent Brain Cognitive Development (ABCD), o maior estudo de longo prazo sobre o desenvolvimento do cérebro e saúde infantil nos Estados Unidos. Durante um período de 10 anos, as crianças do estudo ABCD foram submetidas a avaliações abrangentes de neuroimagem, comportamentais, de desenvolvimento e psiquiátricas.

Além de testes como ressonâncias magnéticas, os cientistas fizeram investigações com as crianças e seus pais focadas no género, tanto no início do estudo como um ano depois. As crianças foram questionadas sobre como expressavam o seu género e como se sentiam a respeito disso. Os pais foram questionados sobre o comportamento sexual da criança durante as brincadeiras e se a criança tinha alguma disforia de género, um termo que os profissionais de saúde mental usam para descrever o sofrimento clinicamente significativo sentido porque a perceção de género de uma pessoa não corresponde ao sexo atribuído à nascença.

Os pais foram uma parte fundamental do estudo, explica o coautor do estudo Dani S. Bassett, professora da Universidade da Pensilvânia, com nomeações nos Departamentos de Bioengenharia, Engenharia Elétrica e de Sistemas, Física e Astronomia, Neurologia e Psiquiatria.

“Quando as crianças têm um tipo específico de comportamento ou expressão de género, isso influenciará a forma como os seus pais e também outros cuidadores, amigos e familiares… etc. interagem com elas”, diz Bassett. As informações sobre a perceção dos pais sobre o sexo de uma criança dão aos investigadores uma melhor noção do ambiente social da criança e de como isso pode afetar o desenvolvimento do cérebro.

Os autores utilizaram um tipo de inteligência artificial chamada aprendizagem de máquina que construiu um modelo que poderia prever o sexo de uma criança e relatar o género a partir de uma TAC (tomografia computorizada) cerebral. Quando os cientistas analisaram as TAC cerebrais das crianças, os resultados pareceram mostrar que o sexo influenciou diferentes regiões do cérebro envolvidas no processamento visual, no processamento sensorial e no controlo motor, além de algumas regiões envolvidas na função executiva, que permite ao indivíduo organizar e integrar informações ao longo do tempo.

O género parece influenciar algumas das redes mais sensoriais específicas associadas ao sexo, mas também parece ter uma influência mais ampla e pode ser detetado em diferentes redes cerebrais envolvidas na função executiva, incluindo aspetos como atenção, cognição social e processamento emocional.

“O facto de sermos capazes de capturar como o género é mapeado no cérebro basicamente diz-nos que o género influencia o nosso cérebro”, diz Elvisha Dhamala.

A estrutura do cérebro humano pode ser moldada por conhecimentos e experiências. Estudos com motoristas de táxi de Londres – que são submetidos a testes detalhados para mostrar que conseguem navegar pelas ruas da cidade sem mapas ou GPS – parecem mostrar que eles têm hipocampos posteriores significativamente maiores, a parte do cérebro relacionada com a memória espacial e com a navegação, do que em pessoas que não são taxistas.

“Da mesma forma, como indivíduos e como seres humanos, somos especialistas sobre nós mesmos e sobre o nosso género. Portanto, faz sentido que o género também seja mapeado nos nossos cérebros”, diz Dhamala.

O que o novo estudo não pode fazer é prever com que género uma pessoa se pode identificar, para além de um instantâneo limitado no tempo capturado pelos exames e inquéritos. O género, observam os autores, não é algo necessariamente estático, e a compreensão que uma pessoa tem do seu género pode mudar ao longo da vida.

O estudo também não consegue determinar que aspetos no ambiente de alguém podem influenciar a sua função cerebral em termos de sexo ou género, nem consegue identificar qual poderá ser a orientação sexual de uma pessoa.

“A orientação sexual é independente do género e do sexo”, especifica Bassett, e pode ser mapeada de forma diferente no cérebro.

Os investigadores dizem que esperam algum dia aprender mais sobre como o sexo e o género interagem na vida de uma pessoa e como se influenciam mutuamente e ao cérebro ao longo da vida. Os cientistas também esperam identificar como diferentes culturas afetam o género de uma pessoa e o desenvolvimento do cérebro.

Uma pesquisa de 2022 mostra que a maioria dos adultos americanos – e a grande maioria dos conservadores – acredita que o género de uma pessoa é determinado pelo sexo atribuído no nascimento. A distinção é fundamental para cuidados de afirmação de género, tratamento médico para pessoas que se identificam como um género diferente daquele que lhes foi atribuído no nascimento. Os políticos conservadores pressionaram um número recorde de proibições de tais cuidados e quase metade dos estados dos EUA promulgaram proibições de cuidados de afirmação de género para menores.

O estudo não analisou se o sexo ou o género eram congruentes ou incongruentes em nenhum participante do estudo. Em vez disso, analisou o sexo e o género binários da criança através de medidas comunicadas pelos próprios e pelos pais. O estudo não pode, por isso, fornecer quaisquer conclusões específicas se o sexo e o género fossem incongruentes.

“No futuro, a esperança é que possamos motivar outros cientistas a considerar a ciência e o género nas suas análises, nas recolhas de dados, nos seus programas e investigações”, diz o coautor do estudo Avram Holmes, professor associado de psiquiatria na Universidade Rutgers.

O campo da neurociência apenas começou a reconhecer e abordar a presença de preconceitos e barreiras à inclusão na investigação, reconhece Holmes.

Uma compreensão mais completa da forma como o cérebro funciona em termos de sexo e de género também poderia ter implicações práticas e potencialmente ajudar os cientistas a encontrar melhores formas de tratar pessoas com doenças relacionadas com o cérebro. Por exemplo, o estudo apontou como as pessoas designadas como homens ao nascer têm maior probabilidade de serem diagnosticadas com uso de substâncias e transtornos de déficit de atenção.

“Não é que o sexo e o género impulsionem necessariamente as taxas de doença, mas as culturas em que as pessoas estão inseridas também podem influenciar a probabilidade de desenvolverem ou não uma doença específica”, diz Holmes. “Portanto, os tipos de pressões ambientais que uma criança sofre ao longo do desenvolvimento podem aumentar ou diminuir o risco de sofrer doenças, independentemente da biologia cerebral inicial.”

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