Porque é que há pessoas que dão sentimentos humanos a objetos inanimados? É isto que dizem os especialistas

CNN , Taylor Nicioli
27 out 2024, 11:00
Antropomorfizar é a ação de atribuir comportamentos ou sentimentos humanos a animais ou objetos – que não conseguem sentir as mesmas emoções dos humanos (Rawf8/iStockphoto/Getty Images)

Antropomorfizar é a ação de atribuir comportamentos ou sentimentos humanos a animais ou objetos – que não conseguem sentir as mesmas emoções dos humanos

Quando vai ao supermercado, Lilianna Wilde às vezes procura o carrinho de compras que toda a gente evita, aquele com uma roda que range e que parece triste.

Quando chega a hora de arrumar a louça, Lilianna Wilde coloca o prato que estava em baixo no topo, para que possa ser usado.

E quando tem de se desfazer do seu par de calças favorito, aquele que usou durante anos, Lilianna Wilde sente-se mal pela peça de vestuário enquanto a dobra pela última vez.

Não é nada que impeça esta mulher de ter uma vida normal, diz. É apenas um momento de emoção pelo objeto, que não pode devolver o sentimento. Quando Lilianna Wilde falou deste fenómeno num vídeo na sua conta de TikTok, onde costuma publicar conteúdos sobre relacionamentos e estilo de vida, descobriu que não era a única a fazê-lo. Houve pessoas a comentar que tinham sentimentos pelos seus animais de peluche, plantas, mobiliário e até mesmo pela voz do GPS do telefone.

A breve humanização desses objetos não-sencientes pode ser parte do desejo natural de alguém em estabelecer ligações no seu quotidiano, diz Melissa Shepard, psiquiatra certificada em Maryland, nos Estados Unidos da América.

“Estamos, de algum modo, equipados para nos ligarmos com outras pessoas. E, às vezes, isso estende-se para outras coisas, que não são pessoas”, explica a especialista. “Como humanos, procuramos formas de criar sentido no mundo. Uma das mais fáceis é entendermos o mundo através das nossas próprias experiências”.

Não é nada com que nos devamos preocupar, a não ser que se torne um sentimento extremo, que interfere com o nosso dia a dia. Isto é o que os especialistas têm a dizer sobre este curioso comportamento.

Antropomorfizar objetos da casa

Quando as pessoas sentem empatia por objetos inanimados, estão a antropomorfizar, ou seja, a atribuir comportamentos ou sentimentos humanos a animais ou objetos que não podem sentir as mesmas emoções que nós, diz Melissa Shepard.

Não se sabe, com exatidão, porque fazemos isto. Contudo, os especialistas têm alguns palpites. Às vezes, os sentimentos estão associados a objetos que a pessoa tem há muito tempo, deixando-as sentimentais ou nostálgicas, lembrando-as de outras épocas das suas vidas, explica Kim Egel, terapeuta de casais e famílias, a trabalhar na Califórnia.

“Acho que todos temos coisas que tocam mais no nosso coração”, afirma Kim Egel. “É comum os humanos fazerem isto… Talvez haja algumas pessoas que o façam mais por determinadas razões”.

Pode ser a projeção dos sentimentos de alguém no objeto, tal como a atribuição a esse objeto de uma emoção sentida no passado, como a solidão quando esse objeto está isolado. Ou pode ser um sinal de que a pessoa não está a obter a ligação que quer e deseja de outros humanos, aponta a especialista.

Quando Lilianna Wilde partilhou o vídeo pela primeira vez, pensou que talvez fosse a única pessoa a experienciar sentimentos pelos objetos, recorda.

“O meu marido, que entra no vídeo comigo, não compreendia de forma nenhuma. Ele dizia-me algo do género ‘Não percebo como podes ter algum tipo de sentimento humano em relação a algo que não é humano nem está vivo”, descreve Lilianna Wilde. “Mas não é algo ao mesmo nível daquilo que sentimos por um humano, é apenas um sentimento comparável”.

“Não é como se afetasse o meu dia a dia. É mais do género: penso nisso rapidamente, sinto-me mal pelo par de calças, e depois acabou. Toma-se consciência. ‘Porque é que me estou a sentir triste por causa disto? São só calças’. E depois seguimos em frente”.

Lilianna Wilde pergunta-se se estes sentimentos podem ter origem nos filmes que adorava ver quando era criança, tal como a saga “Toy Story” da Disney ou “A Bela e o Monstro”, que atribuem vida a coisas que não a têm no mundo real. Ou talvez resultem de sentimentos que experienciou quando era criança, quando era deixada de parte ou ignorada, e que não queria que ninguém notasse, acrescentou.

