Manter a união do grupo, extrair o melhor de cada, aprender com as derrotas. Os conselhos dos especialistas em gestão para a nova fase da seleção nacional

15 dez 2022, 18:00
William Carvalho, Pepe, Otávio, Bernardo Silva e Raphael Guerreiro festejam o 2-0 no Portugal-Suíça, apontado por Pepe

Em gestão chama-se a esta uma "equipa de alta performance". Tens problemas e desafios específicos. E soluções, testadas em empresas de topo, prontas a aplicar, com ou sem Fernando Santos e Cristiano Ronaldo

"Gerir uma equipa de estrelas futebolísticas é, metaforicamente, equivalente a estar perante um ballet em que todos se sentem prima ballerinas. Se se atender a cada valor individual, perde-se o foco e o espetáculo resulta impossível. O segredo está em assegurar que o propósito do coletivo é superior a qualquer indivíduo e que apenas com o esforço e talento de todos se alcançam os resultados almejados."

Quem o diz não é nenhum comentador de bancada, mas dois especialistas em gestão de equipas de alta performance ouvidos pela CNN Portugal: Jorge Gomes, professor catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa e Ricardo Alves, professor adjunto na PUC de Minas, Brasil, e investigador em desporto no ISEG (Advance). 

A ideia é esta: uma equipa de futebol que reúne os melhores jogadores de um país não é muito diferente de uma equipa de trabalho numa empresa de topo. Por isso, os desafios que existem na gestão de uma seleção nacional (portuguesa ou não) são, em última análise, desafios para os quais os especialistas em gestão terão algumas orientações e soluções. Todos os elementos da equipa são os melhores na sua função, mas a par da elevada competência também o grau de exigência é elevado e as expectativas em relação aos resultados são enormes. 

Como gerir uma equipa de "craques"?

O primeiro desafio será, portanto, manter a coesão numa equipa composta por ‘craques’. "Gerir egos é sempre complicado. Em qualquer contexto", começa por dizer Miguel Pina e Cunha, professor de teoria da organização e comportamento organizacional na Nova Escola de Negócios e Economia, da Universidade Nova de Lisboa. "À medida que nos especializamos e tornamos mais conscientes do nosso valor desejamos ser tratados de uma maneira diferenciada. O desafio: não como neutralizar os egos, mas como os colocar ao serviço de uma mesma missão? E há egos e egos: estrelas que ajudam os outros a melhorar e egos egoístas. Se os segundos puderem ser dispensados...”

E no caso de equipas desportivas, principalmente o futebol que já é carregado de ‘egos’ devido à elevada visibilidade deste desporto, “a gestão da equipa é um dos maiores desafios para os gestores", afirmam Jorge Gomes e Ricardo Alves. O caminho para a coesão passa por demonstrar que “os objetivos de grupo (títulos, classificações) são sempre passos importantes para os objetivos individuais e que sem o esforço de todos nenhum dos objetivos será alcançado. Neste caso, gerir egos é tentar trazer os resultados individuais para dentro do esforço de grupo e fazer com que as pessoas, mesmo os craques da equipa, se sintam parte da engrenagem neste processo."

A liderança tem de ser conquistada

"A liderança é dos fatores mais críticos num grupo com estas característica", admitem os professores do ISEG. "O líder é uma peça fundamental, e sobretudo o respeito que jogadores e outros stakeholders têm para com o treinador e para com o capitão da equipa (peça de destaque, apesar de para muitos apenas parecer que é o detentor da braçadeira)", explicam Jorge Gomes e Ricardo Alves.

Para o professor Miguel Pina e Cunha, o líder deve "aceitar as diferenças e colocar sempre o grupo acima do indivíduo - incluindo as estrelas. Definir regras, as 'ground rules' da equipa. Regras simples podem ajudar a definir fronteiras entre o aceitável e o inaceitável".

"Esta liderança tem atributos particulares. Por exemplo, tem de ser conquistada, em vez de atribuída. Não adianta colocar a braçadeira de capitão num atleta que não a tenha conquistado. O atleta torna-se líder por todos os resultados e pela sua postura enquanto atleta nas suas equipas e depois na seleção nacional. O líder de uma equipa de futebol precisa ter bom desempenho como atleta, mas precisa saber comunicar e entender o momento para dirigir as suas palavras aos companheiros, à comissão técnica, aos fãs, e principalmente à imprensa. São nestes momentos que se mostra a capacidade de auxiliar atletas a melhorar o seu desempenho individual e auxiliar na integração de esforços do seu grupo."

