Teremos sempre Paris: o legado de Fernando Santos na Seleção

15 dez 2022, 21:00
Fernando Santos no Portugal-Uruguai

Casamento entre a Seleção Nacional e Fernando Santos chegou ao fim esta quinta-feira, depois de oito anos de união que tiveram como ponto alto o Euro 2016, em França

Teremos sempre Paris.

Fernando Santos despede-se esta quinta-feira da Seleção Nacional e a Seleção Nacional despede-se esta quinta-feira de Fernando Santos.

Fica muita coisa deste casamento de oito anos, mas a principal é essa: teremos sempre Paris.

O início em Paris, claro

Fernando Santos foi anunciado como selecionador nacional no dia 23 de setembro de 2014, na ressaca de um Mundial no Brasil muito pobre para as hostes nacionais e de uma derrota surpreendente na receção à Albânia, no arranque da qualificação para o Euro 2016. Paulo Bento foi o sacrificado.

Ora, quis o destino que o agora treinador de 68 anos se estreasse no banco das quinas em Paris, num particular frente à França, que Portugal perdeu por 2-1. Três dias depois, o primeiro jogo oficial, com um triunfo na Dinamarca arrancado a ferros: Cristiano Ronaldo cabeceou para o 1-0 aos 90+5 minutos.

Daí em diante o apuramento português foi irrepreensível, com sete triunfos em outros tantos jogos. Estava comprado o bilhete para a história.

Fernando Santos voltou a França, desta vez já com quase dois anos à frente da Seleção Nacional e com uma equipa que apesar de estar longe de ser brilhante, era suficientemente sólida para lutar pelo título.

O início do Euro não foi espetacular, mas com alguma sorte à mistura, cumpriu-se o objetivo mínimo de passar a fase de grupos. Na fase a eliminar, o conjunto português transcendeu-se e cumpriu a promessa de Fernando Santos antes da viagem para solo francês: a de voltar apenas após o dia da final, e em festa.

Croácia, Polónia e País de Gales ficaram pelo caminho, e era tempo de regressar ao Stade de France, onde tudo havia começado, diante do mesmo adversário. A França já cantava de galo, com autocarros preparados para os festejos, mas Éder encheu-se de fé para cumprir a profecia de Santos. Portugal era campeão da Europa.

Casamento de sonho, a desavença antes de nova festa

A Taça das Confederações, em 2017, não correu nada por aí além – Portugal caiu nas meias-finais diante do Chile –, e o Mundial 2018, depois de um apuramento garantido de forma direta num duelo até ao fim decidido com a Suíça, também não foi brilhante.

Já com uma geração mais capaz, a fase de grupos foi sofrida, como havia sido no Euro, e Portugal caiu no primeiro teste de «mata-mata», frente ao Uruguai. Levantaram-se algumas vozes de descontentamento, principalmente pela forma como a Seleção jogava, mas Santos tinha crédito suficiente para continuar a liderar os destinos das quinas.

E aumentou-o em 2019

Liga das Nações, a última grande festa de um casamento que não mais voltou a ser igual

Na primeira Liga das Nações alguma vez disputada, Portugal saiu como campeão e festejou assim o segundo título da sua história. A Final-Four em Portugal foi de festa, coroada com um hat-trick de Cristiano Ronaldo frente à Suíça e com o golo decisivo de Gonçalo Guedes na final frente aos Países Baixos. Fernando Santos marcava ainda mais o seu nome nos registos históricos da Seleção.

Mas não mais o casamento voltou a ser igual.

A geração portuguesa ia ficando cada vez mais forte, mas as exibições tardavam em acompanhar essa melhoria. Mais do que isso, os resultados começaram a ser curtos.

A fase de apuramento para o Euro 2020 voltou a não ser perfeita e Portugal acabou o grupo atrás da Ucrânia, mas ainda assim com bilhete direto para tentar a revalidação do título.

Se essa revalidação do Euro estava de pé, o mesmo não se pode dizer da Liga das Nações. Num grupo com França, Suíça e Croácia, uma derrota caseira ante os gauleses acabou por hipotecar o objetivo da Final-Four para a formação das quinas. Foi nesse período, de resto, que Fernando Santos se tornou no treinador com mais jogo ao serviço da Seleção Nacional. Fê-lo em Paris, claro. Sempre Paris.

De regresso ao Euro: essa revalidação do título ficou longe, bem longe.

A fase de grupos começou com uma vitória indiscutível, mas tardia frente à Hungria (3-0), antes de uma descida à terra com uma derrota dura, pelo resultado e pela exibição, frente à Alemanha.

Os «oitavos» foram conseguidos, mas a Bélgica foi mais forte no La Cartuja e a participação de Portugal ficou por aí. Saudades desse Euro de 2020, realizado no verão de 2021, os portugueses iam ter poucas.

O crédito de Fernando Santos, conseguido muito graças à conquista do Euro 2016, ainda perdurava, mas ia ficando cada vez menor.

Portugal chegou às duas últimas jornadas da qualificação para o Mundial 2022 a depender só de si para conseguir o apuramento. O nulo em casa da Irlanda foi simpático tendo em conta a palidez da exibição portuguesa, e a derrota nos últimos minutos frente à Sérvia esvaziou o balão de oxigénio de Santos: a Seleção Nacional, uma das melhores do mundo, tinha de ir ao playoff.

Turquia e Macedónia do Norte ficaram pelo caminho, Portugal comprou bilhete para o Qatar. Antes, havia a Liga das Nações para disputar. Mais problemas para Fernando Santos.

Novamente, Portugal chegou ao último jogo a precisar de um empate para se apurar. Ficou na expectativa e deixou-se derrotar pela Espanha em Braga. A contestação aumentava.

Mundial 2022, o mais conturbado de todos

Depois de um e outro murro no estômago, Fernando Santos reinventou-se: assumiu uma nova forma de jogar, com mais liberdade para a criatividade.

Mas o Mundial não lhe deu tréguas, com Cristiano Ronaldo no centro das atenções. Os problemas do capitão português transportaram-se para o seio da Seleção. Santos foi fintando o tema, mas não o pôde fazer quando Ronaldo reclamou publicamente da decisão de o tirar de campo na segunda parte do encontro diante da Coreia do Sul.

Castigo ou não, o selecionador nacional fez o impensável e «sentou» Ronaldo no duelo com a Suíça. A aposta não podia ter corrido melhor: Gonçalo Ramos, o substituto de CR7, fez um hat-trick e Portugal goleou por 6-1.

A exibição foi de sonho, Portugal estava no céu, e por isso a queda foi maior quatro dias depois, quando a equipa das quinas caiu frente a Marrocos, nos quartos de final.

Fernando Santos teve de vir embora do Qatar mais cedo do que o previsto, e, porventura pela primeira vez em oito anos, sem futuro definido. «Vou falar com o presidente», respondeu, quando questionado sobre a continuidade ao leme da Seleção.

109 jogos e dois títulos depois, Fernando Santos, o treinador que mais tempo esteve ao serviço da Seleção Nacional, e o que mais ganhou, despede-se do cargo.

Acabamos como começamos: teremos sempre Paris.

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