Lilianna Wilde questiona-se se antropomorfizar é algo mais comum nas pessoas que assistiram a filmes como “Toy Story” enquanto eram crianças, dando vida a coisas que não a têm no mundo real (Snap/Shutterstock)

“Às vezes pergunto-me se me identifico com o carro de compras estragado porque não cuidaram de mim – para não parecer dramática”, diz Lilianna Wilde. “Pergunto-me se tenho esta necessidade de garantir que ninguém se sinta sozinho… então transporto isso para a banana que é deixada sozinha na bancada”.

Há uma condição médica conhecida como síndrome do companheiro delirante onde as pessoas levam esses sentimentos de empatia a um nível muito mais extremo, convencendo-se de que os objetos têm emoções. Contudo, é algo muito menos comum do que a simples antropomorfização, diz Melissa Shepard. A antropomorfização é algo que a especialista nota mais frequentemente em pacientes neurodivergentes, que costumam ter sentimentos mais intensos, ao ponto de causar perturbações na vida quotidiana, acrescenta.

Se alguém der por si a antropomorfizar a um ponto em que começa a evitar certas atividades à custa desses sentimentos, ou for incapaz de lidar com determinadas coisas devido a essas emoções intensas, Melissa Shepard recomenda consultar um profissional de saúde mental.

Na maioria das vezes “é algo normal de se fazer, e às vezes pode ser sinal de que temos uma imaginação mesmo saudável… bem como um sinal de que é possível sentir empatia por outras pessoas com maior facilidade”, vinca Melissa Shepard. “É também uma coisa muito bonita, porque penso que nos permite ligarmo-nos com pessoas, objetos e coisas de formas que de outra forma não faríamos”.

Sentir empatia por robôs e pela Inteligência Artificial

Às vezes, os robôs também ganham a simpatia, tal como aconteceu na antropomorfização dos veículos da NASA [agência espacial norte-americana] que exploram Marte, também conhecidos como rovers. Em agosto de 2013, um ano depois do sucesso do seu lançamento, o rover Curiosity cantou os parabéns a si próprio. Foi rapidamente apelido como o aniversário mais solitário da galáxia. Em fevereiro de 2019, quando o rover Opportunity foi declarado morto – mandou a última mensagem para a estação espacial em junho de 2018, traduzida como “a minha bateria está fraca, está a ficar escuro” –, os utilizadores das redes sociais responderam a esse anúncio com expressões de luto.

Numa altura em que a inteligência artificial começa a integrar-se no nosso quotidiano, as investigações procuram perceber se os ‘chatbots’ [ou seja, os robôs com quem é possível conversar, como o ChatGPT] podem levar as pessoas a sentir emoções similares àquelas que experienciam com outros humanos”, diz Marlynn Wei, psiquiatra e fundadora da prática de psicoterapia holística em Nova Iorque. De uma forma geral, se os robôs tiveram mais traços parecidos aos humanos, como rosto, voz, personalidade ou linguagem corporal, é mais provável que as pessoas sintam empatia por eles, acrescenta.

Contudo, se os robôs forem demasiado perfeitos na sua parecença com os humanos, isso cria o efeito oposto, conhecido como Vale da Estranheza. Este fenómeno consiste numa reação de estranheza e desconforto em relação à animação CGI [animação gerada por computador] ou a máquinas não humanas, tal como um robô com olhos similares aos humanos, explica Marlynn Wei, que também tem um projeto que explora as reações das pessoas a clones de inteligência artificial delas próprias ou de pessoas que lhe são queridas. O projeto, que está no terreno há cinco anos, chama-se “Elixir: Digital Immortality” [Elixir: Imortalidade Digital, em tradução livre].

Estes companheiros criados pela inteligência artificial estão a tornar-se cada vez mais populares. Todavia, os especialistas ainda não sabem como podem afetar o desenvolvimento ou a saúde mental de alguém, destaca Marlynn Wei. “Estamos a resolver o nosso problema de solidão a dar companheiros de inteligência artificial às pessoas. Mas será isso uma coisa boa? Será realmente com esta intimidade artificial que queremos resolver o problema da solidão? É uma ligação social saudável? Estamos ainda a tentar perceber como a inteligência artificial tem impacto no nosso dia a dia”.

Saúde

Mais Saúde
IOL Footer MIN