"Raramente uma equipa de alto desempenho não possui destaques individuais", explicam os professores do ISEG. É também por isso normal que "esses atletas de maior destaque tenham ascendência com os demais, principalmente os mais jovens, não é um grande problema, desde que esse processo de 'superioridade' tenha sido conquistado de maneira natural à medida que os jogos aconteçam, e que o atleta de maior relevância tenha de facto alcançado por meio dos seus resultados individuais e em equipa. Talvez o maior problema é quando essa relevância não se traduz em ações construtivas em campo ou nos bastidores. Os problemas mais comuns seriam os conflitos de interesses e a ausência de coesão do grupo em função de uma liderança mais autocrática do que natural, com maior equilíbrio e integrada aos objetivos do grupo."

Numa equipa há elementos insubstituíveis?

"Todos somos temporários logo substituíveis", responde o professor da Nova. "A biologia define a regra. Mas há pessoas mais substituíveis que outras, obviamente. Mas é fundamental que todos se sintam importantes seja qual for o seu papel."

"Nenhum atleta é insubstituível em qualquer desporto, tal como ninguém é insubstituível em qualquer outra organização humana", concordam os professores do ISEG. "Não é um elemento particular que faz a diferença, mas sim o coletivo, não obstante, poder haver rasgos de talento individual que fazem a diferença. Pelo que qualquer equipa deve conseguir planear formas de atuação na ausência do seu líder ou do seu atleta principal."

Como enfrentar o fim de uma carreira brilhante?

"Afastar os craques da equipa é uma das tarefas mais complexas e ingratas para os gestores de clubes ou seleções, e ainda mais quando esses atletas têm posição de respeito e veneração por parte dos adeptos e do grupo de trabalho", começam por dizer os professores do ISEG. 

"Todos declinamos. E todos temos dificuldades em lidar com esse declínio. Assumir novos papéis pode ajudar. Aproveitar a experiência é importante", concorda Miguel Pina e Cunha.

Por outro lado, afirmam Jorge Gomes e Ricardo Alves, "a substituição de ídolos sempre ocorrerá em função de desgaste físico pela idade, queda no desempenho e perda de motivação. Por isto é necessário trabalhar o processo de substituição gradual, preparando para o dia em que o atleta principal deixa de jogar". 

Dessa forma, "é importante perceber quando se chega a um ponto de não retorno em termos de desempenho elevado, que normalmente é mais tardiamente percebido pelo próprio atleta, que resiste – emocionalmente – a abandonar o estrelato. Quando tal se torna progressivamente óbvio para todos, há que tomar decisões difíceis e impopulares, mas que podem resgatar a estima e o respeito de toda a equipa. No caso de seleções nacionais, é esperado que as convocações aconteçam escolhendo os melhores atletas de cada posição naquele momento e não atletas que tenham história, mas que já não se traduz em desempenho de alto nível. E quando se trata de craques de alta relevância e muito destaque internacional, o afastamento deve ser gradual e o processo de comunicação deve ser o mais transparente possível, evitando-se os ruídos que podem prejudicar a própria gestão da equipa no médio e longo prazo".

Derrotas: "Chorar faz parte, mas há que levantar a cabeça"

No desporto como na vida, "as vitórias e as derrotas importam: as vitórias energizam, as derrotas testam o espírito de equipa. É nas derrotas que se testa o espírito de equipa", afirma Miguel Pina e Cunha.

"O futebol e o desporto, de uma forma geral, é feito de um vencedor e de vários competidores. Existirão sempre vários derrotados por cada vencedor, sendo que a derrota deve ser digerida em cada contexto", relembram os professores Jorge Gomes e Ricardo Alves.  Assim, "quando as derrotas surgem, há que entender quais foram os erros cometidos para servirem de inspiração e conhecimento para os novos ciclos. Ganhando ou perdendo uma competição, é necessário ajustar os rumos do planeamento e pensar em novas conquistas que virão apenas para que aqueles que se organizarem melhor para elas. Chorar faz parte, mas há que levantar a cabeça e organizar para as competições do futuro."

 

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