opinião
Ivone Patrão - Ispa – Instituto Universitário, Applied Psychology Research Center Capabilities and Inclusion (APPsyCI) Miguel Basto Pereira - Ispa – Instituto Universitário, William James Center for Research (WJCR)

Um ecrã, um jovem, um quarto e o mundo atual: há risco de violência?

2 abr, 11:06
Owen Cooper na série "Adolescência" (DR/Netflix)

"Adolescência" é a série do momento. E é também um momento único para os pais atuarem sobre este facto - o quarto já não é um lugar mais seguro do que a rua

Sim, há risco de violência quando um adolescente usa um ecrã. É preciso analisar os tipos de violência (contra o próprio e contra os outros) e que fatores estão associados a esse risco (por exemplo, pessoais, do contexto) para apostarmos na prevenção e na deteção precoce de situações de alarme.

A propósito da série “Adolescência”, de Jack Thorne e Stephen Graham, surgiram os números do que se passa em Portugal com os nossos jovens, que evidenciam um aumento de comportamentos violentos em 2024, em comparação com 2023.

Será que os números são um reflexo de maior capacidade dos jovens se queixarem e pedirem ajuda? Isto, em si mesmo, é positivo.

Na discussão que fizemos sobre este tema, tendo por base a nossa experiência clínica com jovens e famílias, e na investigação em ciberpsicologia e psicologia forense concluímos: um homicídio, um suicídio, um comportamento de bullying e ciberbullying são atos alarmantes, trazem sofrimento e trauma para uma comunidade educativa inteira - contudo, não podemos ficar pelos números.

A clínica e a investigação deixam também o alerta de que os jovens sujeitos a bullying e ciberbullying, enquanto vítimas mas também enquanto observadores, podem estar propensos a dirigir comportamentos agressivos para si (ideação suicida, automutilação, suicídio) ou para os outros (planear um ato violento, passar ao ato).

Um jovem com um ecrã na mão e fechado no seu quarto pode estar a contactar com um mundo lá fora, com vários riscos em simultâneo (desde a dependência online até às questões ligadas à cibersegurança).

Ao ser assim, temos de olhar pelo menos para dois fatores de risco, que são tidos na literatura atual como relevantes:

1. Vulnerabilidade psicológica, que se traduz pela baixa autoestima, ansiedade, depressão, isolamento social. Um jovem tem vários desafios inerentes à fase de desenvolvimento, relacionados com a formação da sua identidade e pertença a um grupo. Quando surgem dificuldades nestas dinâmicas, o ecrã pode funcionar como aquele que dá apoio, que está ali ao lado. Nem sempre o que se visualiza no ecrã é positivo. As comunidades de gaming, as comunidades online de temáticas mais extremistas ou os grupos de WhatsApp, Telegram, Discord podem ser exemplos de comunicação agressiva. Contudo, não deixam de ser um grupo de pertença onde um jovem mais vulnerável recebe atenção e se torna mais permeável a qualquer pressão e influência social.

2. Contexto e história familiar. A forma como nos vinculamos, como comunicamos e resolvemos conflitos em família são uma base para aquilo que será a nossa forma de interagir no mundo atual, seja online, seja offline. A segurança emocional, a supervisão e a regulação emocional parental são essenciais na gestão deste trio: ecrã, jovem e quarto. As crenças parentais de que um jovem no quarto está mais seguro, que está bem e que está a estudar são um primeiro passo para a inexistência de supervisão e de negociação de regras e limites para o uso da tecnologia.

Dito isto, e voltando à serie “Adolescência”, há uma mensagem interessante, de transgeracionalidade familiar: o pai afirma que o seu pai foi agressivo e que não queria perpetuar esse estilo parental com os filhos e que, por isso, talvez tenha sido mais brando e menos participativo na vida do filho. Deixa passar a ideia de que o via calmo no seu quarto, com o ecrã, e como tal assim o deixava estar.

Naquilo que possam ser os naturais conflitos entre pais e filhos na adolescência é importante nunca perder um canal de comunicação através de um interesse em comum, que permite o diálogo e a valorização – esse é um importante veículo para manter a conetividade ao mundo interno do jovem.

O ecrã não é um substituto de pessoas. Ainda que se possam conhecer pessoas através de um ecrã, precisamos do toque, do cheiro, do olhar. Na presença do outro conseguimos sentir como está, pela leitura da linguagem não verbal. Os jovens que estão em risco, a entregar o seu mundo interno ao que o mundo online lhes devolve, precisam ainda mais dessa conetividade, dessa presença.

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